Em relação à minha orientação sexual, identifico-me como pansexual. Um nome quiçá estranho para muita gente, mas deixem que vos explique porquê: pansexual é alguém que pode sentir atracção por outra pessoa, independentemente do seu género. Inclui, portanto, pessoas trans (cujo género não é aquele assinalado à nascença) e pessoas não binárias (pessoas que sentem que o seu género não se insere em nenhuma nas duas categorias, feminina e masculina, definidas pela sociedade). É isto que sou.
Enquanto crescia, sempre soube que seria bissexual. Sempre me senti atraída por homens e mulheres. Nasci assim, sei lá. Com o tempo, acabei por abrir o leque, não apenas por conhecer outras realidades de identificação de género, mas também porque é o que me faz sentido. No fundo, acabei por descobrir que posso sentir-me atraída por qualquer pessoa, independentemente do seu género ou sexo.
Sempre me senti um pouco deslocada em relação à minha orientação sexual. Não é que sentisse vergonha em assumi-la, mas também nunca senti que fosse relevante. Até que comecei a morar com duas amigas que eram um casal e que me abriram os olhos para muita coisa e que começaram a levar-me ao Pride.
Um dos desafios que sinto em ser assim é que não sou levada a sério no que diz respeito a sentir atracção por mulheres. Nos anos de faculdade, a propósito de achar uma amiga de uma amiga gira, disseram-me: "Esquece. Ela é lésbica mas não sai com bis”. Tirei logo o cavalinho da chuva.
Sou sincera: sempre foi mais fácil para mim estar com homens. Talvez porque sempre que sinto interesse em alguém que não seja um homem, não quero ser invasiva nem desrespeitosa e mais dificilmente avanço. E diria que os homens também sentem um maior à-vontade em expressarem o seu interesse na maioria dos meios em que me desloco, facilitando a interacção.
Por outro lado, se estou com um homem que sabe que me sinto atraída por outros géneros, a minha orientação sexual é normalmente fetichizada. Parece que, para eles, é um extra conveniente para uma vida sexual mais apimentada. Na verdade, nem preciso de estar com um homem para que este preconceito se faça sentir. Infelizmente, homens predadores, bisbilhoteiros e inoportunos são uma realidade para muitas mulheres que saem com outras mulheres de forma romântica. Muitas vezes (mais do que o que seria aceitável), intervêm, assediam, chegam com um mansplaining sobre o que deveríamos estar a fazer em vez de beijar outra mulher. Mas isso é tema para toda uma outra crónica.
Em relação a ter estado sobretudo com homens, em vez de pessoas de outros géneros, questionei-me muitas vezes porque é que agiria assim. Alguns dos motivos para isto já partilhei. Mas, para além disso, confesso que sinto os tais condicionamentos sociais empurram-me para um mais fácil flirt com um homem do que com alguém de qualquer outro género.
Sentir que a minha história não era a de mais ninguém custava-me e por isso sentia não ter espaço debaixo do guarda-chuva LGBTIQ+. Até que as minhas amigas, o tal casal homossexual que referi anteriormente, me disseram que era óbvio que eu tinha de agarrar na minha orientação sexual e sentir orgulho nela. Que aquele Pride também era para mim e que aceitar ser descredibilizada acabava por ser uma validação de uma mentalidade discriminatória.
Talvez haja quem se identifique com esta história que conto, talvez haja quem me leia com surpresa. Lamentavelmente, as pessoas bissexuais muitas vezes são vistas pela própria comunidade LGBTIQ+ com estranheza: porque, se a interacção for homossexual, consideram-nos como as pessoas que não querem arriscar, que não saber assumir um compromisso; e porque, homens hetero (neste caso, cis), pegam na nossa orientação sexual e fazem dela um fetiche.
Enfim, com todas estas experiências sempre me senti colocada de parte. Não considero que integre o padrão, mas também não sou suficientemente diferente. A verdade é que uma pessoa não precisa de estar com alguém do mesmo género para saber que é bissexual ou pansexual.
Por isso, que este mês do orgulho LGBTIQ+ seja verdadeiramente orgulhoso; que seja uma oportunidade para toda a gente se questionar sobre o que ouviu e/ou sobre o que disse em relação a orientações sexuais e expectativas e que todas as pessoas sintam sempre espaço para amarem quem quiserem e como quiserem.
Feliz mês do orgulho LGBTIQ+ a toda a gente. Pelo orgulho, sempre.
*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico
-Sobre Catarina Maia-
Catarina Maia estudou Comunicação. Em 2017, descobriu que as dores menstruais que sempre tinha sentido se deviam a uma doença crónica chamada endometriose, que afecta 1 em cada 10 pessoas que nascem com vulva. Criou O Meu Útero e desenvolve desde então um trabalho de activismo e feminismo nas redes sociais para prestar apoio a quem, como ela, sofre de sintomas da doença. “Dores menstruais não são normais” é o seu mote e continua a consciencializar a população portuguesa para este problema de saúde pública.