Alma, de Tiago Correia, estreou a 30 de Janeiro no Teatro Aberto, onde estará em cena até 1 de Março.
Com encenação de Cristina Carvalhal e Pedro Filipe Marques e interpretação de Bernardo Lobo Faria, Bruna Quintas, Guilherme Moura e Sofia Fialho, a peça conta uma ferida, que se torna uma falha com dimensões de abismo.
Há um rapaz imobilizado numa cama, coberto de gesso e ligaduras que não ligam. Numa angústia profunda e impaciência de viver, experimenta o hiato, a fenda e o frio no interior da casa, a presença dos que só o visitam em ausência. Vêm ter com ele, frequentemente, dois amigos, que, na verdade, vêm, sem saber, contra ele, dando-lhe a provar o desencontro, em sintoma de desencanto, com os outros e com a vida.
Está sempre do outro lado e esse lugar é materializado quando, por vezes, os amigos, com seus telemóveis, fotografam a sua fragilidade, o seu corpo desfigurado exposto, e colocam nas redes sociais, com uma inconsciência e irracionalidade rodeando os seus gestos. Há um egoísmo que não lhes permite atravessar o tecido da sua pele. Não entram em casa do amigo porque nunca saíram da sua própria casa. Quando este se revolta, é-lhe respondido: “Não sabes o sucesso que ias ter”.
Só o público vai ouvindo os fragmentos que o rapaz vai confessando e vendo os seus pensamentos projectados em painéis.
Na verdade, ninguém sabe é o que aconteceu, o motivo daquele corpo estar assim.
Há um corte com a tragédia no seu ponto máximo. O mundo velho cai e o renascimento da personagem principal acontece por via de uma presença, que sabe o mistério. Ao descamar a vida, aproxima-se e algo se une e anima. “Não era mais uma personagem que entrava. De alguma forma, era quase como se, de repente, a alma entrasse ali, alguma coisa que lhe estava a fazer falta, alguma coisa de diferente que não tem a ver com aquele plano do real, em que os outros vivem”, apresenta Cristina Carvalhal.
Esta personagem contrasta com o absurdo do ambiente que o rapaz habitava, porque lhe dá sentido, através do amor, como se se tratasse de uma cura biográfica, uma salvação integral. O enigma deixa de ser a causa que levou o rapaz àquele estado, para ser a identidade desta presença ambígua, uma espécie de “anjo”, “paira, se calhar, não está junto a, mas anda por ali”, reflecte a encenadora. Este anjo que se aproxima e acorda-o, embora não se saiba em que dimensão, surge como elemento purificador e unificador, onde a morte e a vida se confundem. “Tanto pode ser mais uma miúda, que entra ali pela porta dentro, como pode ser outra coisa, de outro plano”. Porque esta personagem também aparece nos painéis, “pode ser uma coisa forjada pela cabeça dele, eventualmente, que se materializa ali”, interroga Cristina Carvalhal.
Ele experimenta a relação com a essência. “É ridículo, mas eu acho que, muito claramente, consigo ver a tua alma”, diz o rapaz.
Por debaixo do chão, estão lâmpadas acesas. O cenário deixa, então, o real mais suspenso, atenuando-o com o “carácter onírico, do sonho”, que “se vai desvendado, nos vários conflitos que eles têm ali acumulados, que não falam, não conseguem falar, e que se vão resolvendo, muitas vezes, da pior forma”, explica a encenadora.