Há determinados momentos em que conseguimos distinguir perfeitamente os órgãos de comunicação audiovisuais dos escritos, quer seja em papel, quer em bytes. Ao contrário dos media escritos, em que parte muito significativa das suas páginas são ocupadas com informação, os media audiovisuais têm desafios adicionais. Na verdade, um grande desafio adicional: o entretenimento.
Os canais de televisão generalistas dedicam a maioria do seu tempo ao entretenimento, engavetando a informação num compacto à hora de almoço e noutro, praticamente igual, mas em modo aditivo, à hora de jantar. Este é o modelo que prevalece porque o histórico das audiências assim o foi decretando com o andar dos anos. O entretenimento garante mais público que a informação, daí reservar praticamente todo o dia, mas, curiosamente, a informação em doses comprimidas, pode ser, também, um activo triunfante para as audiências.
O paradigma dos canais de televisão noticiosos é diferente, naturalmente. Apesar de poder existir uma bolsa ou duas de entretenimento ao longo do dia, toda a programação é feita de informação. Todos os ramos editoriais são possíveis de ser explorados, já que se deseja preencher uma grelha com 24 horas, e, mesmo assim, são insuficientes para contornar uma não pretendida, mas obrigatória, repetição de notícias durante o dia.
Esta é, provavelmente, a adversidade mais interessante de um canal noticioso. A repetição de notícias não só afasta o espectador de uma presença continuada, já que tem consciência da inevitabilidade dessa reincidência, como desmotiva qualquer jornalista que, no seu bloco de três ou quatro horas, tem de ecoar as mesmas frases várias vezes, como se da primeira ocasião se tratasse.
A situação perfeita, portanto, surge quando é possível juntar à informação rotativa uns pozinhos mágicos de entretenimento. Das raras vezes que isso acontece, as audiências dos canais noticiosos revolucionam-se, amadurecem, e até provocam a mesa dos adultos. O desporto, o futebol principalmente, tem sido o predominante alimentador desta dimensão entretida. Os despojos seguintes a uma vitória na Primeira Liga, por exemplo, são esquadrinhados até ao átomo para manter a audiência ligada.
Muito ocasionalmente, outros temas que vertem ligeiramente para o entretenimento irrompem pela informação adentro. É o caso da situação monárquica britânica. Não quero com isto dizer que a morte de uma rainha e a coroação de um rei de uma nação que nos é tão próxima e que exerce tanta influência no mundo não é notícia. Claro que é. Mas a cobertura exaustiva de todos os rituais que estão associados a essa passagem de testemunho excedem a simples informação.
Vendo-se impedido de ter entretenimento, qualquer canal noticioso absorve um destes fortuitos momentos em toda a sua glória. As audiências crescem, disputam alguns horários com os generalistas e evitam a promessa de repetição com longas transmissões em directo comentadas por um rodopio de convidados.
Mas nem tudo são rosas. Pelo menos a prazo. Permitir que as audiências e o entretenimento ditem a programação noticiosa encoraja todos os que não querem bem ao jornalismo. Com o tempo vai-se consubstanciando a ideia da desvalorização da informação, já que a fronteira com o entretenimento torna-se indistinta e o foco na objectividade dilui-se. No contexto em que estamos agora, uma decisão editorial não pode servir apenas o imediato, tem de alcançar as consequências futuras.
*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico
-Sobre Tiago Sigorelho-
Formado em comunicação empresarial, esteve ligado durante 15 anos ao setor das telecomunicações, onde chegou a Diretor de Estratégia de Marca do Grupo PT, com responsabilidades das marcas nacionais e internacionais e da investigação e estudos de mercado. Em 2014 criou o Gerador e tem sido o presidente da direção desde a sua fundação. Tem continuamente criado novas iniciativas relevantes para aproximar as pessoas à cultura, arte, jornalismo e educação, como a Revista Gerador, o Trampolim Gerador, o Barómetro da Cultura, o Festival Descobre o Teu Interior, a Ignição Gerador ou o Festival Cidades Resilientes. Nos últimos 10 anos tem sido convidado regularmente para ensinar num conjunto de escolas e universidades do país e já publicou mais de 50 textos na sua coluna quinzenal no site Gerador, abordando os principais temas relacionados com o progresso da sociedade.