Nos últimos dias, anunciámos o lançamento do novo Festival Descobre o Teu Interior. Um evento anual dedicado a debater o futuro do interior do país e das localidades com baixa densidade populacional.
A vontade de fazer uma grande iniciativa regular que aborde este tema surge quase naturalmente quando iniciamos uma reflexão sobre o que efetivamente conhecemos da maior área geográfica do país.
Cerca de 45% dos portugueses vivem nas zonas metropolitanas de Lisboa e Porto. Se somarmos toda a população das faixas litorais, do Minho ao Algarve, chegamos a 70% das pessoas que vivem em Portugal. Há uma imensa faixa do território, praticamente o dobro do litoral, onde vive apenas 30% da nossa população.
Mas pior do que esta assimetria é o facto da sangria da desertificação ainda estar bem presente e robusta. Estima-se que hoje cerca de 45 municípios do interior tenham menos de 5.000 habitantes, com a probabilidade de este número se multiplicar nos próximos anos.
O desaparecimento de pessoas de muitas zonas do interior é uma verdadeira tragédia do ponto de vista económico, social, cultural e antropológico. Ao longo do tempo, muitas expressões culturais, actividades económicas, vivências comunitárias e formas únicas de “se fazer as coisas”, deixam, simplesmente, de existir.
Os tempos evoluem, afirmam muitos. Mas este eclipsar da riqueza social e cultural de cada comunidade não é compensado pela criação de novas dinâmicas que possam equilibrar as perdas do desaparecimento. Só tem existido uma tendência negativa.
E por falar em negativo, quando é que nos lembramos do interior? Quando é que o espaço mediático e político se ocupa deste tema? Apenas quando existem catástrofes naturais ou se atinge um extremo na assimetria de tal ordem de grandeza que é impossível olhar para o lado.
Bom, vamos arregaçar as mangas e tentar fazer a nossa parte. Primeiro, prometemos fazer uma iniciativa anual, que nos obrigue a reflectir sobre esta matéria num determinado momento do ano. Para o fazer, vamos sempre atrair um conjunto de personalidades que possam trazer pensamentos consequentes e provocadores.
Chamamos políticos, desde a Ministra da Coesão Territorial, passando pela Secretária de Estado da Valorização do Interior, até ao ex-Secretário de Estado do Turismo, Adolfo Mesquita Nunes. Mas também convocamos pessoas da cultura, como o coreógrafo Rui Horta, o escritor Afonso Cruz ou a ceramista Carolina Garfo.
Convidamos pensadores, como o João Teixeira Lopes, a Reitora da Universidade de Évora, Ana Costa Freitas, ou o Francisco Ferreira, da Zero. Mas também nomeamos pessoas do mundo económico, como o Luís Araújo, Presidente do Turismo de Portugal, ou a Catarina Valença Gonçalves, da Spira.
Em segundo lugar, queremos apelar a uma mensagem positiva e de esperança. Isso sente-se desde o nosso design à forma como estamos a organizar a nossa programação, criando o Palco Música Portuguesa a Gostar Dela Própria, curado pelo Tiago Pereira, e o Palco Academia Portuguesa de Cinema, com uma seleção de curtas e longas metragens que abordam a temática do interior de Portugal.
Vamos, de forma muito forte, apostar no digital. Este ano seria natural que o fizéssemos, mas o nosso compromisso é manter este esforço nas próximas edições. A transição digital é uma das maiores oportunidades na diminuição da desigualdade litoral/interior. Qualquer actividade profissional que exija uma componente virtual significativa pode ser exercida, tranquilamente, no interior do país, desde que as condições técnicas e de acessibilidade assim o permitam.
Nesta edição, embora de forma ainda bastante envergonhada devido à pandemia, vamos dar voz aos municípios do interior que estejam interessados em fazer parte desta viagem. Para já, contamos com a Guarda e Mértola e, durante o festival, vamos ter palcos dedicados a cada localidade para se mostrar o que de melhor se faz por lá.
Por último, não vamos ficar apenas pelo Festival Descobre o Teu Interior. Seria insuficiente canalizar toda a nossa energia apenas para um momento no ano. Por isso já assumimos a nossa vontade de ocupar pelo menos 50% do nosso espaço editorial com reportagens, entrevistas e notícias sobre o interior do país.
E temos mais ideias guardadas que vamos revelando ao longo deste ano. Estamos prontos para a luta.
Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico
-Sobre Tiago Sigorelho-
Tiago Sigorelho é um inventor de ideias. Formado em comunicação empresarial, esteve muito ligado à gestão de marcas, tanto na Vodafone, onde começou a trabalhar aos 22 anos, como na PT, onde chegou a Diretor de Estratégia de Marca, com responsabilidades nas marcas nacionais e internacionais e nos estudos de mercado do grupo. Despediu-se em 2013 com vontade de fazer cultura para todos.
É fundador do Gerador e presidente da direção desde a sua criação. Nos últimos anos tem dedicado uma parte importante do seu tempo ao estreitamento das ligações entre cultura e educação, bem como ao desenvolvimento de sistemas de recolha de informação sistemática sobre cultura que permitam apoiar os artistas, agentes culturais e decisores políticos e empresariais.