Como se viu agora no Brasil, como se vira antes nos EUA, com o Tea Party, a seguir com Trump; como acontece na Índia ou nas Filipinas; como são os casos de Itália, Hungria, Polónia ou Suécia, entre tantos outros, há uma viragem neofascista em curso. Para alguns, não se trata de fascismo, porque as instituições democráticas vão resistindo. Mas, para quem não se lembra do assalto ao Capitólio, da captura do poder judicial na Hungria ou da ameaça constante de golpe no Brasil, a pergunta é: até quando? Outros ainda, crédulos, argumentam que estes movimentos não puseram em causa as sacrossantas regras da liberdade dos mercados. Pois não! Mas essa postura é já um clássico: Estado Forte, Deus, Pátria e Família, mas liberdade para baixar salários, cortar serviços públicos, empobrecer, em particular os racializados, suprir as grandes empresas de lucros fabulosos e opíparas descidas de impostos. Relembremos o paraíso que foi o Chile de Pinochet para os Chicago Boys. Que se importaram os economistas com as torturas, os desaparecimentos, os assassinatos e os raptos, se havia um pecúlio à mão de semear?
À vista de todos, o ascenso neofascista faz-se com a ajuda da direita tradicional, que normaliza estas forças com o intuito de chegar ao poder. No Brasil, a direita clássica promoveu o golpe contra Dilma, a prisão de Lula e…desapareceu, engolida pela voragem bolsonarista.
Por outro lado, o centro-esquerda insiste em fazer suas as políticas da insegurança social, elevando ao altar o excedente orçamental, desinvestindo na habitação, na saúde e na educação; transferindo recursos do trabalho para o capital financeiro; cortando salários pela mão invisível da inflação. Empobrecidos e inseguros, sem confiança no futuro, sem a ideia clara de um progresso à mão de semear, constantemente acossados pelas garras da desclassificação social, muitos grupos vulneráveis juntam-se aos reacionários de antanho e combatem moinhos de vento: o bode expiatório do cigano, do negro, do homossexual, da mulher…
A esquerda, desorientada, por vezes sectária, desunida e entristecida, não tem conseguido forjar a força social e a imaginação que são pedra de toque para que uma contranarrativa se legitime e espalhe, desmontando as falsas evidências das redes sociais e a realidade paralela que alimenta o ódio e a paranoia.
Por isso, enquanto se vai resistindo no terreno, tateando, experimentando argumentos e vislumbrando brechas por onde se possa apresentar uma alternativa, sugiro, para o imediato, mesmo antes de reconstruirmos bases e argumentos mais sólidos e abstratos, um programa minimalista de cinco pontos:
- Não desanimar;
- Não mostrar medo (ainda que seja legítimo tê-lo), o que implica estarmos juntos;
- Partilhar ideias de como contra-atacar, o que exige, ao mesmo tempo, uma reinvenção dos modos de encontro e de comunicação;
- Ajudar rapidamente quem precisa, quem está vulnerável ou é vítima de ódio ou ostracização, através de redes de entreajuda progressistas;
- Ocupar todos os espaços vazios de cidadania por onde possa entrar o discurso neofascista. Estar lá primeiro. Não deixar o monstro entrar.
-Sobre João Teixeira Lopes-
Licenciado em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1992), é Mestre em ciências sociais pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (1995) com a Dissertação Tristes Escolas – Um Estudo sobre Práticas Culturais Estudantis no Espaço Escolar Urbano (Porto, Edições Afrontamento,1997). É também doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação (1999) com a Dissertação (A Cidade e a Cultura – Um Estudo sobre Práticas Culturais Urbanas (Porto, Edições Afrontamento, 2000). Foi programador de Porto Capital Europeia da Cultura 2001, enquanto responsável pela área do envolvimento da população e membro da equipa inicial que redigiu o projeto de candidatura apresentado ao Conselho da Europa. Tem 23 livros publicados (sozinho ou em co-autoria) nos domínios da sociologia da cultura, cidade, juventude e educação, bem como museologia e estudos territoriais. Foi distinguido, a 29 de maio de 2014, com o galardão “Chevalier des Palmes Académiques” pelo Governo francês. Coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.