Se existe mensagem imediata, pela força da imagem e interpretação dos actores, é o desenvolvimento de um personagem que nos conquista através do ecrã. Seja através de uma história baseada em factos verídicos ou uma ficção criada por alguém que estava para aí virado, uma narrativa bem contada e melhor interpretada conquista-nos de imediato.
Quantas histórias retratam os “males da alma”, os desencontros com a realidade, a desnoção da verdade, o abandono, desatino, fuga para a frente, desistência, elevação, superação, conquista e redenção?
Quantos personagens nos transmitem fraquezas, demónios interiores, desorientações e perdições e quantos lutam contra tudo o que de menos bom lhes acontece?
E destes, quais são os loucos, os moribundos, os tresloucados, os malignos ou os benévolos, crentes, optimistas e focados?
O cinema é tudo isto através de uma actriz e de um actor. É o carácter em pessoa, com ou sem maquilhagem, com ou sem final feliz, apenas e só a total entrega a uma tarefa que nunca é simples: a de percebermos o outro, como é, como está, como foi, em suma, como se esteve a sentir naquele momento que até deu para contar uma história.
O cinema está pejado de personagens com perturbações mais ou menos graves, mentes menos sãs, períodos complicados, um acumular de azares que enlouquecem qualquer um. As pessoas podem ser tudo, os actores também, mas a história tem de ser verdadeira, ou baseada num qualquer pedaço de realismo, para acreditarmos nela.
E é depois do escritor e do argumentista, raras vezes a mesma pessoa, que entra o realizador, aquele que tem uma noção geral de como quer contar a história e dedicar mais tempo ao sentimento do personagem ou aos acontecimentos que o levaram a chegar a um estado insano.
É também através destes filmes que nós, sentados confortavelmente, somos confrontados com algo que também nos passou ou passa pela vida. Relembramos momentos muito parecidos com os que estamos a ver nesta narrativa. Lembramos alguém que passou por um episódio semelhante, recordamos momentos que tomámos as mesmas decisões, boas ou más, mas é o cinema que, de todas as artes, tem mais força a transmitir estes problemas. Porque os vemos e ouvimos. É simples.
Quantas pessoas pode um filme ajudar? Quem sai de uma sala de cinema pronta a mudar a sua condição que não está a passar o melhor momento, porque sentiu uma força que a impele para, pelo menos, falar do que a atormenta. Quem nunca pensou, comentou em voz alta ou repetiu mais tarde “eu passei por aquilo”?
O cinema mostra-nos uma simples realidade: todos os personagens passaram, estão ou vão passar por um período menos bom nas suas vidas. E não é exactamente isso que acontece com todos nós?
*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico
-Sobre Ana Pinto Coelho-
É a directora e curadora do Festival Mental – Cinema, Artes e Informação, também conselheira e terapeuta em dependências químicas e comportamentais com diploma da Universidade de Oxford nessa área. Anteriormente, a sua vida foi dedicada à comunicação, assessoria de imprensa, e criação de vários projectos na área cultural e empresarial. Começou a trabalhar muito cedo enquanto estudava ao mesmo tempo, licenciou-se em Marketing e Publicidade no IADE após deixar o curso de Direito que frequentou durante dois anos. Foi autora e coordenadora de uma série infanto-juvenil para televisão. É editora de livros e pesquisadora. Aposta em ajudar os seus pacientes e famílias num consultório em Lisboa, local a que chama Safe Place.