fbpx
Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Posso ser um bocadinho menos lésbica, só?

Nas Gargantas Soltas de hoje, Marta fala sobre redefinir a sua orientação sexual e de que forma isso a fez perceber como a expectativa social nos condiciona em cada escolha e em cada amor.

Opinião de Marta Guerreiro

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Passei os últimos dezasseis anos da minha vida a lutar para que fosse vista e respeitada enquanto mulher lésbica. Era menina, depois adolescente, jovem adulta e agora mulher - e em todas estas fases a minha bandeira mostrava as cores que o meu corpo gritava: lésbica empoderada. Casei como celebração do amor e das leis que antes não existiam. Falei sobre ser lésbica em artigos, podcasts, no meu Instagram — no meu dia-a-dia. 

A desconstrução da mulher lésbica passa por vários capítulos: entender que é possível viver sem um homem (no sentido patriarcal e matrimonial da coisa) ao contrário do que dizem, aprender a gerir a raiva de cada vez que perguntam “e quem é o homem da relação?”, ler todas as informações disponíveis sobre como podemos engravidar sem ter de vender um rim, respirar fundo de cada vez que perguntam pelo marido, assumindo o género da/s pessoa/s com quem estamos… Não é só sobre a igualdade enquanto não-hetéro, mas sim sobre todas as expectativas sociais que identificam a mulher como menos capaz de conseguir determinadas coisas (talvez por isso tenha aprendido canalização sozinha, tal não era a vontade de me mostrar capaz). 

Passados dezasseis anos, após determinados acontecimentos na minha vida, questionei a minha orientação novamente. Atenção: eu nunca achei que as orientações fossem uma coisa estagnada, mas só pensava nesse sentido para as pessoas hétero. O horror! Como é que alguém que andou a bater o pé com um L na testa (que era de tudo menos de loser), poderá agora enfrentar o mundo com a informação de que afinal as coisas são diferentes? 

E todos os comentários homofóbicos que me rasgaram e rasgam a pele? “Isso é falta de p#la”, “ainda não encontraste foi o homem certo”, “isso é uma fase” - o que é que faço com esta violência constante? O meu amor pela minha parceira de quase dez anos mantém-se, vivo esta relação com todo o orgulho que cabe em mim, da mesma forma que vivemos esta relação sem ser num formato mono e está tudo bem - mas será que está tudo bem com a minha potencial bissexualidade? Afinal o que é que estou a sentir? Bifobia internalizada? Quem sou? E o meu activismo? 

Quando dedicamos tanto tempo da nossa vida a lutar pela nossa identidade, pela nossa liberdade, pela igualdade e pela conquista de direitos, quando mostramos ao mundo a nossa casa, a nossa alma e a nossa vida só de mulheres, a possibilidade de amar um homem assusta e assusta-me. Às vezes acho que sou menos. Existem dias em que me acho uma farsa. Rejeito a possibilidade de reconhecer que está tudo bem. O que é que vão achar de mim? Como é que eu permiti que isto me fosse acontecer a mim?

Este mês (17 de Maio) o meu Instagram era só bandeiras com várias cores para celebrar o Dia Internacional contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia e eu, ao contrário de todos os outros anos, privei-me de escrever um post em que celebraria toda a lesbiquice que me preenchia. Senti vergonha. Curioso, não é? No dia em que se celebra a luta contra a homofobia, transfobia e bifobia, eu não poderia ter sido mais fóbica comigo mesma.

A pressão social é uma coisa tão presente, existe para nos fazer sentir mal qualquer que seja a nossa decisão sobre a nossa própria vida. Acreditar que a orientação não é uma coisa estagnada é aceitar que ao longo da vida nos vamos transformando e sobretudo descobrindo. Descobrir outras verdades deveria ser um processo bonito e sereno. O peso que carregamos da homofobia e da quantidade de bocas que fazem a mulher lésbica se resumir a uma mulher que ainda só não descobriu a pólvora, quase que me fez rejeitar descobrir outros lugares dentro de mim. Na minha casa. Na minha alma. Na minha vida. 

Existem dias em que acordo e penso: será que posso estar com um homem e ser um bocadinho menos lésbica, só? Poder, posso — a verdade é minha — mas escolho agora não o fazer, porque se a orientação não é uma coisa estagnada, não é a sociedade que me fará ter vergonha cada vez que sinto amor. Isto do amor não são fases — são luas cheias.

-Sobre Marta Guerreiro-

Marta Guerreiro é formada em Jornalismo com mestrado em Realização. Conta com três livros publicados e vários trabalhos escritos na área do activismo (com foco em saúde mental, feminismo, não-monogamias e questões lgbtq+), assim como com a criação de uma lista de psicólogues lgbtq friendly disponível online. 
Acredita que a revolução também se faz através da escrita e que a poesia e a empatia são protagonistas na mudança e na igualdade. 
Atualmente está emigrada em Londres onde, além de continuar a escrever, trabalha também com propriedade intelectual e proteção de marcas.

Texto de Marta Guerreiro
As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

18 Abril 2024

Bitaites da Resistência: A Palestina vai libertar-nos a nós

16 Abril 2024

Gira o disco e toca o mesmo?

16 Abril 2024

A comunidade contra o totalitarismo

11 Abril 2024

Objeção de Consciência

9 Abril 2024

Estado da (des)União

9 Abril 2024

Alucinações sobre flores meio ano depois

4 Abril 2024

Preliminares: É possível ser-se feliz depois de um abuso?

4 Abril 2024

Eles querem-nos na guerra

2 Abril 2024

Defesa da Europa

2 Abril 2024

O dia em que o relógio parou

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Comunicação Digital: da estratégia à execução [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

O Parlamento Europeu: funções, composição e desafios [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação à Língua Gestual Portuguesa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online ou presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Práticas de Escrita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Produção de Eventos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Pensamento Crítico [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Narrativas animadas – iniciação à animação de personagens [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Soluções Criativas para Gestão de Organizações e Projetos [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online e presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

22 ABRIL 2024

A Madrinha: a correspondente que “marchou” na retaguarda da guerra

Ao longo de 15 anos, a troca de cartas integrava uma estratégia muito clara: legitimar a guerra. Mais conhecidas por madrinhas, alimentaram um programa oficioso, que partiu de um conceito apropriado pelo Estado Novo: mulheres a integrar o esforço nacional ao se corresponderem com militares na frente de combate.

Saber mais

1 ABRIL 2024

Abuso de poder no ensino superior em Portugal

As práticas de assédio moral e sexual são uma realidade conhecida dos estudantes, investigadores, docentes e quadros técnicos do ensino superior. Nos próximos meses lançamos a investigação Abuso de Poder no Ensino Superior, um trabalho jornalístico onde procuramos compreender as múltiplas dimensões de um problema estrutural.

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0