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Rui Massena: “Este EP é um espelho do que senti e criei em 2020”

Como diz o velho ditado português “quem espera sempre alcança”. A expressão parece encaixar-se, que…

Texto de Isabel Marques

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Como diz o velho ditado português “quem espera sempre alcança”. A expressão parece encaixar-se, que nem uma luva, ao compositor e maestro português Rui Massena. A música entrou na sua vida ainda em tenra idade, quando tinha apenas cinco anos. Estreava-se, nessa altura, em palco, com o instrumento que se viria a tornar o seu “melhor amigo” de vida: o piano. Aos oito anos “lançava” a sua primeira composição. No entanto, estava longe de imaginar o que o futuro lhe reservaria. A ascensão como uma das raras figuras clássicas que se tornariam referência a nível nacional e internacional.

Com quase meio século de vida, ao fim de três anos, desde o último álbum, “III”, prepara-se agora para apresentar um novo disco, mais curto do que o habitual, com estreia, no dia 2 de abril. O EP “20 PERCEPTION”. Nas palavras de Rui Massena, é “um projeto especial, num ano especial”, já que todo o EP foi escrito, produzido, e interpretado pelo artista. Um projeto que remonta ao ano de 2020, com seis peças comprimidas em 20 minutos simbólicos de música. Imaginários de dor e ternura que o libertaram do peso da pandemia.

Embalados ao som do piano, ainda, que à distância, o Gerador esteve à conversa com Rui Massena. No decorrer desta, o artista confessou algumas das inquietações sobre este novo projeto, falou sobre a sua voz, “o piano”, passando, ainda, por uma reflexão sobre o seu reconhecimento no estrangeiro.

Gerador (G.) – Antes de falarmos sobre este teu novo projeto, gostava que me contasses quando é que começaste a sentir este chamamento, vamos chamar assim, para a veia artística da música?

Rui Massena (R.M) – Estudo piano desde os cinco anos de idade, mas apenas por volta dos 12 anos me lembro de começar a gostar verdadeiramente das idas para a escola de música porque o facto de ter começado a fazer amigos alterou a minha perceção da música. Por volta dos 16, comecei a dirigir coros e comecei a perceber o quanto gostava de fazer música em conjunto. Escrevi algumas peças para orquestra e coro, e quando percebi que não sabia dirigir uma orquestra, quis aprender. Portanto, diria que a música me chama quando percebo que era uma razão para estar com amigos de uma forma criativa, e que não me via a fazer mais nada na vida.

(G.) – Três anos depois do álbum “III”, estás de volta com o EP “20PERCEPTION”. Porquê a aposta num projeto mais curto? Face à realidade que ultrapassamos, sentes que a pandemia te retirou inspiração ou, pelo contrário, te proporcionou mais tempo para a composição?

(R.M) – Já não publicava desde 2018. A meio de 2020 tinha outro álbum praticamente concluído, mas não estava confortável. Sentia que não representava o meu momento atual e era uma espécie de fórmula do passado. Decidi, então, que não o ia publicar e guardei-o. Comecei um novo projeto que espelhasse a realidade que estava a viver e fui perceber o que me estava a incomodar, para o tratar. Apeteceu-me um projeto mais curto que não fosse tanto um seguimento, no que vinha a fazer em termos musicais, mas um projeto especial num ano especial. São seis peças comprimidas nuns simbólicos 20 minutos de música. Sinto que estas composições me libertaram de um peso que a pandemia me estava a trazer porque durante o início da pandemia apenas consegui lidar com as questões mais práticas da vida e só já numa fase adiantada é que comecei a criar novamente. Até lá, voltei a estudar. Este EP é um espelho do que senti e criei em 2020, e do que se tornou mais relevante para mim. Quero olhar para trás e vê-lo como um documento que retrata a evolução da minha perceção em relação ao mundo em que vivemos. Julgo que a pandemia me deixou mais tempo para reconhecer o que gosto e aperfeiçoá-lo.

(G.) – Para ti, quais são as principais diferenças deste EP face aos teus álbuns anteriores?

(R.M) – É um álbum mais atmosférico porque procura ser menos específico no entendimento que sugere para cada peça. Procura sugerir, em lugar de afirmar, e isso representa uma grande mudança, sobretudo a assertividade melódica com que vinha escrevendo. Aqui procuro deixar um espaço para que cada um dos ouvintes faça a sua interpretação. Com as imagens é igual. São uma espécie de imagens-ferramenta para cada um concluir a sua interpretação.

O piano explora diferentes timbres, na busca de uma intimidade e fugindo da assertividade melódica. Por outro lado, é a primeira vez que interpreto, produzo e escrevo as minhas peças.

Fotografia disponível via Instagram Rui Massena

(G.) – Se tivesses de caraterizar este teu novo EP numa só palavra ou adjetivo qual seria?

(R.M) – Mudança.

(G.) – Até ao momento, conhecemos três canções deste novo álbum, nomeadamente, “a song”, “70 percent” e o “Endless”. Em todas elas ouve-se um som predominante. O som do piano. Sentes que este instrumento musical é capaz de oferecer um efeito de “calmante”, até ao ouvinte, face ao estado de incerteza que todos nós enfrentamos?

(R.M) – O piano é a minha voz. A música é capaz de oferecer esse estado se assim for o desejo de quem a cria ou interpreta, e no meu caso, tenho um profundo interesse em perceber como a música pode afetar ou induzir um determinado estado de alma. O piano é a minha ferramenta atual para lá chegar, mas não é a única neste EP.

(G.) – Olhando, agora, para este teu novo EP consegues-me nomear uma música com a qual te identifiques mais? Se sim, porquê?

(R.M) – Gosto do que significa, para mim, o “Endless”. A música instala um órgão de tubos, oscilando entre a alegria e a tristeza, reflexão e acreditar. As cordas cantam como um coro, livres das individualidades, e em movimentos coletivos. É um registo diferente de tudo o que fiz até agora. Abre o EP.

Rui Massena – Endless

(G.) – Imagina que, a partir de agora, só podias escolher uma das áreas para trabalhar… Áreas essas da composição, de intérprete, ou de maestro. Qual escolherias?

(R.M) – Continuaria a da composição. Apesar de ser uma vida mais isolada e de me fazer falta o contacto com os músicos, porque com eles aprendo e sou melhor, criar proporciona uma existência inigualável.

(G.) – No passado domingo, 28 de março, estiveste presente no Deutsche Grammophon, que celebrou este ano o Dia Mundial do Piano com um festival virtual. Recordas-te de quando começaste a ter esta sensação de que a tua carreira estava a começar a ter sucesso internacional? Se sim, notaste uma boa receção à tua música?

(R.M) – Comecei a senti-lo em 2016 quando a Deutsche Grammophon escolheu a valsa e a colocou numa primeira compilação de música neo-clássica - EXPO I. Foi o primeiro passo. Mas agora, estar num festival como este, e tocar ao lado de uma Maria João Pires e de mais 15 artistas globais, ultrapassou o sonho.

Fotografia disponível via Instagram Rui Massena

(G.) – Neste caso, é um festival virtual, mas sentes que tens um público favorito?

(R.M) – Claro que tenho... o português! Sem margem para dúvidas, porque é a minha base, apesar de ser apenas o décimo país a ouvir a minha música! Enquanto falamos, tenho nove países que ouvem mais a minha música e, o primeiro, são os Estados Unidos. No entanto, para mim é indiferente o tipo de público, o importante é que estejam ligados à minha música. O resto é absolutamente irrelevante.

(G.) – De acordo com o novo plano de desconfinamento do Governo, anunciado em 11 de março, os teatros, auditórios, salas de espetáculos e cinemas podem reabrir a partir de 19 de abril. Após este desconfinamento poderemos ouvir este teu novo EP ao vivo?

(R.M) – Certamente. Assim que for possível encaixar datas e for previsível a abertura total das salas a cem por cento. Até lá, vou estar em tournée com o Piano Solo, pois é mais simples para programar no que diz respeito às restrições das grandes comitivas.

É um momento delicado para toda a comunidade artística e, de uma forma muito particular para os programadores porque vão ter de fazer um esforço gigante para acolher todas as desmarcações, o que condiciona as suas próprias programações.

(G.) – Numa entrevista ao Diário de Notícias afirmavas que te agradava saber que alguém cozinhava a ouvir o teu disco. Sabendo que o teu EP estreia já no próximo dia 2 de abril, qual achas que é a melhor forma de o escutar?

(R.M) – A melhor forma de o escutar será daqui a dez anos, quando tudo isto tiver passado e se torne numa memória. Continuo a querer que a minha música seja uma boa companhia em qualquer situação, mas este EP talvez seja mais reflexivo, embora positivo. A melhor forma de o ouvir talvez seja a estudar ou num daqueles momentos que dás a ti próprio para perspetivar, para encontrar uma certa reflexão e paz.

Fotografia disponível via Instagram Rui Massena

(G.) – Há algo que gostasses, ainda, de acrescentar relativamente ao EP?

(R.M) – A arte documenta o seu tempo. A diferença deste período/ano opera-se na ideia de que antes da pandemia a projeção de cenários irreais parecia-me aceitável e desejável, mas com o desenrolar da pandemia foi, para mim, impossível sair do presente. Um recentrar no agora, no presente. Um presente que contém o luto, a sobrevivência, o afeto, a música, a civilização e a ideia de encontrar saída para tudo isto.

Os vídeos que acompanham as peças são filmados por mim, e representam um espelho da minha própria perceção visual. São um campo aberto à interpretação, num simbólico encontro entre o que estes tempos trazem e o valor que lhes damos. Eles posicionam-se como um exercício provocativo à imaginação.  É um olhar aproximado ao que sinto sobre cada música, mas não pretendo um cenário objetivo. São imagens-ferramenta para cada um construir a sua própria interpretação. Têm um tempo próprio e contêm serenidade.

Este EP poderia ter sido apenas uma peça de 20 minutos. Pensei nisso. Mas também quis valorizar a independência e o mundo que cada peça encerra. Sobretudo, quero que cada um faça o seu caminho de interpretação da minha música e que se sinta livre para a interpretar como quer. Quis, ao contrário do que até aqui tinha feito, não condicionar a interpretação de quem ouve ou vê. É uma espécie de ponto zero, sou eu inteiro, capaz de influenciar alguém, mas suficientemente zero para cada um fazer sua essa interpretação.

Considero que vivemos um naufrágio coletivo, e que cada um deve ter direito, sem julgamento, a encontrar a sua terra. É isto.

Texto de Isabel Marques
Fotografia disponível via Instagram Rui Massena

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