Os resultados das eleições em Itália são, apenas, mais um degrau na enorme escadaria da turbulência política que se vai erguendo perante nós, todos os dias. A segurança inquestionável das democracias, que parecia ser o paradigma instalado no ocidente, está, afinal, sujeito a tentações.
Tudo parte de um pressuposto errado: acreditar que um povo, após conseguir chegar a uma democracia, não voltará a experimentar outras situações políticas menos interessantes. Esta fé é conseguida através do esquecimento sustentado pelas gerações mais velhas dos passados recentes repletos de desafios políticos e do enorme alheamento das novas gerações ao que é a participação e exigência política.
Ao darmos a democracia como adquirida, como impossível de ser posta em causa, estamos mais disponíveis para testar os seus limites. Hoje, as populações ocidentais tendem a pensar na estabilidade política das democracias como uma dádiva da natureza, para a qual não temos de nos esforçar diariamente para a preservar.
É esta consciência, ou, pior ainda, a falta dela, que nos leva a tomar decisões eleitorais que têm como ponto de partida o pensamento “e que mal pode acontecer?”. Muito poucas serão as pessoas que votam em partidos extremistas com o objectivo de procurar o fim das democracias. Isso, para elas, está consagrado na lei natural. Querem apenas experimentar modelos diferentes, arriscar noutras personalidades, abanar um bocadinho o status quo.
Foi assim com o Trump, foi assim com o Bolsonaro, ou com todas as outras ascendências de extrema-direita nos últimos 10 anos, por praticamente todas as democracias ocidentais. Não acredito que nestes países existam tumultuosas vagas de pessoas contra as democracias.
Por isso, falta-nos concentrar a atenção nos porquês. Em vez de gastarmos demasiado tempo a menosprezar quem tem o atrevimento em votar nessas famílias políticas, deveríamos reservar mais tempo para perceber por que razão esse voto fez sentido.
A sociedade ocidental do século XXI, para além de progressos circunstanciais em determinadas dimensões sociais, é caracterizada, na sua essência, por duas marcas: a inexistência do crescimento das condições económicas similar ao que existiu nos últimos 20/30 anos do século XX; e o aumento significativo da desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres.
Como os partidos moderados, aqueles em que as pessoas desejam efectivamente que estejam à frente dos seus países, não sabem combater esses desafios, então é natural que os votantes tentem outras soluções. Fazem-no porque acreditam que as democracias não estão em causa, como disse em cima, mas, também, porque estão desesperados com a sua situação e sentem-se empurrados para arriscar.
Temos de ser nós, cidadãos e partidos moderados, a assumir esta responsabilidade. Enquanto não o fizermos, enquanto preferirmos sacudir as culpas para quem se aproveita dos receios e inconsciências dos outros, não vamos conseguir inverter este rumo.
*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico
-Sobre Tiago Sigorelho-
Formado em comunicação empresarial, esteve ligado durante 15 anos ao setor das telecomunicações, onde chegou a Diretor de Estratégia de Marca do Grupo PT, com responsabilidades das marcas nacionais e internacionais e da investigação e estudos de mercado. Em 2014 criou o Gerador e tem sido o presidente da direção desde a sua fundação. Tem continuamente criado novas iniciativas relevantes para aproximar as pessoas à cultura, arte, jornalismo e educação, como a Revista Gerador, o Trampolim Gerador, o Barómetro da Cultura, o Festival Descobre o Teu Interior, a Ignição Gerador ou o Festival Cidades Resilientes. Nos últimos 10 anos tem sido convidado regularmente para ensinar num conjunto de escolas e universidades do país e já publicou mais de 50 textos na sua coluna quinzenal no site Gerador, abordando os principais temas relacionados com o progresso da sociedade.