“Porque vocês não voltam?”, é o que muitas pessoas que não são imigrantes nos questionam. As rendas estão absurdas, a alimentação continua cara, o salário mínimo é baixo, os trabalhos são precários, o sistema público de saúde está em crise, há falta de professores, o SEF não consegue suprir a demanda de documentação, os partidos anti-imigração estão ganhando força, e, não podemos esquecer de Ihor Homeniuk, dos imigrantes em Odemira, das pedras “Grátis se for para atirar a um ‘zuca’ que passou à frente no mestrado”, das pichações “Pretos voltem para a África e ‘zucas’ voltem para as favelas” em uma escola, da mulher brasileira que relatou ter sido violentada sexualmente por um agente do SEF no aeroporto, de Gisberta, das “mães de Bragança”, e, há algumas semanas, dos três brasileiros que denunciaram terem sido brutalmente agredidos em Lisboa e em Braga. Diante de tantos problemas, estabelecer o “Dia do Volto” e declarar: “Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que não fico” parece ser a melhor solução, o problema é que, como diria uma amiga minha, se a gente “jogar tudo pro ar” vamos ter que ir catar tudo depois, e este “tudo” é muita coisa.
Antes de questionar o motivo de um imigrante não retornar ao seu país de origem, é preciso analisar o que faz alguém decidir mudar de país e os custos, a todos os níveis, que esta mudança implica. Pessoas emigram devido a instabilidade política, violência, discriminação, uma melhor proposta de emprego, para aprender um novo idioma, estudar fora, conhecer uma outra cultura, conseguir dupla nacionalidade, poupar dinheiro, por se apaixonar por alguém que vive fora… em outras palavras, emigramos porque decidimos ir em busca de algo que achamos que não vamos conseguir alcançar se permanecermos em nossos países de origem. Migrar também não é simplesmente acordar numa manhã de segunda-feira, tomar um suco detox, embarcar em um avião e mudar para um novo país. Não é simplesmente “vou ali até o final da rua e, se não gostar, eu posso voltar”. Para algumas pessoas, migrar é uma questão de sobrevivência, seja por estarem refugiadas das guerras, seja pela violência policial, seja por sofrerem perseguição motivadas por sua raça, religião, identidade de gênero, sexo, orientação sexual, e, para conseguir migrar, muitas pessoas trabalham e economizam dinheiro por anos, vendem suas casas, usam economias familiares, deixam seus trabalhos, se comprometem a terminar um curso ou ter de devolver o dinheiro das bolsas de estudos, planejam, investem tempo, investem seu emocional, mudam toda a vida dos filhos.
Questionar porque não voltamos também é afirmar que não pertencemos aquele espaço e que somos apenas estrangeiros. É esquecer de que no tempo em que estamos fora do nosso país de origem vivemos em um outro país, e vivemos intensamente. Construímos relações profundas com outras pessoas, muitas vezes de forma mais rápida do que construiríamos se estivéssemos em nossos países de origem, por estarmos mais sozinhas e sozinhos, e essas pessoas passam a fazer parte do que chamamos de família. É comum que grande parte dessas pessoas também sejam imigrantes, já que normalmente conseguem entender melhor e compartilham conosco muitas das dificuldades e experiências de ser migrante, mas também construímos relações de afeto genuíno com pessoas nativas, que, embora não consigam entender algumas das nossas vivências enquanto migrantes, também nos acolhem, nos respeitam, nos ajudam, são nossas aliadas e partilham a vida conosco. Essa também família passa a conhecer partes de nós que nossa família de sangue já não conhece, embora também continue presente em nossos corações e através das chamadas de WhatsApp. Não podemos esquecer também que, para além dos encontros com pessoas, também existem os encontros com a cidade, com a gastronomia, com as músicas, com a política local. Quem migra também gosta de ir passear pelos miradouros, pelo Tejo, e pelo Douro. Também gosta de bacalhau à Brás com um vinho verde. Também canta que a noite sempre se tornará dia e o brilho que o sol irradia, há-de sempre me iluminar, e dança toda noite, toda noite. Migrantes também são cidadãos que participam ativamente da política e se filiam a partidos, integram e criam novas associações e movimentos sociais, e celebram a liberdade cantando Grândola Vila Morena e marchando junto aos portugueses no 8M, no 25 de abril e na parada LGBT. Imigrantes também criam raízes. Por fim, perguntar a um migrante o motivo dele não retornar ao seu país de origem é também desresponsabilizar aqueles que podem fazer algo para que as coisas no país de “acolhimento” melhorem e não o fazem: os governantes e toda a sociedade.
Talvez, ao invés de perguntar “porque vocês não voltam?” seja mais importante perguntar como pode nos ajudar, se temos conseguido manter a psicoterapia em dia, ou, talvez, perguntar a si mesmo sobre como pode contribuir para diminuir a xenofobia no seu círculo de amigos, pensar sobre como a colonização portuguesa influenciou e influencia o modo como imigrantes de países terceiros são tratados, ou se engajar em movimentos que defendem os direitos dos imigrantes. Vale lembrar também que voltar ao país de origem não é sinônimo de fracasso. Reconhecer que as coisas não correram como esperávamos pode ser o primeiro passo para replanejar o caminho em busca dos nossos objetivos. Se você, cara leitora ou leitor, não aguenta mais viver como migrante e tem um lugar relativamente seguro para voltar, ou pode ir para um terceiro país, talvez essa seja uma boa opção. Ninguém melhor do que você para avaliar se os custos compensam os ganhos de permanecer imigrado. Para os que ficam, por 3, 6, 20 anos, lembremos que a questão não é porque não voltamos, mas sim como podemos ficar.
-Sobre Brasileiras Não Se Calam-
Mariana Braz é psicóloga e vive fora do Brasil há seis anos, tempo em que vem trabalhando com mulheres imigrantes em diversos países, particularmente mulheres que vivenciaram assédio e discriminação motivados por sua raça, etnia, gênero e nacionalidade, e mulheres sobreviventes de violência doméstica. Há três anos desenvolve o Brasileiras Não Se Calam, projeto que tem como objetivo debater as dificuldades enfrentadas por mulheres brasileiras no processo de imigração.