Neste país quando se pensa que se está a dar um passo em frente, ficamos parados no mesmo lugar, e em desequilíbrio, isto quando não se anda para trás.
Há uns dias, exactamente no dia 26 de novembro, o Presidente da República promulgou o acesso à gestação de substituição, as ditas barrigas de aluguer, à lei de procriação existente.
Uma boa notícia que me parece trazer colada a si várias más.
Dizem os entendidos que a lei da procriação está agora “sem buracos”, mas a mim parece-me que levamos a vida a escondê-los.
Até agora, quando não se conseguia ser mãe e/ou pai, apenas se poderia tentar sê-lo através de tratamento de fertilização clinicamente assistido. Iniciá-lo poderia durar muito tempo de espera, mais que os 9 meses de gestação. Refiro-me, claro, a quem apenas consegue ter acesso ao sistema nacional de saúde.
Esta alteração da lei é excelente! É certo e sabido que mesmo passando pelo tratamento de fertilização nem todas as mulheres conseguem engravidar, já não falando de quem nem tem como engravidar, biologicamente falando. Como tal, a possibilidade de se poder recorrer a uma barriga de aluguer é, sem dúvida, um grande avanço neste processo de procriação.
Até aqui parece que este processo está a avançar. Damos um passo em frente!
Mas quando estamos a avançar, significa que o peso do nosso corpo já está distribuído pelos dois pés, o passo está a ser dado, de repente sente-se o desequilíbrio.
Então não é que a gestação de substituição só é permitida a casais heterossexuais e casais de duas mulheres que não tenham útero ou apresentem lesões que impossibilitem gerar uma gravidez ou em situações clínicas que o justifiquem?
Não foi a lei alterada para colmatar lacunas?
Parece-me que não estão aqui contempladas todas as pessoas que possam não conseguir ser mães e/ou pais. Nem tão pouco as situações que não permitem a gestação.
Sinto que um dos pés recua e não consegue estabelecer o equilíbrio. Assim é mesmo difícil andar em frente.
Este diploma tem ainda uma alteração que me deixa um pouco assustada.
A grávida pode negar a entrega às mães e/ou pais da criança até ao momento do registo ou até 20 dias depois do nascimento. Quer isto dizer que a grávida tem direito a ficar com a criança.
Enquanto mulher, posso tentar perceber esta alteração na lei, pois acredito que o período de gestação seja físico e emocionalmente forte, que altere comportamentos e sentimentos que possam vir a gerar uma forte relação de vínculo entre a mulher e a criança que tem a crescer dentro de si. Nem sei bem o que isso será.
Mas e o outro lado? E a(s) pessoa(s) que também esperam esta criança?
Estas pessoas apenas têm a barriga de aluguer como esperança para poderem ser mães e/ou pais, como são cuidadas neste processo?
Falta total de equilíbrio, nenhum dos pés está a suportar o peso do corpo. Impossível avançar.
Fico sem perceber a inconstitucionalidade que era declarada anteriormente, quando a desistência da gestante era permitida apenas até ao início do processo terapêutico de procriação medicamente assistida. Parece-me tão estranho saber que a grávida pode negar entregar a criança a quem tanto a espera.
É certo que a nova versão inclui que a Ordem dos Psicólogos tenha o mesmo peso que a Ordem dos Médicos no processo de autorização, mas e se o processo retroceder realmente? Que implicações? Como serão realmente cuidadas todas as pessoas implicadas no processo?
Parece-me que se resolve uma fracção e se esquecem outras.
Sinto que fico sem chão. O meu corpo não tem o peso necessário para andar e se equilibrar.
Acho que não se deu um passo em frente.
*Texto escrito com o antigo acordo ortográfico
-Sobre Marta Guerreiro-
Nasceu em Setúbal de pais com naturalidade nos concelhos de Almodôvar e Castro Verde e cresce numa aldeia perto de Palmela. Aos 19 anos muda-se para o Alentejo, território que não imaginava que um dia poderia ser a sua casa, e agora já não sabe como será viver fora desta imensa planície. Licenciou-se em Animação Sociocultural, vertente de Património Imaterial, onde desenvolveu competências sobre investigação e salvaguarda de tradições culturais e neste percurso descobre as danças tradicionais e a PédeXumbo, dando assim continuidade à sua formação na dança. Ao recomeçar a dançar não consegue parar de o fazer e hoje acredita que esta é, para si, uma das formas mais sinceras e completas de comunicar. A dança tradicional liga-a ao trabalho desenvolvido pela PédeXumbo, onde desenvolve o seu projeto de final de curso com o tema “Bailes Cantados” e a partir desse momento o envolvimento nos projetos da associação intensifica-se. Atualmente coordena a PédeXumbo onde desenvolve projetos ligados à dança e música tradicional.