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Queremos casas antes de rosas: Habitação e o 8M

Nas Gargantas Soltas de hoje, Mariana Braz fala sobre ser mulher e a crise na habitação.

Opinião de Vozes Coletivas - Brasileiras Não Se Calam

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Não é de hoje que coletivos e organizações vêm alertando sobre a crise na habitação em Portugal, mas no 8 de março desse ano seremos presenteadas com, para além de uma crise na habitação, uma crise na educação, na saúde, no acesso à bens essenciais, nos combustíveis, uma crise energética, climática, uma ameaça de guerra nuclear, e, impossível não citar, uma crise na nossa saúde sanidade mental. Queria poder ser mais otimista e falar com esperança sobre o novo pacote de medidas voltadas para a habitação anunciado pelo Governo, mas o que podemos esperar de medidas voltadas para a habitação que não têm como objetivo democratizar o acesso à habitação? Pessoas a trabalharem cada vez mais para pagar rendas astronômicas a uma parcela da população de senhores que detém o sagrado direito à terra às casas? Jovens e adultos permanecendo ou voltando para a casa dos pais? Portugueses e imigrantes com dupla nacionalidade migrando para outros países? O país está envelhecendo cada vez mais com a taxa de natalidade caindo, já que, tem sido impossível conseguir se sustentar sozinho, quem dirá conseguir se sustentar e sustentar um filho? Lisboa sendo batizada como “Lisbon” em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, por um salário mínimo de 1700 euros mensais? 

É bizarro entrar em grupos de arrendamento de casas no Facebook e ver os landlords cobrando 800 euros mensais por um quarto, quatro paredes com um teto e uma cama, ou, se for durante a Jornada Mundial da Juventude, fazemos só um bocadinho mais de sacrifício, e, por 700 eurinhos por uma semana, conseguimos, além de one bed, ter a oportunidade única de sentir um cheirinho do céu, ou, pelo menos, dos 4,2 milhões de euros gastos em um altar. Fica claro também, com tantos anúncios em inglês, para quem se destinam as habitações em Portugal, e, mais claro ainda, quando os landlords, já nos anúncios, “reservam-se ao direito de administrador” para “arrendar apenas à pessoas de nacionalidade portuguesa”, o que parece ser mais bonito do que reservar-se ao direito de ser xenófobo. Da mesma forma, também é bizarro ver a situação de desespero em que algumas pessoas se encontram, onde, para além de se submeterem a pagar os valores astronômicos exigidos por casas e quartos, expõem suas fotos e suas vidas em anúncios que mais parecem um catálogo de supermercado, onde a pessoa mais bonita (leia-se, mais branca), a profissão com o salário mais alto, e o maior valor que se está disposto a pagar por milímetro quadrado, são escolhidos pelos senhores de terra e colocados no carrinho de compras (entretanto, são os escolhidos que pagam a conta). Se você, caro leitor, não tem uma casa própria em Portugal e precisa viver de aluguel, certamente também está preocupado com essa crise surreal que estamos vivendo, mas, se você é uma leitora mulher e, se você é uma leitora mulher imigrante que nasceu fora da União Europeia, deve estar duplamente ou triplamente preocupada, já que, não podemos fazer uma análise da crise na habitação sem adotar uma perspectiva interseccional (como em tudo na vida, diga-se de passagem). 

Falando em desigualdade, um estudo recente da CGTP sobre as condições de trabalho em Portugal indicou que, em comparativo com os homens, nós recebemos menos, temos vínculos laborais mais precários, maior índice de desemprego, e estamos mais desprotegidas quando desempregadas, ao que, diante disso, é extremamente difícil para uma mulher conseguir arrendar uma casa sozinha quando as condições impostas para arrendamento são conseguir pagar uma renda astronômica mais duas cauções, apresentar IRS, recibos, e ainda um fiador. Desse modo, se não conseguimos cumprir tais requisitos, nos restam aqui apenas três opções: ficar a viver na casa dos nossos pais, arrendar um quarto, ou dividir um t0 ou um t1 com nossos namorados ou namoradas. Se você é uma mulher adulta ou jovem adulta, certamente deve estar frustrada com a primeira opção. A segunda opção, dividir uma casa com desconhecidos, não é muito melhor, visto que diminui nossa privacidade e, se tratando de colegas de casa homens, também não nos coloca aqui em um lugar de grande segurança. Já me antecipo em dizer que eu sei que “nem todos os homens são iguais”, mas conheço histórias de mulheres que foram estupradas e sofreram abusos sexuais cometidos por colegas de casa, que tiveram colegas de casa que abusavam de bebidas alcoólicas e ficavam agressivos, e que já foram assediadas sexualmente por parte de senhorios que frequentavam a casa, visto que “arrendavam apenas o quarto”, e, não tendo contrato, foram colocadas para fora de casa sem reembolso da caução ou aviso prévio. A crise na habitação também nos leva a uma terceira opção: arrendar casa com nossos parceiros não porque queremos verdadeiramente, mas para fugir das opções anteriores, o que acaba por empurrar mulheres a irem viver com homens que não conhecem muito bem, sem que haja qualquer planejamento, podendo aprisioná-las em um contexto de violência doméstica do qual será muito mais complicado de sair, principalmente se existirem filhos.

Mas, se você, cara leitora, também é uma mulher imigrante em Portugal e que nasceu em um país que não pertence a UE, certamente deve estar bem mais preocupada com a crise da habitação no país, porque, como eu e você sabemos, se está ruim para os portugueses, para mim e para você, está desesperador. Aqui não temos a casa dos nossos pais para voltar. Aqui somos mais exploradas no local de trabalho e é muito mais difícil conseguirmos um emprego na nossa área profissional com uma remuneração maior. Aqui não temos a mesma rede de apoio de pessoas conhecidas que possam nos indicar para um senhorio mais flexível nas condições de arrendamento. Aqui, quando estamos à procura de um lugar para viver, ouvimos: “não arrendo para brasileiras”, “o que você faz em Portugal?”, ou, como eu ouvi uma vez: “se quer privacidade, volte para o seu país”. Para nós, querida leitora, o Portugal tão sonhado, pelo qual deixamos o nosso país em busca dos nossos sonhos, está ruindo, e decepciona a mim, a você, e a todas as outras mulheres que no 8 de março vão receber um “feliz dia da mulher!”, porque, sem o direito a uma habitação digna, não tem como ser um dia feliz. 

-Sobre Brasileiras Não Se Calam-

Mariana Braz é psicóloga e vive fora do Brasil há seis anos, tempo em que vem trabalhando com mulheres imigrantes em diversos países, particularmente mulheres que vivenciaram assédio e discriminação motivados por sua raça, etnia, gênero e nacionalidade, e mulheres sobreviventes de violência doméstica. Há três anos desenvolve o Brasileiras Não Se Calam, projeto que tem como objetivo debater as dificuldades enfrentadas por mulheres brasileiras no processo de imigração.

Texto de Mariana Braz
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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