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Pouca terra, pouca terra, deixem passar as bicicletas que vão para a escola

Em Lisboa, multiplicam-se comboios que levam crianças à escola com a missão de promover, não…

Texto de Patrícia Nogueira

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Em Lisboa, multiplicam-se comboios que levam crianças à escola com a missão de promover, não só a adoção de hábitos de mobilidade ativos e sustentáveis nas deslocações para a escola, mas também uma autonomia e confiança para um futuro mais verde.

“Vamos parar agora”. As bicicletas encostam, e os dois irmãos entram no comboio. A mãe desce a rua de forma apressada e traz consigo as lancheiras que os filhos se haviam esquecido, e estes, envergonhados por ansiarem a autonomia, dão-lhe um beijo apressado e partem para mais um dia de aulas. Um deles vai ficando para trás, juntamente com um dos instrutores – a roda está quase vazia. Mas a felicidade de ir para a escola, com os seus amigos, num comboio movido a duas rodas, dá-lhe força nas pernas e o pequeno passageiro não perde a carruagem.

A partida é às 07h50 da manhã na Rua Capitão Cook. Pais, crianças e instrutores, vão-se juntando ao longo de seis paragens com o objetivo de chegar à Escola Básica do Parque das Nações. Há coletes, capacetes e uma formação aos pais líderes do comboio. Também as crianças “recebem regras no primeiro dia, sendo recordadas à medida que andam no comboio e vão aprendendo a circular em grupo. Nos comboios mais pequenos ou com alunos mais velhos são dadas instruções e indicações para aprenderem a circular em segurança na estrada. No primeiro caso, porque há oportunidade, no segundo porque em breve serão autónomos”, para que a segurança seja garantida, explica a Câmara Municipal de Lisboa.

O comboio é sinalizado por uma bandeira numa das bicicletas e até os carros, e quem acompanha o percurso das suas janelas, desde o início, sabe que existe um comboio com pressa, e muito animação, a determinados dias da semana. Quem nos conta é Gonçalo, um dos instrutores que, desde 2015, acompanha esta iniciativa: “Começámos em 2015, muito bem, com muitas crianças e pais. Cada vez mais, vemos pais preocupados com a questão da sustentabilidade, coma a saúde das crianças, querendo que os miúdos sejam ativos, principalmente pela falta de atividade física que a pandemia nos trouxe. Noto que a adesão e o próprio interesse dos pais é maior.” A mãe Liliana não deixa o instrutor mentir. Após ver uma publicidade na escola perguntou à pequena Valentina se queria começar a ir para a escola de bicicleta e esta disse logo que sim. Para a Valentina, “poder andar de bicicleta com os amigos, e com a mãe” é o que mais a motiva a agarrar na bicicleta às sextas-feiras de manhã.

O comboio faz-se sempre em segurança, e outra das maquinistas, pertencente à Junta de Freguesia do Parque das Nações, Daniela, faz questão de o sublinhar: “Se não soubermos ser um bom ciclista , não sabemos como lidar com o trânsito no futuro, porque o peão e o ciclista são os mais vulneráveis e assim criamos uma consciência nas crianças, das prioridades a ter em atenção.”

Não muito longe do Parque das Nações, na zona da Encarnação, há um comboio que parte um pouco mais tarde, 08h25, da Rua Capitão Santiago de Carvalho, e faz oito paragens para deixar entrar todos os passageiros que querem ir para a Escola Básica Paulino Montez. Há um avô que vem trazer o neto ao ponto de partida, e conta que, desde que ‘o mais pequeno’ começou a ir de bicicleta para a escola, até ao fim de semana pede para ir.

Este comboio é diferente. É feito de muitas subidas, e também descidas – a melhor parte –, mas nem isso fez com que a Íris desistisse de pedalar no seu terceiro dia: “Eu gosto muito, porque moro longe e assim é mais divertido vir para a escola.”

Já chegaram todos, e o comboio está pronto para partir. Ganham todos um balanço que a subida dificulta e os olhos já estão atentos e postos em quem vai a abrir caminho. Tal como nos outros comboios, há sempre pais que se juntam e a mãe Jaqueline faz questão de acompanhar a sua filha Matilde e o seu filho António todas as terças-feiras: “A iniciativa foi minha, porque sempre andei de bicicleta e achei engraçado passar isto também para eles. Quase todos vêm de carro, mas quem vem de bicicleta tem uma perspetiva diferente da maneira de se deslocar para a escola, que era o que nos acontecia quando éramos mais novos e vínhamos a pé. É seguro e mesmo as pessoas que circulam e carro já sabem que vamos passar e respeitam, esperam e buzinam para dar incentivo.”

A chegada é claramente mais emotiva do que a chegada da Volta a Portugal. Há pais que esperam os filhos na chegada, encontram-se amigos, comenta-se o percurso e o que encontraram nele, e, enquanto isso, tiram-se os capacetes e arrumam-se ordeiramente as bicicletas. Já estão todos acordados e cheios de energia para mais um dia de aulas.

Da vontade de um pai, nasceu um comboio

João Bernardino, um dos responsáveis pela Bicicultura – o Centro de promoção e educação para a mobilidade em bicicleta –, que também acompanha o Comboio de Bicicletas da Paulino Montez, é uma das vontades por trás de todos os comboios que hoje levam centenas de crianças às escolas: “Comecei a ir de bicicleta para o trabalha em 2010, e a levar o meu filho para a escola na cadeira, e descobri que era possível adotar a bicicleta como meio de transporte.” Começou a envolver-se em várias iniciativas, foi membro da Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta (MUBi), criou em 2012, em conjunto com outros entusiastas do mundo das bicicletas, a Cicloficina do Oriente e, em 2015, quando o seu filho entrou para a escola, decidiu criar o primeiro comboio de bicicletas, Ciclo Expresso do Oriente, e nunca mais parou. A 25 de maio de 2015, partiu com o primeiro comboio, e levou logo doze crianças. Pais, voluntários e membros da Junta de Freguesia do Parque das Nações foram garantido que, todas as sextas-feiras o Ciclo Expresso do Oriente continuasse a levar as crianças à escola, sendo um projeto pioneiro na criação de comboios de bicicletas em Portugal (como o caso do CicloExpresso de Barrocas, em Aveiro) e sendo reconhecido pela Organização Mundial de Saúde, no domínio da promoção da atividade física nas escolas. Em 2019, a Câmara Municipal de Lisboa entrou nesta viagem, com a criação de um projeto piloto em três escolas, o projeto passou a chamar-se Comboios de Bicicletas de Lisboa e os percursos multiplicaram-se.

Questionado sobre como têm sido estes onze anos a pedalar, João Bernardino recorda dois momentos que mostram a essência deste projeto: quando dois comboios, pela primeira vez, se cruzaram no caminho, mostrando que cada vez existem mais escolas e pais a aderir a esta forma de deslocação e ainda quando atingiram o recorde de vinte crianças num percurso com uma morfologia nada atrativa: “Começámos este projeto no Parque das Nações, um percurso plano e acessível, e tínhamos muitas dúvidas se seria possível adaptar esta iniciativa a outros sítios, mas está a resultar em todos os sítios e este percurso (Paulino Montez) apesar de ser muito difícil é a escola com maior adesão.”

“Os comboios são divertidos”, e Lisboa vai ficando mais verde

Segundo a iniciativa “Mãos ao ar Lisboa!”, iniciativa municipal que faz um retrato anual das deslocações casa-escola, procurando saber quais são os meios de transporte utilizados diariamente pelos alunos do 1.º ao 12.º anos de todas as escolas de Lisboa, e que teve início em outubro de 2018, existem cada vez mais alunos a utilizar a bicicleta como meio de transporte, ainda que a predominância seja o uso de automóvel.

Em 2018, participaram 88 escolas e responderam ao inquérito 15689 alunos. Em 2019, participaram 188 escolas das quais 77 correspondem a escolas que também responderam ao inquérito na primeira edição, correspondendo a mais de 47 mil alunos.

No ano passado, 2020, das 159 escolas que participaram no estudo (correspondente a quase 40 mil alunos, uma baixa no número que se deve à situação de pandemia), 51,4 % dos alunos desloca-se de automóvel, 13,2 % de autocarro, 24,2 % a pé, 3,5 % de metro, 2,0 % de comboio, 1,5 % de transporte escolar, 1,4 % de elétrico, 0,5 % de mota e 1,5 % utiliza a bicicleta, a trotineta, patins ou skate como meio de transporte. O estudo divide ainda a população entre ensino público e privado, com o ensino público a ter 1,2 % de crianças a utilizar a bicicleta em comparação com os 1,9 % das crianças que frequentam o ensino privado.

O estudo, sublinha ainda que, de uma forma geral, “os resultados de 2019 e 2020 têm valores semelhantes, com os modos coletivos a perderem alunos para os modos individuais (carro, a pé e bicicleta) neste ano”, reforçando “o aumento de 50 % na utilização da bicicleta, com valores a chegar a 3,5 % no caso dos estudantes do ensino secundário das escolas privadas”.

No que diz respeito aos Comboios de Bicicletas, e apesar da pandemia, o ano letivo de 2019/2020 realizou-se apenas no 1ª período, com um projeto-piloto em três escolas. No ano letivo que passou, 2020/2021, o planeamento foi feito para mais cinco escolas, cinco linhas e cinquenta passageiros. Os números surpreenderam e foram alcançadas onze escolas, 209 passageiros, dezoito percursos diferentes, com a primeira linha a partir do concelho de Oeiras e, também pela primeira vez, uma linha que não só vai levar as crianças, mas também os vai buscar quando finalizam as aulas, quatro percursos operacionalizados por Encarregados de Educação, duas Juntas de Freguesia que se juntaram à iniciativa e, depois de alguns alunos e famílias começarem a ser independentes e fazer os próprios comboios, foram percorridos um total de 3278km.

Para João Bernardino, “não precisamos de chegar a um nível de Copenhaga ou Amesterdão”, cidades conhecidas pelo uso elevado de bicicletas, mas este é de “de certeza, um caminho para uma bicicleta passar a ser uma opção de mobilidade”, rematando que “se chegarmos a um nível de 10 % ou 20 % de deslocações em bicicleta, a diferença será enorme”.

Nos Comboios de Bicicletas há lugar para todos.

Engane-se quem acha que precisa de uma bicicleta topo de gama para fazer parte de um comboio. Basta ter uma bicicleta sem rodinhas, ter equilíbrio suficiente para não cair e saber usar os travões. Participar num comboio é gratuito, sempre com um adulto para quatro crianças, muitas vezes existindo tantos adultos quanto crianças, e existe sempre o mínimo de um monitor também por 4 crianças.

Atualmente, as escolas que participam são a Escola Básica do Parque das Nações, o Colégio Pedro Arrupe, o Agrupamento de Escolas Dona Filipa de Lencastre, a Escola Básica Bairro do Restelo, Escola Básica Telheiras e S. Vicente, Escola Básica O Leão de Arroios, Escola Básica Sarah Afonso, Escola Básica Paulino Montez, Jardim-Escola João de Deus e a Escola Básica Adriano Correia de Oliveira. Cada linha tem um grupo de WhatsApp, em que os pais e monitores partilham informações práticas e a localização em tempo real.

Se no início do dia, ou ao regressar do trabalho, ouvir um tlim-tlim, é sinal de que há um comboio cheio de crianças a todo o vapor e para apanhar este comboio basta inscrever-se, aqui.

Texto por Patrícia Nogueira
Fotografias da cortesia da Câmara Municipal de Lisboa

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