Na maior parte dos casos, somos um “animal social” pois gostamos de estar em grupo. Ou, pelo menos, pertencer a um grupo. Há explicações para este comportamento que vão da sobrevivência da espécie ao crescimento social.
Ao longo da vida, vamos escolhendo os amigos que nos acompanham nesta grande viagem e que podem ser o ombro que nos ampara num momento mau, como o ombro companheiro para a mais radical das aventuras.
Existe a crença que cada um de nós terá, se for felizardo, uma mão cheia de amigos “verdadeiros”, os tais que estão sempre presentes e que até garantem que dão a vida por nós. E, como bem sabemos, os verdadeiros amigos podem estar anos sem se encontrar ou falar mas, quando o fazem, parece que esse hiato nunca aconteceu. Mas isso da mão cheia é um mito: pode ser apenas um como 10.
Outra ideia é a de que as grandes amizades constroem-se aquando a escola, mas as opiniões divergem se é no liceu ou na universidade. Também acontecem ao primeiro emprego ou porque nos são apresentados por alguém que gostamos e é meio caminho andado.
Certo é que a vida tem sabor quando sabemos que alguém nos pode acompanhar durante os bons e os maus momentos. Aliás, a vida perderia muita da sua razão sem existir uma bela amizade.
Portanto, sabemos que ela é demasiado importante para o nosso bem-estar e boa ventura. E se tudo começa na escola, é também nela que depositamos, sem saber à altura, grandes esperanças. Só que a escola, principalmente a actual, é demasiado exigente, dura e complexa para conseguirmos ter tempo ou paciência para julgar quem nos está ao lado, tanto no bom como no mau sentido.
Este tempo de formação social tem uma enorme importância na nossa experiência estudantil e pode marcar, de forma extrema, o nosso futuro comportamento social.
Sabemos que o bullying está na ordem do dia, que a depressão infantil e juvenil é uma nefasta realidade, que a pressão social não é comparável à da nossa juventude (e falo para quem agora está nos 30, 40 no caso de pais ou 50, 60 no caso de avós) e que as exigências, de qualquer ordem, a que são submetidos os jovens não é compatível com um crescimento que deveria ser entusiasmante, alegre e estimulante.
Não querendo enunciar os factores de risco ou os sinais de crise, a que devemos estar atentos ou aprender tudo o que pudermos sobre eles, prefiro apontar alguns caminhos que podemos escolher para tentar estar mais próximo dos nossos jovens a fim de evitar uma crise drástica.
Por exemplo, há que dar espaço mas estar atento, conhecer os amigos próximos, ter os seus contactos e também dos progenitores, ter na agenda o contacto directo da professora ou director ou psicólogo (a existir) da escola, e conhecer os horários e os locais.
Seria bom estarmos a par do que eles realmente gostam, dos interesses mais estranhos, dos heróis e aventuras, das modas e também de algum jargão. Não se acanhem a usá-lo, mesmo que errado, só para demonstrar que querem estar próximos.
É obrigatório ter uma relação cúmplice, aberta e frontal, de forma a perceber quando existem problemas. E os sinais são vários, como o silêncio, a mudança de estilo de roupa, o desinteresse ou um novo interesse, algum novo calão, a alteração súbita de humor, as zangas com o namorado, o número de namoradas, a opção de género, a descoberta de uma política mais radical, tanta mas tanta coisa. E esta cumplicidade constrói-se desde o primeiro dia comum.
Se no caso dos adolescentes todas estas importâncias sugerem ser semelhantes às da nossa juventude, tal não podia estar mais longe da realidade. Nunca estivemos conectados 24/7 a coisa nenhuma e nunca fomos alvo de fotografias ou vídeos imediatos e virais. Toda esta nova realidade muda uma vida e a forma de estar nela. É natural que os comportamentos nos sejam estranhos e é também por isso que devemos tentar compreendê-los ao invés de criticá-los imediatamente.
Quanto aos mais novos, sabemos que estão fascinados por luz, movimento, cor e som. Todos sabemos que é nefasto dar-lhes um ecrã para ficarem calados enquanto os adultos tentam uma conversa. E, sim, andamos cansados, saturados, debilitados. Não temos nem tempo nem paciência para aturar gritos, birras e perguntas.
Mas, neste caso, quem é que está errado? Eles ou nós? É urgente mudar este “novo normal”. Por eles e por nós. Dá trabalho? Com certeza. Talvez também nos obrigue a repensar a nossa própria existência. E isso não é, de todo, mau, pois não?
Bom regresso às aulas e ao trabalho.
*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico
-Sobre Ana Pinto Coelho-
É a directora e curadora do Festival Mental – Cinema, Artes e Informação, também conselheira e terapeuta em dependências químicas e comportamentais com diploma da Universidade de Oxford nessa área. Anteriormente, a sua vida foi dedicada à comunicação, assessoria de imprensa, e criação de vários projectos na área cultural e empresarial. Começou a trabalhar muito cedo enquanto estudava ao mesmo tempo, licenciou-se em Marketing e Publicidade no IADE após deixar o curso de Direito que frequentou durante dois anos. Foi autora e coordenadora de uma série infanto-juvenil para televisão. É editora de livros e pesquisadora. Aposta em ajudar os seus pacientes e famílias num consultório em Lisboa, local a que chama Safe Place.