E eis que, a catorze de maio de 2024, é novamente anunciado o local para a construção do novo aeroporto de Lisboa: no campo de tiro de Alcochete, na margem Sul do rio Tejo. Este anúncio, a traduzir-se na efetiva construção do novo aeroporto, trará resposta a um problema que tem décadas. Mas, num momento de múltiplas crises ecológicas, o anúncio de um novo aeroporto não deve, não pode, ser feito sem se anunciar o modo como este se integra num plano de mobilidade sustentável e como se prevê a redução do impacto ambiental do setor da aviação. E sobre isso, fica ainda muito por dizer.
O encerramento total do aeroporto Humberto Delgado é essencial e urgente e por três grandes razões: de segurança, operacionais e de saúde. Razões de segurança porque, apesar de mínimo, é sempre mais arriscado ter um aeroporto tão próximo do centro da cidade e que tem as aterragens e descolagens a sobrevoar milhares de edifícios; razões operacionais porque, fruto do aumento drástico do número de voos, a gestão aeroportuária é cada vez mais complexa; e, aquela que é a principal razão, por questões ambientais e de saúde humana.
É hoje sabido o impacto na saúde humana do deteriorar da qualidade do ar a nível local nas zonas próximas do aeroporto e, sobretudo, o impacto do ruído na saúde humana. São cada vez mais os estudos que provam que o ruído, e certamente o ruído da aviação, está associado ao aumento de doenças cardiovasculares, de demência, de distúrbio do sono e mau desempenho escolar. E estas consequências são particularmente danosas durante o período noturno e fazem-se sentir também durante o sono, mesmo quando não se traduz em despertar. E é por isso que aumentar a capacidade do aeroporto Humberto Delgado até à inauguração do novo aeroporto é um erro.
Em resumo: encerrar totalmente o aeroporto da Portela é uma decisão importante e correta. Sobram então as outras questões, como saber que contrapartidas foram eventualmente prometidas à Vinci, quais as razões de expandir o atual aeroporto até que o novo esteja operacional, o que acontecerá aos terrenos onde se situa o atual aeroporto e se estes, depois de despoluídos, servirão para criar habitação a preço justo e como este novo aeroporto se encaixa na necessária visão de transição ecológica do país. E é sobre este ponto que dedicarei o restante do artigo.
O setor da aviação, apesar das melhorias nos anos recentes no que diz respeito às emissões de gases com efeito de estufa nos aviões de nova geração, viu o total das suas emissões aumentar devido ao aumento substancial do número total de voos. E os problemas ambientais do setor não se resumem a estes gases, devendo incluir-se, como já referido, o ruído, os gases não-CO2 e a qualidade do ar local. Acresce que apenas um número reduzido de pessoas a nível global usufrui do transporte aéreo. É por isso essencial que a construção de um novo aeroporto venha acompanhada de uma visão global para a mobilidade e para a sustentabilidade. E é essa visão que falta ao governo.
Desde logo, é essencial assegurar a realização de uma nova avaliação de impacto ambiental (AIA). A anterior AIA, entretanto caducada, foi feita há demasiados anos e se os impactos identificados numa nova AIA serão certamente similares, poderá haver uma nova lista de soluções de mitigação para esses problemas.
É também preciso definir como se integrará o novo aeroporto com um modelo de mobilidade sustentável, não só com a ligação à ferrovia de alta velocidade, mas também garantindo a facilidade de acesso ao novo aeroporto através de transportes públicos. E mais, é essencial pensar a aviação reduzindo ao máximo os trajetos de curta distância; no dia em que escrevo, 15 de maio de 2024, cerca de 10% do total de voos em Lisboa são de e para o Porto, Faro e Madrid – voos que deveriam facilmente ser substituídos por uma ligação ferroviária de qualidade.
Quanto aos voos de longa distância, o desafio é ainda maior. De acordo com o último European Aviation and Environment Report, estes voos são 6% do total a nível europeu mas responsáveis por 50% das emissões. A eletrificação dos aviões capazes deste tipo de voos, contrariamente a pequenos jatos para voos curtos, não é previsível no médio prazo. As alternativas atualmente a ser investigadas passam sobretudo pelo hidrogénio verde e por combustíveis sintéticos mas, também sobre isto, ainda não ouvimos uma palavra do governo. E esta é uma área em que Portugal se poderia destacar a nível global.
Pensar em sustentabilidade na aviação também nos obriga a pensar em limitar drasticamente os voos de jatos privados, acabar, pelo menos a nível europeu, com a isenção de imposto dos combustíveis da aviação e pensar num mecanismo de imposto sobre passageiros frequentes que possa servir para financiar a transição ecológica do próprio setor da aviação.
Em resumo, este anúncio é importante, mas tão ou mais importante é esclarecer o que ainda não é claro e assegurar que um novo aeroporto é construído tendo em conta os desafios ecológicos que já vivemos e que só se irão agravar no futuro próximo.
-Sobre Jorge Pinto-
Jorge Pinto é formado em Engenharia do Ambiente (FEUP, 2010) e doutor em Filosofia Social e Política (Universidade do Minho, 2020). A nível académico, é o autor do livro A Liberdade dos Futuros - Ecorrepublicanismo para o século XXI (Tinta da China, 2021) e co-autor do livro Rendimento Básico Incondicional: Uma Defesa da Liberdade (Edições 70, 2019; vencedor do Prémio Ensaio de Filosofia 2019 da Sociedade Portuguesa de Filosofia). É co-autor das bandas desenhadas Amadeo (Saída de Emergência, 2018; Plano Nacional de Leitura), Liberdade Incondicional 2049 (Green European Journal, 2019) e Tempo (no prelo). Escreveu ainda o livro Tamem digo (Officina Noctua, 2022). Em 2014, foi um dos co-fundadores do partido LIVRE.