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Samuel F. Pimenta: “a minha função é apenas deixar registo, deixar marcas, deixar sinal”

Samuel Pimenta, amante das palavras, do ambiente e da poesia, lança dia 1 de outubro…

Texto de Patricia Silva

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Samuel Pimenta, amante das palavras, do ambiente e da poesia, lança dia 1 de outubro o seu livro Ascensão da Água.
O livro que levou a que fosse galardoado com o prémio Literário Cidade de Almada Poesia é a sua mais recente obra, depois de Iluminações de uma Mulher Livre (2017), Ágora, (2015), Os números que venceram os nomes (2015), entre outros.

Foi com cerca de 10 anos que Samuel começou a escrever os seus primeiros rascunhos e, mais tarde, licenciou-se em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa.

Depois de diversas participações em conferências e em encontros literários nacionais e internacionais, alguns dos seus livros ganharam vida - deram origem a peças de teatro e teses académicas.

O Gerador esteve à conversa com o autor para conhecer melhor a sua poesia e a consciencialização em que se traduz. 

Gerador (G.) - O Ascensão da Água saiu esta quinta-feira para as livrarias. O conjunto de poemas reunidos neste livro apresentam uma relação com o elemento água. De que forma é que este e a sua transformação natural te inspirou na conceção do livro?

Samuel Pimenta (S.P.) - Dos cinco elementos da natureza, a água é o meu preferido. Pela sua origem enigmática – há quem diga que chegou à Terra através dos cometas –, pela sua simbologia e também porque é o meu elemento, uma vez que sou do signo de Peixes. Fascina-me o facto de ser um elemento mutável, que se adapta, mas também por ter uma natureza indómita e livre. É um elemento de resistência, que sobrevive. A água pode permanecer milénios em estado puro, oculta no subterrâneo. Pode conhecer a escuridão dos oceanos. Mas também conhece a ascensão, através do processo de evaporação, da formação das nuvens e da água sugada pelas raízes das plantas, que se transforma em seiva. As plantas são água com arquitectura. Todos estes movimentos e metamorfoses da água levaram-me à escrita do livro.

G. - O ano passado, na cerimónia em que foste anunciado como vencedor do prémio Literário Cidade de Almada – Poesia, revelaste que uma das razões que te levou a escrever o livro foi a necessidade de denunciar os crimes ambientais que todos os anos fustigam o rio, perto da nascente do Alviela. A teu ver, sentes-te contagiado pela importância das questões ambientais nos temas artísticos levados ao público nos mais diferentes formatos (seja livros, teatro, filmes)?

S.P. - Bom, o livro em si não está directamente ligado aos crimes ambientais que têm fustigado o Alviela, mas tendo em conta que é uma evocação do elemento água, e também o facto de eu ter escutado o título do livro precisamente junto à nascente do rio Alviela, aproveitei a cerimónia de entrega do prémio, como acto público, para fazer essa denúncia. Que não é nova, mas continua a ser necessária. Encaro a escrita como um acto de intervenção política e o papel do poeta e escritor também é o de fazer avisos. Por isso, sim, como criador, penso que é importante intervir em relação às questões ambientais e políticas e gosto de ver outros a fazê-lo também, seja nos livros, no teatro, no cinema ou nas artes plásticas.

G. - Ainda sobre o dia em que decidiste escrever o livro, o quão importante foi para ti?

S.P. - Foi de extrema importância e lembro-me dele ao detalhe. Como referi anteriormente, escutei pela primeira vez o título do livro, Ascensão da Água, junto à nascente do rio Alviela, em Olhos de Água. Era dia 31 de Dezembro de 2016 e aquele lugar, em pleno Parque Natural da Serra de Aire e Candeeiros, reverberava com a presença da água trazida pelas primeiras chuvas do Inverno. Trata-se de um lugar com grutas e com cursos de água que percorrem caminhos subterrâneos. É fascinante! Naquela altura, havia tanta humidade que abundava a vegetação. E os fungos, a criar formas de diversas cores sobre as pedras. Sei que me senti tão assoberbado pela beleza e pela força do lugar, pela sua presença viva, que comecei a fotografar compulsivamente as árvores, o musgo, os líquenes, os cogumelos, os fetos, as algas submersas, as esculturas calcárias criadas pelo fluxo da água, as grutas. E depois de centenas de fotos tiradas, escutei o título do livro e percebi que queria escrever sobre a água e os seus ciclos, os seus caminhos e as suas transformações. Foi assim que nasceu o livro.

G. - Tendo em conta a tua arte de escrever poesia entre outros géneros, acreditas que é também um meio pelo qual pretendes consciencializar os leitores em temas preocupantes relacionados não só com o ambiente, mas também com o mundo?

S.P. - Sim, sem dúvida! Como referi anteriormente, escrever é um acto político e reivindico esse papel interventivo, activista, seja na poesia ou na prosa. O meu livro O relógio é um longo poema de denúncia e questionamento dos vícios desta sociedade robotizada em que vivemos. Em Os números que venceram os nomes criei uma realidade distópica para expor os perigos da nossa desumanização, onde as pessoas, em vez de nomes, têm números. Em Ágora, livro de poesia que publiquei em 2015, impõem-se as imagens de uma Europa em ruínas, ameaçada por novos e perigosos oradores e confrontada novamente com o horror dos naufrágios e da morte nas suas fronteiras. Em Iluminações de Uma Mulher Livre, conto a história de Isabel, uma mulher refém de um casamento abusivo, que diante da possibilidade de matar o marido vai questionando todo o sistema patriarcal que modelou a Terra, enquanto resgata o saber ancestral das bruxas, das santas e das místicas, legado da sua avó. E, depois, há os artigos que vou escrevendo sobre os mais diversos assuntos, sempre com uma consciência interventiva. Não sei estar de outra forma.

G. - Beira Alta, Galiza e vila de Alcanhões são alguns dos lugares a que dedicas a tua obra. Foram lugares em que cresceste como pessoa e autor?

S.P. - Alcanhões foi onde nasci, é a minha terra, onde comecei a escrever. Da Beira Alta é originária parte da minha família materna, da aldeia de Pinheiro, onde vamos com regularidade. Em 2016, fiz uma residência artística lá para escrever Iluminações de Uma Mulher Livre, com as Bolsas Jovens Criadores do Centro Nacional de Cultura. A Galiza foi onde encontrei a génese da nossa literatura, da nossa música, da nossa cultura, da nossa língua e da nossa espiritualidade primordial. Na Galiza encontrei família e casa. E, sempre que regresso, a família e a casa aumentam. Todos estes lugares deixaram marcas muito profundas em mim e obviamente que a minha escrita acaba por ser influenciada por isso. São lugares muito sagrados para mim.

G. - Durante o teu discurso, na cerimónia de entrega do Prémio Literário Cidade de Almada 2019, mencionaste Alice Walker dizendo que “as histórias curam. Não só pela história que é contada, mas pelo ato de contar, por haver alguém que se importa e que quer partilhar uma coisa”. Essa possibilidade de cura, própria e no outro, é uma das razões que te leva a escrever e, mais do que isso, a publicar o que escreves?

S.P. - Não era consciente disso quando comecei a escrever e a publicar, mas com o tempo fui compreendendo a virtude curadora da escrita e do acto de contar uma história ou de dizer um poema a alguém. Começa em mim, pois é de mim que o processo nasce e é pelo meu espírito e pelo meu corpo que fluem as ideias e as palavras até serem materializadas. Isso é parte do processo criativo, que para mim é sempre uma experiência de transformação, de mudança e de amadurecimento. É um estado em que é possível tocar a substância da magia, por isso podem acontecer muitas coisas. Natália Correia falava disso. Depois vêm as outras pessoas, as que lêem ou escutam, e esse processo expande-se através delas. Já me disseram coisas como “o teu poema curou-me”, “o teu livro ajudou-me”. Depois de publicar Iluminações de Uma Mulher Livre, algumas mulheres escreveram-me a agradecer pelo livro, porque nele eram verbalizadas coisas que elas sentiam e que nunca se tinham permitido dizer. Isso é extraordinário para alguém que escreve! Por essa razão, agora sou ainda mais consciente do poder da palavra, e é fundamental para mim continuar a escrever e a publicar.

G. - Este livro poderá ser também um livro de memórias com a cura que procuravas?

S.P. - Ah! Sim! Este livro é para mim como um espelho de água oracular, que se consulta para vislumbrar o que já passou. Ou não fosse a água símbolo da memória. Mas o livro é também uma cartografia de afectos para mim, um mapa com o caminho para abandonar o Inferno e voltar à superfície.

G. - Os prémios de literatura, nomeadamente, de escritores e o seu reconhecimento foi um dos temas que abordaste também no teu discurso de entrega do prémio.
Acreditas que a poesia poderá ficar adormecida devido à centralização do reconhecimento histórico português e à educação, no que toca aos poetas que são utilizados como referências de estudo?

S.P. - Os clássicos são fundamentais no estudo da literatura. Acredito que, com o tempo, poderão começar a ser incluídos outros autores, mas nunca excluindo os clássicos. A questão que se deverá impor, nesse momento, prende-se com o critério. Serão escolhidos os escritores publicados por grandes grupos editoriais, grupos esses que por acaso até produzem os manuais escolares? Ou haverá uma escolha ampla e rigorosa? Quando me referi à questão dos prémios na cerimónia, fi-lo em jeito de alerta e de denúncia, pois apesar de os prémios serem bem-vindos, os poetas, em particular, não podem depender deles para continuar a publicar, uma vez que o sistema editorial, literário e livreiro, tal como está organizado neste momento, asfixia. Tanto em relação às oportunidades de publicação existentes – ou até mesmo às oportunidades de ter a atenção dos críticos –, como em relação aos géneros e subgéneros literários em que se investe mais, havendo uma verdadeira imposição de “gosto”. A poesia está há anos no fim da linha das apostas editoriais e livreiras. E não é por as pessoas não gostarem de poesia.

G. - Dia 1 de outubro será o lançamento do livro. Como estão a correr os preparativos? Já tens algo em mente?

S.P. - Será na Biblioteca Palácio Galveias, em Lisboa. Vou ter o Fernando Dacosta a apresentar, o que me alegra muito, por ser uma pessoa com um percurso de grande profundidade na literatura. Agora, com a questão da COVID-19, há uma série de medidas e cuidados adicionais, nomeadamente limitação do número de pessoas que podem assistir, mas estou confiante de que vai correr tudo bem.

G. - Começaste a escrever com cerca de 10 anos. Manténs algumas referências literárias que tinhas nessa altura?

S.P. - Bom, revisitando as referências literárias que eu tinha com 10 anos, mantém-se o gosto pelos contos, pelas lendas e pelos mitos transmitidos pela tradição oral. E Sophia de Mello Breyner Andresen.

G. - Em resumo, qual é que achas que é o teu papel enquanto Samuel F. Pimenta, o escritor e poeta?

S.P. - Na verdade, cada vez mais vejo o meu trabalho literário e artístico como a arte rupestre dos antigos. A minha função é apenas deixar registo, deixar marcas, deixar sinal.

*Artigo escrito ao abrigo do Antigo Acordo Ortográfico

Texto de Patrícia Silva
Fotografia cortesia de Samuel F. Pimenta

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