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Pergunta da Sorte com André Viamonte

André Viamonte, cantor e compositor, nasceu em Zurique, filho de pais emigrantes, de Vila Real,…

Texto de Andreia Monteiro

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André Viamonte, cantor e compositor, nasceu em Zurique, filho de pais emigrantes, de Vila Real, e cresceu e viveu em Singen, na cidade do Sul da Alemanha. Encontrou inspiração nas diferentes culturas musicais que crescia a ouvir, desde o folclore português, passando pelo fado, ópera, jazz, bossa nova e até as vozes búlgaras. Em 2013, já em Lisboa forma-se em Musicoterapia acabando por agregar toda a sua área pessoal da música com a parte terapêutica. Em 2016, lança o álbum de estreia VIA. Em outubro, esperamos o seu novo trabalho, Monte, que conta com a participação da atriz Eunice Muñoz,B. leza (hip pop), Nippy AshWinder (voz, cantor oriundo da Índia), Beatriz Nunes (voz atual dos Madredeus) e Coimbra Gospel Choir.


Foi num início de tarde ventosa que me sentei numa esplanada da Gulbenkian com o André Viamonte. Enquanto montava o tabuleiro de jogo, fomos enumerando nomes de outros músicos que já tinham passado pela Pergunta da Sorte. Contagiada pela gargalhada particular do André, expliquei as regras do jogo para, sem mais demoras, ingressarmos nesta viagem da sorte. Bugga!, diz-me o André, seguindo-se a explicação de que esta foi uma expressão que adotou da sua sobrinha e que significa ‘bora lá’! O dado rola, e avançamos quatro casas, indo parar à casa do Sê Criativo, que lança um desafio que o convidado tem de resolver de forma criativa.

Sê Criativo: Tens aqui 8 formas. Podes usá-las e repeti-las da maneira que quiseres e não tens de as usar a todas. Em dois minutos, cria uma imagem artística.

Dei as oito formas ao André, juntamente com um papel em branco, que pudesse servir de tela para a sua criação. Enquanto ia brincando com possíveis combinações, cantarolava. Pergunto-lhe se é uma pessoa muito visual, e ele diz-me que sim, questionando-me como é que sabia disso. O que o denunciou foi a sua página de Instagram recheada de ilustrações complexas, que agora me explica serem uma tentativa de fazer uma banda sonora de imagens que estão na sua cabeça e que são transcritas por um ilustrador. Ainda antes de poder tirar uma fotografia à sua composição, pede-me para fazer um último ajuste: o dado deveria revelar o número cinco. Podes ver a composição do André em baixo.

Composição com 8 formas por André Viamonte

André Viamonte (AV): Mas sim, sou muito de imagem. Por exemplo, no meu primeiro disco, usei muito o preto e branco. Havia um arquiteto que desenhava as linhas de emoção, fazia linhas para a alegria, a imaturidade, a raiva. Então, falei com uma ilustradora, que se chama Inês Ferreira. Tento ir buscar nomes ilustres desconhecidos, em que me apaixono pela sua vida e história. Pessoas que se cruzam comigo pela vida. Ela não tem jeito para desenhar caras, dizia ela. Mas tinha um jeito para desenhar linhas e com paciência. Então, foi fazendo ondas com uma linha, baseadas na inspiração desse arquiteto, que era desenhar a linha do sentimento da alegria, da irascibilidade, plenitude, perda, paragem, desapego, partida. Fez ilustrações para cada tema, ilustrações lindíssimas para o álbum VIA. Depois, foi buscar frases às letras, colocando-as como títulos. Ou seja, é sempre uma banda sonora ilustrativa. No novo álbum, Monte, que estamos a fazer, é completamente fora. Fui buscar um designer, e ele é extraordinário. Executa tudo o que tenho na minha cabeça. Estamos a ter um trabalhão, porque estamos a ir buscar gravuras do século XIX, XV, XIV, XII, todas as gravuras possíveis. E estamos a fazer o quê? Estamos a manipulá-las com Photoshop, e etc., e estamos a contar uma história, doutra história, doutra história. É tudo intrincado. Tenho um tema que se chama “Imprinted Love”. O processo de imprinting é o processo que as aves fazem quando elas nascem do ovo. O processo não é o mesmo que o de um mamífero. Ele, a primeira que pessoa que vê, faz um imprinting. Então, se és tu quem está à frente dele, vai associar que és tu a mãe dele e vai perseguir-te para o resto da vida. Dei este nome, porque é um tema que aborda a maternidade e paternidade, falando da questão da adoção. Ser pai ou mãe sem ser biológico, o criar alguém. E o que é que fomos fazer? Agarrámos num coração anatómico e metemos dois fetos em cada ventrículo, como se fossem dois gémeos, um que é yin e outro é yang. Depois há aquelas Nossas Senhoras com o coração sagrado de Maria, então metemos lá esse coração. A mensagem é que a maternidade está acima da religião. Mais do que Virgem Maria, ela era uma mãe. Ponto. Mais do que a sua religião, ela defendia o amor que tinha pelo filho. E o que a religião defende, acima de tudo, é o amor. Acho que depois a religião se começa a diluir por regras, políticas, poder e corrompe-se e dilui-se. Acho que a mensagem devia ser muito mais redutora à palavra amor. Estamos a fazer tudo muito nesse sentido com estas imagens.

Andreia Monteiro (AM): Fixe! E estão lindas as ilustrações que me mostraste. Tenho notado uma tendência em apostar em ilustrações para os discos, naquele livrinho onde costumam estar as letras das músicas. Acho muito interessante, porque ligam os poemas das músicas com essa linguagem visual, que a complementa, e que cria uma narrativa mais rica.

AV: As minhas são um bocadinho diferentes no sentido em que são ilustrações isoladas, como se fossem mesmo gravuras que depois podem ser impressas. Tendo as frases das músicas também permite imprimir essa ilustração como algo segmentado.

Chega a altura de voltar a lançar o dado, que nos mostra o número cinco. Vamos parar à casa da Pergunta Rápida, em que temos cartas com perguntas que têm de ser respondidas sem pensar muito.

Pergunta Rápida: Hoje ou amanhã?

AV: Amanhã!

Sem demoras, fazemos rolar o dado. Quatro casas à frente, somos introduzidos ao Pessoal, em que as cartas fazem perguntas sobre a vida pessoal do artista.

Pessoal: Qual foi a última pessoa a quem disseste “obrigado” e porquê?

AV: São tantas. Disse obrigado à pessoa que me deu o lugar quando entrei no parque de estacionamento.

AM: Obrigada por se ir embora! (risos)

AV: Acho que o “obrigado” é uma palavra muito controversa em português. As pessoas dizem-me “obrigado”, e eu digo-lhes, “não fui obrigado, foi de boa vontade.” Na realidade, o português diz isto de uma maneira gira. Di-lo quase como quem diz “obriga-te, porque é um dever cívico”. Devíamos fazer isso de livre e espontânea vontade.

AM: Ser inato.

AV: Ser inato em nós. Ou seja, agradecimento de sermos gratos e não cobrar a ninguém. Devia ser algo que já nasce connosco. Não deveríamos estar agradecidos esmeradamente, nem devíamos ser obrigados a agradecer esmeradamente. Devia ser uma comunidade mais fluída nesse sentido. Acho que as pessoas não se agradecem mutuamente ultimamente e não procuram. Está, cada vez mais, a haver uma comunidade desligada, e os “obrigados” são cada vez menos. Este “obrigado” em português surge quase como uma obrigação, como um dever cívico, portanto és obrigado a dizê-lo. Bugga!

Lançado o mote pelo bugga, voltamos a dar atenção ao dado, que nos revela o número quatro. Vamos parar à casa da Carreira, em que as cartas revelam perguntas sobre a vida profissional do artista.

Carreira: Qual foi o teu primeiro trabalho?

AV: O meu primeiro trabalho foi uma coisa espetacular. Fui guia na Fundação Casa de Mateus, aos quinze, catorze anos. Fazia visitas em alemão, inglês e português e pregava sustos às minhas colegas debaixo das camas do século XVII. (risos) De repente, elas gritavam asneiras porque as assustava.

AM: Instalavas o pânico.

AV: Dizia logo que era eu! Porquê? Porque havia aqueles cristais do século XVI que começavam a tilintar e tinha medo que aquilo se partisse. Foi o meu primeiro trabalho e foi espetacular.

Sem partidas nem gritos, o dado desafia-nos a avançar três casas. Chegamos a outro Sê Criativo.

Sê Criativo: Um amigo teu está triste porque partiu uma unha. Que playlist lhe recomendarias? (sugere, no mínimo, 5 músicas)

AV: Uma unha? (risos)

AM: Sim! Pode ser uma situação de grande infortúnio. (risos)

AV: Teria de pensar na pessoa e em como ela pensa, porque nunca sugiro músicas minhas. O que para mim é uma banana, para o outro pode ser uma lua em quarto crescente. Por isso, vou sempre ter de pensar na pessoa. Se a pessoa que partiu a unha é extremamente vigorante dá-lhe uma playlist vigorante também. “Vai ouvir mas é aquelas coisas que gostas de ouvir e não conheces”. Dava-lhe uma playlist, provavelmente, de novos compositores, coisas novas que podia não conhecer e que fossem intensas, que mexessem com ela, que tivessem mobilidade emocional para ela se libertar. Se fosse uma pessoa reprimida, muito bem-disposta, mas bloqueada, e que ficasse triste, mas não fosse muito de se exprimir, dava-lhe uma playlist de cinco músicas do tipo Mark Mancina, Clint Mansell, Mahler, André Viamonte (risos), Salvador Sobral e ele que escolhesse cinco músicas deles. Dava-lhe essas plataformas para que se pudesse exprimir e não teria como fugir. Para que pudesse libertar o que sentia. Ouvir as músicas a sós para que pudesse digerir. Tudo depende da pessoa e temos de pensar nela e no que precisa.

Volta a ser a vez do dado. Seis casas à frente temos a oportunidade de ver respondida mais uma pergunta sobre Carreira.

Carreira: O que podemos esperar do projeto em que estás a trabalhar agora?

AV: Ui!

AM: Portanto, o Monte!

AV: Não estás bem a ver o que vem aí.

AM: Já falámos da parte da ilustração, mas depois tens convidados especiais na vertente musical, não é?

AV: Sim! Vamos começar pelo início. Tenho o Coimbra Gospel Choir, um coro que é dum talento enorme e que são extremamente disponíveis e acessíveis. Adorei trabalhar com eles e conhecê-los. Eles adoraram cantar. Aquilo é um misto dum coro mais antigo com um gospel. Há uma segunda participação que é o B.leza, o rapper. Fantástico! Intenso, muito intenso. Acho que ele é a minha outra versão urbana. Sou uma fusão de tudo, e ele é extremamente urbano. Mas somos muito parecidos em termos de cabeça. Tivemos a falar e parecíamos pessoas muito iguais, parecíamos dois irmãos e amo-o de paixão, porque, na realidade, ele tem uma mente tão profunda, é inteligentíssimo e é dum talento incomensurável. Depois tenho a Beatriz Nunes, que é um talento também, emergente, que já está a dar muito que falar. É a voz atual dos Madredeus. Ela quando ouviu o resultado ficou completamente boquiaberta. Adorou o que ouviu, porque realmente aquilo soa a Madredeus dos anos 90. Mais do que isso, gostei da história dela. Como pessoa, artista, é resiliente e extremamente talentosa, mas como pessoa, mãe, é das pessoas mais pragmáticas. Muito parecida comigo. Só consigo colaborar com pessoas assim.

AM: Com quem sentes uma ligação forte?

AV: Ligação forte e de história. Ou seja, não é só o que elas me podem oferecer a nível de talento. É também pela história que me comove, a história que elas me dão. Depois, temos um indiano que vendia flores em Cascais, e ele, de repente, começa-me a cantar no Cascais Jazz Club. Perguntou-me se eu queria flores e eu disse que não, mas que queria que ele cantasse. Começou a cantar, e eu fiquei rendido. Uma voz quente, linda de morrer. Comecei a fazer uma harmonia com ele e gostei.

AM: Mas ele era cantor?

AV: Era cantor na Índia. Tinha uma história de vida marcante. O irmão mais velho morreu, tinha uma mãe que tenta trazer tudo para os filhos e não consegue, então ele vem para Portugal para conseguir trazer uma melhor qualidade de vida para a mãe. Então, de repente, perguntei se ele queria cantar uma música comigo. Ele achou que eu estava a delirar. Pu-lo no carro a ouvir a canção, e ele começou a fazer uns cânticos comigo. Entretanto, fui gravar as cordas e tal, e ele achou que já tinha desistido dele. Estava habituado a ter muitas pessoas a passarem por ele que diziam que ele cantava muito bem e depois nada. De repente, quando lhe perguntei se estava pronto para gravar, ele disse-me que ia para França! Ele ia no dia seguinte e como é que o ia gravar agora? Queria-o no álbum. Ele ficou comovidíssimo por não ter desistido dele. Perguntei-lhe onde é que ele estava e disse-me que estava no casal ventoso. Era meia-noite, telefonei para os estúdios a ver se havia algum aberto. Àquela hora, não havia nada. Decidi gravar no carro com o telemóvel. Nisto, já eram três da manhã e ele estava em Cascais. Estava muito comovido a despedir-se dos amigos e ficou surpreendido por eu ter ido ter com ele, mas eu não ia a lado nenhum até que ele cantasse. Ficou dentro do carro comigo e gravámos alguns takes. Depois, fiz-lhe uma entrevista e falou da mãe, em como devia estar orgulhosa dele, e falou-me dos planos dele para a viagem para França. Passado uns tempos voltou, para ouvir o tema, e acho que nunca vi ninguém tão grato. É das pessoas mais adoráveis que já conheci. Depois tenho outra participação que é a Eunice Muñoz. Convidou-me para ir lá a casa e foi outra das ternuras que vou guardar. É das pessoas mais ternurentas que conheci. É ternurenta sem o ser, estás a entender?

AM: Sim.

AV: Gravou uma das partes mais bonitas do álbum que é a da memória, do legado. Um poema bonito, muito simples, que é como a vejo e faz o fecho do ciclo do álbum. A vida é todo o legado que fica, em que nós vamos, mas permanecemos no coração de todos. Ela estava com medo que a voz não ficasse bem. Disse-lhe para não se preocupar, porque a voz fica sempre bem. É a voz que utiliza para a sua neta, sobrinhos, o seu filho. É essa a voz que quero, não a da declamação. Quando ela ouviu, a família, ficaram completamente radiantes, porque é a voz que conhecem, a de casa, não é…

AM: A voz colocada de atriz.

AV: Sim. Ela estava com medo, porque já não tinha essa voz. Mas não, queria a voz da essência, da alma. Portanto, este álbum é um trabalho minucioso, de muita dedicação e envolvência e é de histórias. As pessoas que se encontram e estão a dar mais que trabalho. Estão a dar uma história, e sente-se isso quando se ouve. O que é que o álbum pode oferecer?

AM: Muita coisa!

AV: Muita coisa. É uma coletânea de histórias. Vamos para o próximo! Estás a ver como falo muito?

AM: Eu também sofro do mesmo problema!

O André volta a pegar no dado. Duas casas à frente, vai parar ao número 28, em que nada acontece. Num novo lançamento, descobrimos o número três que nos leva a outro Sê Criativo.

Sê Criativo: Pensa no teu número da sorte. Sem falar, conta-nos uma história em x passos.

O André decide que quer fazer um desenho e pede-me um lápis, para além das canetas de cor. Diz-me que vai desenhar uma coisa muito simples. Quando termina, apenas me diz que se trata de um desenho abstrato. Vê o desenho do André em baixo.

 

História desenhada pelo André Viamonte

 

AV: Esta é uma história que vou fazer num projeto mais à frente.

AM: Podes contá-la?

AV: É a história de um miúdo sem cor, o que rima com dor. Enquanto tem dor, fica sem cor. Enquanto não se despoja da sua dor não tem espaço para absorver cor, quase como acontece com uma esponja cheia de água. Tem de despejar a dor. Então, vai haver um dia em que ele consegue negociar e vai-se encontrar com as diversas cores e consegue ir-se libertando duma dor e absorve uma cor, liberta outra dor e absorve outra cor. Quando olha para ele, já está cheio de cores e diz para ele próprio que afinal isto valeu a pena.

AM: Que giro. É metáfora em que nunca tinha pensado.

AV: Também tem que ver com o LGBT e com toda essa envolvência. É por aí.

Seguimos para o próximo, que nos aguarda, quatro casas à frente, com uma pergunta sobre Carreira.

Carreira: Qual o trabalho que mais gostaste de fazer até hoje?

AV: Todos! Não consigo fazer nada de que não goste. Até estar aqui. Se não gostasse, via-se logo na minha cara. Ia torná-lo bom, arranjava mil e uma maneiras de tornar isto divertido. Agora, se houve algum que tenha gostado menos, não foi pelo que eu estava a fazer, mas pela direção por serem sistemas demasiado estéreis e com regras estandardizadas e que não veem o melhor dos funcionários e equipas. Isso restringe e atrapalha-me.

Com um gosto assumido por desafios, quando o André volta a pegar no dado, este leva-nos, duas casas à frente, para outro Sê Criativo.

Sê Criativo: Muahahahah. Hora do desafio!!!

AV: O quê? És tu a escolher? (risos maléficos)

AM: Sou! Diz-me um poema de que gostes.

AV: Sophia de Mello Breyner, Inscrição. Aí ela diz: “Quando eu morrer voltarei para buscar/ Os instantes que não vivi junto ao mar.”

AM: Muito bem. Agora o desafio é: qual é a imagem desse poema?

AV: Não é desafio nenhum.

AM: Não? (risos)

AV: Na verdade, estou a trabalhar com a Ana Zanatti, porque ela vai fazer isso e fiz a banda sonora do poema. Estava a vê-la regressar em forma de vento e fica o vulto dela em forma de pó de areia, em frente ao mar. Um mar azul-cobalto. O pôr-do-sol, mas com nuvens que não são tempestade ainda. Ainda há luz do dia, e vês o vulto da Sophia levantado da areia por instantes. É com esta imagem que fico de cada vez que leio aquele poema.

AM: Desafio superado!

Seguimos jogo e avançamos seis casas, indo parar ao número 43, em que nada acontece. De seguida, avançamos três casas. Somos recebidos por uma Pergunta Rápida.

Pergunta Rápida: copo meio cheio ou meio vazio?

AV: Tem dias. Bipolaridade aqui. Se estou bem é meio cheio, se estou mal é vazio, nem há meio vazio. Normalmente, o copo é meio cheio. Mas quando vem a teoria de Murphy o raio do copo vem sempre vazio, já não existe copo, não existe nada. Até o copo está partido! Que copo? Não há copo nenhum. (risos)

Num dia de copo meio cheio, o André volta a sua atenção para o dado. Três casas à frente, vamos parar a uma casa Pessoal.

Pessoal: Qual é o teu talento escondido?

AV: Imitação de sons.

AM: OK, mas tais como?

AV: Quando era miúdo, imitava sinaleiros. Agora a voz mudou, mas imitava um sinaleiro na perfeição. Ainda consigo fazer isso quando tenho a voz muito quente. Uma vez, um polícia mandou a minha mãe parar e disse-lhe que eu estava a imitar a buzina. Ela defendeu-me. Como é que podia ser? Quando cheguei a casa, fiz o apito e a minha mãe quase me dava um enxerto! (risos) Era de loucos! Também fazia de buzina, tipo vuvuzela, e assustei muitas pessoas com isso. Houve uma vez em que a minha irmã estava grávida nos Santos Populares e começou a sentir-se mal no meio da multidão. Comecei a ficar assustado e o meu cunhado disse-me que me ia pedir uma coisa que normalmente não me pedia que era para fazer a buzina. Começo a fazer e as pessoas a afastarem-se. Uma vez fiz isto ao pé do Lux Frágil, e um barco respondeu-me!

AM: Isso é ótimo! (risos)

AV: Não é normal.

AM: Não é, de todo! (risos)

AV: Imitava baleias, o vento, um sonar. Imitava sons desses.

Muito perto do final, a minha esperança de ainda calharmos numa Pergunta da Sorte é grande. Mas tal não acontece. O André lança o dado e chegamos à casa final do jogo. No entanto, peço-lhe se lhe posso fazer uma pergunta das minhas, já que, pela primeira vez, não calhámos em nenhuma casa que me permitisse fazer uma pergunta. O André disse-me que podia, sem dúvidas.

Pergunta da Sorte: Formaste-te em Musicoterapia e, a propósito do teu álbum de estreia, disseste que a música pode ser uma via de união pelo sentimento. O que te fez perceber isto e de que forma é que a música pode ser esta VIA?

AV: Na realidade, tinha composições em gaveta. Achava que não era um compositor bom o suficiente. Comecei em metal, depois fui para jazz. Não tenho formação, então achava que não tinha isso. Tive abordagem ao clássico, porque tive uma infância em que a minha mãe esteve a trabalhar numa das casas mais ricas da Europa e tive acessos da cultura assim. Estava a fazer um desenho em cima de um Salvador Dalí e depois vim estudá-lo na escola. (risos) Misturando isso com ir para casa ouvir o forró português, ir para o jardim de infância ouvir flamenco ou música turca, fervilhava tudo culturalmente cá dentro. Entretanto, os meus pais ficaram na Suíça e vi-me sozinho e foi difícil. Para uma criança, ficar sozinha, sempre foi difícil e refugiava-me na música. Comecei a fazer ritmos com pessoas deficientes e vi-os a melhorarem. Pensei que aquilo pudesse ser uma viragem, acredito nisto porque a minha segunda mãe foi a música. Foi a que me conseguiu manter são e fez com que não desistisse da minha estrutura. Então, comecei a aplicar este meu método às crianças com quem trabalhei e via-as a recuperar. Fui para musicoterapia e o meu instrumento era a voz. Entretanto, comecei a descobrir que podemos usar alguns instrumentais conhecidos, ou tocar. Mas não conseguia tocar, só compor. Sou muito criativo, então quando ia tirar uma música, dava por mim e já estava a criar. Comecei a acompanhar os instrumentais e a criar algumas canções minhas, mas nunca pensei que tivesse alguma saída. Entretanto, mandaram-me para o casal ventoso para trabalhar com um grupo e já tinha esquecido o fazer carreira de cantar porque sempre fui rejeitando em programas. Decidi esquecer os programas de televisão, porque não era uma coisa para mim. Sou muito diferente na maneira como canto e apresento as coisas. A rejeição era constante, então esqueci e decidi fazer um trabalho diferente em musicoterapia. Lembro-me das músicas que tinha em gaveta e dividi em três grupos: um de senhoras que perderam os filhos, um com demência e um grupo de senhoras que não se davam bem. Em cada grupo, criámos músicas. Ao início, por não se falarem, não sabiam o que estavam ali a fazer. Mas dizia-lhes que elas não estavam ali para falar, mas sim para cantar. Tenho uma maneira de estar muito simples, e este tipo de pessoas dão-se comigo neste sentido. Tentei fazer com que comunicassem, mas a cantar, porque elas não se falavam. Às tantas, começam todas a rir. Cantávamos canções que iam buscar o tradicional, o passado para um presente, e quando vais pegar no passado delas para um presente que está doente, fica curado, porque o passado era saudável. Depois, também trabalhei com a questão da perda. Em entrevista pessoal, abordei várias senhoras que tinham perdido os filhos e vi que estavam todas a sofrer o luto individualmente, por isso pu-las todas em grupo. Elas não sabiam as histórias umas das outras. Umas tinham perdido os filhos, outras os companheiros. Dores diferentes, mas dores iguais. Pedi para cada uma das cinco mulheres escolherem uma palavra, porque, quando crio, começo por escolher uma palavra que me faz sentido. Uma escolheu “amor”, outra “saudade”, outra “felicidade”, outra “agora”, outra disse “filho”. Depois disse-lhes para cantarmos estas palavras em cima de um instrumental meu e nasceu uma música com esta letra:

“Agora saudade, felicidade, amor

Filho, agora, saudade, amor”

Só isto. Depois pedi-lhes para criarem pontes entre as palavras – dos, das. Resultou nisto:

“Amor de uma saudade

Saudade de um amor

Felicidade de uma saudade

É filho de amor”

A catarse reinou, e elas começaram a comover-se. Uma disse, “meu filho”, e outra disse, “o meu também”, e começaram a falar. Este era o refrão delas que transmitia carinho, apego e tristeza. Pedi-lhes para escreverem um verso para cada um dos filhos e, no final, desafiei-as para fazerem um concerto.

Após a partilha desta e doutras histórias, voltamos à Casa Gerador, a casa final do jogo, em que o entrevistado irá responder a uma pergunta do convidado anterior e deixar uma pergunta para o próximo. Ainda se lembram da pergunta da Carla Chambel? “Como agir?” Podes rever a pergunta da Carla aqui. Vê o vídeo em baixo para saberes qual a resposta do André e a pergunta que deixou para o próximo convidado da Pergunta da Sorte. Vemo-nos em breve!

Entrevista por Andreia Monteiro

Se queres ler mais crónicas da Pergunta da Sorte, clica aqui.

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