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Quem sobra?

Nas Gargantas Soltas de hoje, João Duarte Albuquerque fala-nos sobre uma vida política e associativa.

Opinião de João Duarte Albuquerqu

©Catarina Vultos

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Uma sociedade que se quer viva, ativa e dinâmica requer da parte de todos nós, individual e coletivamente, um esforço de agregação e de associação que nos permita ter uma participação interventiva. A riqueza das nossas sociedades, a sua vitalidade democrática e a sua real transformação num conjunto cruzado de comunidades, é tanto maior quanto mais rico for o seu movimento associativo e as suas diferentes formas de participação social e comunitária. As formas que esta participação assume na nossa sociedade podem ir dos clubes recreativos e desportivos, aos grupos artísticos e culturais, passando pelos movimentos de intervenção política, organizações de voluntariado ou sindicatos. Podem ser monotemáticas ou plurais, de âmbito nacional, regional ou local, mais formais ou totalmente espontâneas e informais, para os jovens ou para os mais velhos, ou até intergeracionais. As formas são tantas e tão variadas que o difícil é indicá-las todas, sem deixar pelo menos alguma de fora.

Portugal tem, felizmente, uma tradição muito forte no movimento associativo. Muitas das associações que conhecemos dos nossos bairros, das nossas cidades, são, inclusivamente, centenárias -  fruto da efervescência associativa que se verificou no período da I República. Tantas outras, de igual importância e reconhecimento social, surgiram após o 25 de Abril, com o derrube das proibições impostas pelo fascismo à atividade associativa. Os nossos dirigentes associativos gozam, de um modo geral, de amplo reconhecimento social nas comunidades onde se inserem e são parte ativa na definição de políticas públicas junto dos órgãos municipais. São, em muitos casos, agentes de primeira linha na resposta a vários dos problemas sociais que ainda grassam no nosso país e conhecem, como poucos, a realidade das suas comunidades. Tenho poucas dúvidas que seríamos um país muito mais pobre do ponto de vista socioeconómico mas, também, do ponto de vista cívico, não fosse a nossa tradição associativa.

O reconhecimento social de que gozam os seus dirigentes, e o mérito que lhes é atribuído na sua atividade social, deriva da dedicação que colocam no serviço ao outro. Esse serviço ao outro não é nada mais, nada menos, que o serviço à coisa pública, à res publica, como a entendiam os romanos. São as horas dedicadas a um trabalho tantas vezes tão invisível quanto necessário. Um trabalho que é, não poucas vezes, voluntário e, por norma, feito em cima das horas do seu outro trabalho, aquele do qual dependem para pagar as contas ao fim do mês. É bom, por isso, que não regateemos os louvores a estas mulheres e homens que engrandecem as nossas comunidades.

De entre estas associações há uma que, pela sua própria natureza, goza de uma reputação diferente junto da nossa sociedade: por muito rico que possa ser o movimento associativo em qualquer sociedade, nenhuma outra organização desempenha o papel que os partidos políticos desempenham. Os partidos políticos têm a obrigação de serem os nossos movimentos associativos mais completos, aqueles que apresentam uma visão global da sociedade e que definem uma ideia mais transversal para a sua concretização e desenvolvimento. Os partidos políticos congregam um conjunto amplo de valores e princípios que não existem apenas de forma abstrata, mas que servem para definir a sua orientação política na ação governativa da polis.

Mas, não obstante a sua importância, dificilmente encontraremos na sociedade alguma associação ou organização que sofra de tão vil reputação social como aqueles. Já escrevia José Mário Branco: “a culpa é dos partidos, pá! Esta merda dos partidos é que divide a malta pá!”. A redução ao absurdo e a generalização são os argumentos falaciosos mais utilizados para diminuir a intervenção dos partidos na sociedade e para os qualificar como agentes disruptivos da nossa vida democrática. Não é difícil identificar, também, quem mais veicula este tipo de narrativa e a quem ela mais serve. As razões para que o façam estão bem identificadas e não creio que alguém possa alegar desconhecimento das táticas empenhadas e dos objetivos pretendidos por aqueles que procuram ferir de morte as nossas democracias.

O que é, porventura, mais preocupante, mesmo que não uma novidade, é a relativa conivência que vamos demonstrando perante tais táticas, quando não mesmo uma necessidade de embarcar na mesma onda populista. Mais do que a ação negativa dos maus, o pior sempre foi o silêncio dos bons. Compactuar com as táticas populistas que denigrem a democracia, sobretudo a que, preguiçosamente, tudo coloca no mesmo saco, transporta-nos rapidamente da desejada vigilância democrática do escrutínio para o tão perigoso pelourinho. E a pressa de linchamento público individual, por muitas repercussões negativas que tenha na(s) pessoa(s) envolvida(s), afeta muito mais a confiança na nossa vida coletiva enquanto sociedade.

Na reflexão que julgo que precisamos de fazer sobre a nossa participação na vida política ativa, sobretudo na partidária, há vários fatores que devem pesar – sendo o primeiro a própria conduta ética dos partidos e a sua abertura e transparência perante a sociedade. Esta é, sem dúvida, uma discussão que importa que os partidos democráticos saibam fazer para reforçarem a sua credibilidade enquanto agentes fundamentais da nossa vida. Mas, enquanto sociedade, também temos de ser capazes de definir que papel e, acima de tudo, que reconhecimento queremos conferir a todas e a todos aqueles que dedicam uma parte muito considerável da sua vida à atividade partidária. Creio que estamos num momento particularmente delicado em que esta escolha é não só necessária, mas também decisiva.

A resposta de que os partidos, afinal, não fazem falta à democracia é perfeitamente legítima. Não falta, aliás, quem o defenda. Mas, como sabemos de experiências passadas, o desaparecimento dos partidos políticos, a sua proibição ou a existência de apenas um partido único, resulta na afirmação de um modelo que pode ser muita coisa, só não é uma democracia. Se, por outro lado, e como espero, estamos dispostos a, criticamente, reconhecer a centralidade dos partidos políticos no nosso sistema democrático, então espero que sejamos capazes de alterar a perceção instalada sobre os seus agentes. De outro modo, por via de insultos mais ou menos ligeiros, uma exposição despropositada e totalmente intrusiva da vida pessoal e, às vezes até, a sujeição a ameaças à integridade física ou de morte - que no seu expoente máximo não afetam só quem as recebe, mas toda a nossa sociedade democrática - a capacidade de resistência e de entrega à causa pública só pode continuar a diminuir. Se isso acontecer, a pergunta que emerge é: quem sobra?

- Sobre o João Duarte Albuquerque -

Barreirense de crescimento, 35 anos, teve um daqueles episódios que mudam uma vida há pouco mais de um ano, de seu nome Manuel. Formado na área da Ciência Política, História e das Relações Internacionais, ao longo dos últimos quinze anos, teve o privilégio de viver, estudar e trabalhar por Florença, Helsínquia e Bruxelas. Foi presidente dos Jovens Socialistas Europeus e é, atualmente, deputado ao Parlamento Europeu.

Texto de João Duarte Albuquerque
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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