Em maio de 2019, a Rádio Renascença noticiava que “finalmente” Portugal começava a “perceber o potencial de investir nas produções cinematográficas”. Na mesma notícia, indicava-se um dado relevante vindo das estatísticas da Organização Mundial do Turismo: em 2017, 80 milhões de turistas escolheram o seu destino de férias por influência de uma série ou de um filme. Em junho desse ano, nascia a Portugal Film Commission com uma estratégia assumida: promover Portugal, continente e ilhas, como destino de filmagem.
Criada sob a tutela do ministério da Cultura e das Secretarias de Estado do Cinema e do Audiovisual e do Turismo, a Portugal Film Commission apresenta-se pela voz do seu comissário, Manuel Claro, e da diretora executiva, Sandra Neves. Num edifício junto ao Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), há dois anos que pensam em equipa nas estratégias para tornar Portugal num país “film friendly”. Manuel Claro diz, desde logo, ao Gerador que esta estrutura que gere assenta sobretudo em três objetivos: “o primeiro é promover Portugal enquanto destino de filmagens, o segundo é facilitar o processo de filmar em Portugal, e o terceiro é promover e criar sinergias nas diversas áreas governavas no sentido de se tornar Portugal num país o mais film friendly possível”.
“Queremos criar um ecossistema favorável para que as produções internacionais possam ver em Portugal um destino favorável para fazerem filmes”, diz o comissário. O trabalho de criação de sinergias entre entidades locais e governativas tem sido coordenado por Sandra Neves que, segundo Manuel, “tem sido uma peça fundamental na vida da Portugal Film Commission”. “Há uma série de entidades que têm, de alguma forma, competências para tratar da admissão do processo de se filmar em Portugal e portanto é essencial que elas estejam envolvidas connosco, porque muitas vezes o que sentimos é que as linguagens são um pouco herméticas, quer do lado da administração pública quer do lado da produção cinematográfica e audiovisual, e uma intermediação, em que possamos traduzir a linguagem um bocadinho de parte a parte, pode fazer com que consigamos chegar a soluções.”
No “desígnio de promover Portugal enquanto destino de filmagem”, existe não só “uma questão cultural e de promoção, mas também de negócio” — explica o comissário. “Há aqui efeitos diretos e indiretos na economia. A vinda para cá tem um efeito direto na alimentação, nas dormidas, na contratação de profissionais portugueses; tudo isso traz um efeito direto na economia. E depois há um efeito indireto na economia, por via do turismo, mas aí é sempre no médio-longo prazo. O cinema e o audiovisual são coisas que demoram e não se pode pensar que uma produção vem filmar hoje e daqui a dois meses já há turismo”, contextualiza o comissário.
Um país com montanhas, praia, rio e uma série de outros atrativos para o cinema
Em “O Estado das Coisas”, filme de Wim Wenders estreado em 1982, uma equipa muda-se temporariamente para Sintra para a rodagem de um filme. Nada corre como previsto, o dinheiro para o filme acaba-se e as tensões vão aumentando. Num filme rodado em Portugal nos anos 80, vemos alguns dos desafios e possibilidades de rodagens internacionais em território português. A equipa num hotel, as filmagens em lugares particulares para o perfil do filme que gravavam, o realizador num café local. A vida que se faz quando se filma no estrangeiro.
E tal como “O Estado das Coisas” que foi filmado em Sintra, há outros filmes que se tornaram referências quando falamos de rodagens em Portugal — mesmo que nem sempre as localizações sejam totalmente perceptíveis. De Moby Dick (1956) de John Huston a The Ninth Gate (1998) de Roman Polanski, ou ao clássico 007- On Her Majesty's Secret Service (1969), há filmes que passaram por cá e outros que viveram da localização. O trabalho da Portugal Film Commission é ampliar as possibilidades, mostrando as mais valias de filmar num país como Portugal, sem que esta tenha assumidamente de ser uma parte integrante da narrativa.
Que o turismo de cinema e de séries existe é um facto. Servem de exemplo as localizações das filmagens de Game of Thrones que todos os anos recebem centenas de turistas, ou já há décadas a cidade de Salzburgo através do filme Sound of Music (1965). Mas o impacto no turismo não se consegue de um momento para o outro, a curto-prazo. Neste momento, Manuel Claro garante que Portugal está no radar das grandes produções, o que é o primeiro passo para que filmagens aconteçam, os públicos as vejam e queiram visitar os lugares. Mas tudo leva tempo.
“Sabemos que somos destino que entra na equação das grandes produções; Portugal é, neste momento, equação — é analisado. É evidente que isto demora tempo, e portanto também é evidente que estarmos no radar é um passo essencial, mas que não quer dizer que haja imediatamente grandes produções”, diz o comissário.
No verão passado, como foi sendo noticiado, a série Casa de Papel foi filmada em Lisboa, mas ainda não estreou. No cinema e no audiovisual, tudo demora o seu tempo e, por isso, ainda não é fácil medir o sucesso da Portugal Film Commission de uma forma visível, palpável, para já. Mas Manuel Claro e Sandra Neves garantem que existe. “Não estamos onde estávamos há dois ou três anos”. Para Sandra, o processo é semelhante ao do turismo: “hoje em dia somos um destino turístico de eleição a nível mundial, mas não foi uma coisa que aconteceu de um dia para o outro”.
“Houve muito trabalho, houve muito campo a desbravar para chegarmos àquilo que somos hoje, e houve muito investimento que surtiu efeito. Eu acho que aqui na área do cinema e do audiovisual tem de haver um tempo para as coisas acontecerem, e estamos a fazer esse investimento por via da produção que fazemos, por via de tentar aligeirar os procedimentos que são muito importantes, por via de uma resposta a todos os contactos que temos com pedidos de informação sobre localizações, de tudo e mais alguma coisa que nos tem vindo a chegar”, continua a diretora executiva.
No “mercado dos incentivos”, Manuel diz que a Portugal Film Commission oferece algumas das propostas mais competitivas, tanto pelas características do seu financiamento, como pela diversidade que o país apresenta. Outra das grandes vantagens é “a mão de obra nacional”, a qualidade dos profissionais do cinema portugueses que acabam por ser contratados para estas produções internacionais. Desta forma, a produção do que é nacional não se fica apenas pelas localizações — ainda que estas sejam o principal foco.
“Todos sabemos que temos praias espetaculares, um Alentejo a perder de vista, as montagens mais a norte, mas queremos ir mais além; queremos ir a pormenores. Do ponto de vista cinematográfico, uma coisa de que nos apercebemos é que nem sempre vão à procura disso. Há lugares de que ainda não temos tantas imagens quanto gostaríamos, mas estamos a trabalhar nesse sentido porque apesar de tudo somos só cinco”, partilha a diretora executiva.
“Ainda há não muito tempo tivemos um pedido de informações do que havia perto de Lisboa e eu disse que dependia do que pretendia porque à volta de Lisboa conseguimos ter um bocadinho de tudo - desde praia, rio, montanha, jardins a perder de vista, floresta na zona de Sintra, indústria. Neste espaço muito curto de periferia de Lisboa conseguimos ter isto tudo, o que acaba por surpreender um bocadinho.”
Mesmo com os desafios da pandemia, a Portugal Film Commission conseguiu avançar e chegar a produtores internacionais. O impacto chegará, mais tarde ou mais cedo.
Texto de Carolina Franco
A Portugal Film Commission e o Gerador são parceiros
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