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Pode a mulher preta descansar?

Nas Gargantas Soltas de hoje, Shenia Karlsson fala-nos sobre a carga psicológica das mulheres negras.

Opinião de Shenia Karlsson

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Recentemente, entre tantos convites que recebo, fui convidada a participar de um podcast de grande alcance no Brasil e o assunto da pauta do dia foi Mulheres negras e o direito ao descanso. Minha presença no programa era falar dos efeitos da exaustão na mulher negra. É uma plataforma pensada para as questões do universo feminino e implementa discussões dinâmicas, inteligentes, descontraídas e vivazes. Também outros temas mais profundos são abordados, principalmente temas em que a  saúde mental está envolvida. Foi uma conversa dinâmica mas muito cara para nós mulheres negras, e isso ficou bem evidente diante das inúmeras manifestações de agradecimentos que recebi via mensagens. Confesso que muitas vezes não tenho noção do impacto de minhas palavras, o quanto podem mobilizar emocionalmente esse grupo social. Eu sigo na missão.

“Que episódio incrível, ouvi duas vezes, já anotei vários tópicos para conversar na terapia. E tô aqui refletindo” Seguidora nas redes sociais

Neste artigo quase denúncia, senti-me impelida a chamar a atenção sobre o extremo cansaço ao qual as mulheres de hoje estão submetidas, especialmente mulheres negras. O direito ao descanso é o maior dilema da mulher pós- contemporânea, visto que a mulher comum acumula várias funções e está sempre direcionada a atender uma expectativa do social e sua própria auto-exigência — temos sido rigososas com nós mesmas e entre nós. O mito da mulher maravilha, vencedora, de sucesso, líder, influenciadora, realizada em todas as dimensões da vida e plenamente feliz, impregnou nossas mentes de uma forma a ponto de muitas de nós nos sentirmos uma zé ninguém se a vida em casa não for a vida do instagram. Tudo isso também é extremamente cansativo. 

“Estou cansada, exausta! Não vejo a hora de tirar férias, no momento me contento com um feriado prolongado” Seguidora nas redes sociais

Contudo, ao falar da  importância do descanso, de quais mulheres estamos a falar?  

As mulheres têm construído hierarquias entre si e a questão racial embora pouco pensada e/ou abordada, sempre permeou a relação das mulheres assim como seus lugares sociais. Se por ventura hoje fizéssemos uma fila de direito ao descanso, provavelmente as mulheres negras ficariam no final dessa fila, ou nem entraria nela. Num passado recente colonial, mulheres negras davam conta da vida de toda sociedade para que mulheres brancas pudessem descansar. Ah, mas isso é passado, agora a hierarquia é econômica e não racial! Desafio você cara leitora a passar uma vista no mundo real, não acho ser difícil concluir o óbvio. Acontece hoje e é real, pelo menos para nós mulheres negras.

“Ouvi e amei. Quantos insights em relação a minha existência. Traduziu tudo que eu nunca consegui explicar em palavras. Todo incómodo que senti a vida toda. Preciso de você como psicóloga. Pra ontem!” Seguidora nas redes sociais

A mulher negra foi socializada para trabalhar sem descanso e aprendemos isso desde muito cedo, seja com nossas mais velhas, seja num ambiente de trabalho em que numa divisão de tarefas nós acabamos por receber mais demandas. O pior? Aceitamos. Ela aguenta!, dizem eles. Como somos também seres sociais, acreditamos nessa mentira e pagamos um alto preço por ela, mesmo porque ao impor limites somos acusadas de preguiçosas, ora vejam!

O mito da mulher negra guerreira é totalmente instrumental, serve para uma sociedade que sente-se confortável em explorar nossos corpos seja da maneira que for. Eu não sei outras mulheres negras, mas eu simplesmente ODEIO ser chamada de guerreira. Não sou eu uma mulher, apenas? Repito a mesma pergunta de Sojourner Truth, ora bolas! Nessa história de guerreira, caímos na armadilha da romantização onde o pano de fundo é a total precarização de nossas vidas, somente. Outro aspecto sobre o nosso cansaço é a solidão vivida nele. Somos acusadas de dramáticas e a falta de empatia com o nosso estado físico e emocional é recorrente, até entre aqueles que nós amamos, esse fato causa profunda decepção pois como somos desumanizadas fora de casa, é muito mais triste viver isso em nosso lar, lugar esse que deveria nos proteger e não nos aviltar.

“Eu ouvi e estou simplesmente impactada até agora. Você trouxe questões de relação e solidão através de prismas que eu nunca tinha olhado. Destravou vários questionamentos e cada vez mais vejo que preciso fazer terapia com uma psicóloga preta(...) Gratidão por tanto!” Seguidora das redes sociais

A mulher negra de quase toda a faixa etária chega à consulta exaurida. Numa equação perversa, a matemática do racismo aliada ao sexismo nos resulta em maiores sobrecargas, responsabilidades e expectativas. Para além da luta contra o sexismo e a misoginia, tem uma luta completamente invisibilizada embora seja uma realidade concreta para nós, a luta contra o racismo. O racismo em si é cansativo demais!  Ô cara chato e insistente, não se manca!  Lutar contra a desigualdade, a discriminação e a violência social certamente provoca sérios prejuízos em nossa saúde mental. As experiências traumáticas acumuladas, aliadas aos enfrentamentos diários, nos trazem sérios danos à saúde mental e emocional. 

“Amando o episódio de hoje, escutando neste momento e a minha cabeça  tá assim de tanta informação que eu nunca  tinha parado para pensar…perfeito” Seguidora nas redes sociais

E a pergunta central é, pode a mulher preta descansar? DEVE. A noção de  autocuidado embora não tenha sido construída para nós, devemos tomá-la como arma, instrumento de combate, hábito, rotina e prioridade, para nós autocuidado é resistência. O descanso para a mulher negra está para além desse sentido comum, isso porque para nós o descanso é uma transgressão. O descanso para a mulher negra é político. É indispensável criar momentos de relaxamento, de ócio positivo, recarregar nossas energias e acima de tudo, colocar como prioridade nossas necessidades físicas e emocionais. Escute teu corpo, teu templo, ele está em comunicação consigo o tempo inteiro. 

Um corpo cansado não tem energia para lutar, cara mulher negra!

- Sobre a Shenia Karlsson -

Preta, brasileira do Rio de Janeiro, imigrante, mãe do Zack, psicóloga clínica especialista em Diversidade, Pós Graduada em Psicologia Clínica pela PUC-Rio, Mestranda em Estudos Africanos no ISCSP, Diretora do Departamento de Sororidade e Entreajuda no Instituto da Mulher Negra de Portugal, Co fundadora do Papo Preta: Saúde Mental da Mulher Negra, Terapeuta de casais e famílias, Palestrante, Consultora de projetos em Diversidade e Inclusão para empresas, instituições, mentoria de jovens e projetos acadêmicos, fornece aconselhamento para casais e famílias inter racias e famílias brancas que adotam crianças negras.

Texto de Shenia Karlsson
As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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