“Em Abril, águas mil”. Menos em Portugal, onde Abril significou três ondas de calor, e pouca ou nenhuma chuva, com 14% do país em situação de seca extrema e apenas 10% em situação normal (o terceiro Abril mais quente desde 1931). Valores estes que se mantêm em Maio, com 40% do território português em situação de seca extrema e severa (segundo o IPMA). Mas experimentem sair à rua depois das chuvas das últimas semanas e dizer que não é bom que agora chova assim tanto… Negacionistas, ou desconhecedores da realidade, irão dizer que “estes ambientalistas também nunca estão satisfeitos, se está calor é porque está calor, mas se chove é porque chove”. E não, não estamos satisfeitos porque nada disto é normal.
Não é normal, nem positivo, que Portugal pareça um país tropical, em maio, com chuva e granizo a cair enquanto andamos na rua de calções e chinelos.
Não é normal que o abastecimento de água de certas aldeias tenha de ser feito por tanques de bombeiros porque as nascentes estão secas ou com níveis reduzidos.
Não é normal que os agricultores não consigam ter água disponível para manter as suas plantações e animais.
Não é normal que se ignore o facto de que, neste momento, em média, um cidadão português gaste 187 litros de água por dia quando se prevê que, em 2040, só teremos disponíveis 25L/ dia/pessoa (dados das Águas de Portugal e World Resources Institute).
As alterações climáticas não são um problema longínquo e não são um problema para as gerações futuras. As alterações climáticas são, na verdade, uma crise climática que está a acontecer neste momento, à qual Portugal não está seguro a assistir na bancada. Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Portugal é “um hotspot das alterações climáticas”, ou seja, um local que está especialmente vulnerável aos piores cenários - estamos ao lado do mediterrâneo, onde as temperaturas estão a subir e os níveis de precipitação a reduzir, e onde ficamos mais vulneráveis a eventos climáticos extremos - que, na realidade, já estão a acontecer - como a seca, os incêndios florestais (que têm sido cada vez mais comuns e intensos) e chuvas curtas mas intensas. Segundo Tamsin Edwards, cientista do clima, com uma subida das temperaturas de 1,5ºC (em comparação com os níveis pré-industriais), os episódios de calor extremos serão quatro vezes mais prováveis de acontecer, e episódios de seca serão duas vezes mais prováveis. Atualmente, com uma subida das temperaturas ligeiramente superior a 1ºC, já observamos ondas de calor que acabam com vidas, inundações que arrastam cidades, e incêndios que devastam florestas.
O ciclo da água e o equilíbrio hidrológico estão obviamente ligados à crise climática. Em termos práticos, o solo de uma zona que esteve em situação de seca extrema vai-se tornando seco e compacto o que, consequentemente, dificulta a absorção da água da chuva. Isto significa que, após um período de seca, quando chove (e principalmente se chove intensamente) a água da chuva em vez de ser gradualmente absorvida acaba por escorrer pela superfície dos solos. Isto não só não permite que o solo fique hidratado, como vai resultar em arrastamento de solos e cheias, com consequências para nós, humanos, e para a biodiversidade envolvente. Neste momento, a maioria das cidades não permite que o ciclo da água seja sustentável. Com a falta de espaços verdes e corpos de água, não há armazenamento suficiente de água e as cidades tornam-se em espaços mais quentes, o que tem consequências na qualidade de vida - 37% das mortes relacionadas com o calor são causadas pelas alterações climáticas, sendo que é mais comum que ocorram em áreas urbanizadas.
Em 2009, um grupo de cientistas especialistas identificou nove ‘limites planetários’ que nos servem como indicadores - reconhecidos e adotados a nível europeu e internacional - que nos mostram quais os limites que não devem ser ultrapassados pois podem ter consequências ambientais catastróficas. Estes nove limites são: alterações climáticas, perda de biodiversidade, alterações no uso dos solos, acidificação dos oceanos, destruição da camada de ozono, uso de água doce, fluxo de nutrientes, aumento de aerossóis na atmosfera, e aparecimento de novas entidades (como são, por exemplo, os micro-plásticos e certos químicos). Destes nove limites planetários, por consequência de ações humanas, seis deles já foram ultrapassados - um dos quais foi o uso de água doce - o que demonstra o estado crítico em que está o nosso Planeta neste momento e o quão urgente é agir.
Por isso, sim, os ambientalistas têm razão em “nunca estar satisfeitos”. E sim, chuva é importante e necessária, mas é compreensível que nem sempre seja bem-vinda. Mas mais do que reclamar da chuva ou reclamar dos ambientalistas, devemos agir. Temos de olhar para as alterações climáticas como uma crise atual e urgente, e não um problema do futuro; temos de reduzir as emissões de CO2 e evitar os combustíveis fósseis; temos de boicotar marcas, pessoas e atividades (como a agricultura intensiva e petrolíferas) que agem como se os recursos do planeta fossem infinitos; temos de tornar o mundo num local socialmente mais justo; ser politicamente ativos, votar, e transformar as normas sociais. Temos de fazer mais pelo Planeta e sair da nossa zona de conforto, ou a nossa zona de conforto pode vir a desaparecer.
-Sobre a Bárbara Marques-
Abrantina, licenciada em Turismo Internacional e Gestão de Empresas e atualmente frequenta o mestrado em Desenvolvimento Sustentável. Trabalhou nas áreas de turismo e educação. Passou um ano a viajar de bicicleta pela Europa - do Cabo da Roca ao Cabo Norte e regresso - o que lhe permitiu “abrir os olhos” para a realidade de outras culturas. Apaixonada pela natureza e praticante de desportos de aventura, tem uma grande conexão e preocupação pelo meio ambiente. Host do podcast Planeta Berde, um podcast que descomplica a sustentabilidade; parte das equipas dos projetos Reciclar não Chega e Janeiro Sustentável, que ajudam a consciencializar as pessoas sobre este tema; e da equipa Youth Cluster onde está a desenvolver atividades baseadas em educação não formal na mesma área.