Luís Alcatrão cresceu em Setúbal e Tiago Silva no Porto. Até se candidatarem à mesma vaga de emprego no Vhils Studio não se conheciam, nunca se tinham visto, mas os seus caminhos, eventualmente, viriam a cruzar-se. Seis anos depois do primeiro encontro, juntaram-se para fazer o que melhor sabem: produzir eventos, apoiar o processo criativo de artistas e fazer acontecer. Ghost é o nome do projeto que, aos poucos, vão dando a conhecer e que promete não desiludir quem se quiser juntar.
Já passaram pelo Canadá, China (Pequim, Hong Kong & Macau), EUA, França, Itália, Indonésia, Japão, México, Malásia, Filipinas, Reino Unido, Roménia, Coreia do Sul, Taiti, Taiwan, Tailândia, Ucrânia e Uruguai, e, agora, assentaram por Portugal. No caminho individual, mas também em conjunto, que fizeram foram ganhando experiência e um leque de contactos que lhes deu a confiança necessária para se lançarem em dupla. “Sabemos que juntos somos mais fortes”, diz Luís Alcatrão numa introdução à Ghost em entrevista ao Gerador. Tiago corrobora: “decidimos juntar-nos, porque realmente temos competências que criam um balanço muito porreiro entre nós”.
Lado a lado, no “escritório provisório” que alberga a Ghost, no Todos, Luís e Tiago partilharam, num tom de grande cumplicidade e sintonia, quais são os pilares-base do projeto que quer fazer um trabalho invisível de onde apenas ressalte a qualidade, e desmontaram conceitos. A produção pode ser muita coisa, mas deve garantir sempre respeito (por quem gere) e rigor (no que faz).
Juntar vontades e cruzar visões
Depois de uma experiência de seis anos entre o Vhils Studio, a Galeria Underdogs e o Iminente, surgiu a vontade natural de querer transportar o saber fazer para mais universos. Tanto Luís como Tiago queriam trabalhar com mais artistas, mais festivais e garantir a produção num leque (ainda) mais variado de eventos e obras artísticas, e foi essa convergência de vontades que lhes deu a certeza de que faria sentido fazerem-no juntos. “Não há trabalho artístico sem produção, tal como não há produção sem artistas”, relembram logo no início da conversa. E é numa lógica agregadora que querem trabalhar.
“Sentimos que aqui em Portugal, tal como noutros sítios do mundo, há o pessoal das artes visuais, o da música, o da dança, o da performance, e acabam por viver um pouco isolados. O circuito das artes já é tão pequeno que se o formos dividir nesses circuitos mais pequenos para cada área, mais complicado fica. Todos ganharão, sempre, com o intercâmbio entre pessoas, ideias e recursos”, diz Luís. E é por aí que a Ghost quer ir.
Foi em contexto de pandemia que se começaram a fazer notar, mas o desenho e construção do projeto vem de trás. Sendo este um momento complicado para o setor, a vontade de ser um pólo agregador cresce, e surge um espírito quase de missão. Tiago reflete que “não é o cenário ideal”, mas que acreditam que “se há altura para dar apoio a artistas, é agora”.
Entre as ações que produziram que já saíram da invisibilidade estão uma ação da Makro para celebrar o Dia do Negócio Próprio, que juntou as ilustradoras Patrícia Mafra e Mariana Malhão, e a exposição recentemente inaugurada, “Reality Check: Life After Retirement”, que continua patente no Espaço Espelho d’Água, em Lisboa. Ambas surgiram como “uma lufada de ar fresco”, mas também como um incentivo a artistas e fornecedores que, como conta Tiago, foram dizendo “ainda bem que estão a fazer coisas”. “Há dificuldades e, se calhar, podíamos estar a fazer muito mais, mas também sentimos que estamos a preencher uma lacuna ao unir artistas, marcas, e outros intervenientes, e estar não só a fazer, mas também a pensar em como fazer e debater isso”, partilha.
Um trabalho de continuidade para e com a comunidade
A Ghost não pretende fazer um trabalho que não deixe rasto. Esse é, aliás, um dos pontos assentes na base da sua criação. Luís Alcatrão sublinha que, sempre que possível, querem que o trabalho “não fique fechado em si mesmo” — é nessa linha que entra o trabalho com a comunidade, que consideram fundamental. A produção não acaba no fazer acontecer; estende-se até à fruição e à reflexão de quem frui.
“Claro que isto pode ser demasiado lato, porque a partir de um momento em que um projeto artístico é divulgado já está ao serviço de toda a gente — na sua galeria ou no seu mural — mas se não há mediação nenhuma entre o que está a ser apresentado e as pessoas, é como se não estivesse lá para ninguém. No fundo, uma coisa que vale muito para nós é o impacto, democratizar o acesso, e tornar possível que mais gente possa fruir o que produzimos”, explica Luís.
Nas vontades e nos projetos em curso — alguns dos quais que ainda não podem ser divulgados — está uma preocupação “social e feminista”. “Sentimos, pela nossa experiência, que é necessário promover o acesso de mais artistas mulheres ao mundo da música, através de labels ou de eventos, e descentralizar a cultura”, diz Tiago Silva. “Normalmente, estamos habituados a que as pessoas se tenham de mexer para consumir cultura, e nós também queremos fazer o contrário: que a cultura vá aos lugares com mais dificuldades económicas, e onde a pandemia acentuou essa distância. Porque se estiveres em Lisboa, mesmo que tenhas menos dinheiro, acabas por estar mais próximo do que acontece [se estiveres longe]. E é diferente viveres num T4 espaçoso, outra coisa é viveres num lugar em que te sentes melhor na rua. A tua predisposição mental é diferente”, continua.
Este trabalho com os públicos menos óbvios, ou cujas vidas possuem camadas nem sempre tidas em conta, junta-se a uma preocupação de trabalhar, também, com um leque diversificado de profissionais. Tiago, que é formador na área da produção, conta que também pretendem abrir um circuito que por vezes é muito fechado, dando oportunidade a “pessoal mais jovem” de aprender e trabalhar. “Essa é também uma das vertentes da Ghost: incluir pessoal novo para aprender, ter aqui formação, e garantir que seja sempre paga”, refere.
Quanto mais complexo, mais desafiante
Tiago e Luís fazem o trabalho que nem sempre se repara que alguém fez, mas sem o qual nenhum projeto — seja de que cariz for — anda para a frente. Num salto rápido ao site da Ghost percebemos, de antemão, o que são capazes de fazer: festivais, exposições, projetos de site specific, trabalho com a comunidade, eventos, licenciamento, curadoria e colaboração com artistas. E mesmo dentro da diversidade, há algo que querem levar para cada trabalho que fazem: prever soluções, e criar “relações saudáveis” de trabalho.
À ação da Makro e à exposição que produziram, juntam o trabalho de proximidade que têm tido com o rapper Chullage, na preparação do seu novo disco. “Estamos a ajudar o Chullage um pouco nesse processo, neste caso juntamente com o Hangar, e como já tínhamos uma relação de amizade com ele, tornou-se mais fácil. Também queremos ir um bocado por aí: trabalhar com quem nos identificamos”. Dino D’Santiago é outro desses exemplos.
“Temos trabalhado com artistas de quem gostamos, tanto do trabalho como da maneira de estar deles, e temos o prazer de ver, depois, o trabalho final. Queremos fazer acontecer, seja de que forma for”, sublinha Tiago. Neste processo de apoio à criação, “quanto mais complexa é a ideia, mais gozo dá ao fazer” — quem o diz é Luís, que recebe um olhar de confirmação de Tiago.
Ao longo das suas carreiras a solo, Luís Alcatrão e Tiago Silva perceberam que “o trabalho de produção pode fazer toda a diferença”. É essa a diferença que querem começar a fazer, juntos, projetando artistas e as suas ideias, garantindo que a única invisibilidade é a de um trabalho bem feito.
Podes acompanhar a Ghost através do site, aqui, ou do Instagram, aqui. “Qualquer pessoa criativa que queira pôr uma ideia em prática pode contactar-nos” — o convite fica feito, oficialmente, por Tiago.