O Movimento Cívico SOS Sado denunciou publicamente a 18 de janeiro, o derrame de lamas na Reserva Natural do Estuário do Sado, na zona conhecida como "Praia da Eurominas (Mitrena) ", originado pelo derrame de material dragado frente ao terminal Teporset, que pertence ao grupo Secil e Cimpor.
A denúncia surgiu após o movimento receber fotografias e vídeos de uma massa cinzenta de lamas que invadiu a paisagem de um lugar onde pessoas, não só passeiam, mas também, fazem daquele local um ponto de recolha de marisco e ovas de choco, sendo o “ganha pão” de muita gente.
O SOS Sado explica que existe um número considerável de terminais portuários, públicos e privados, existentes em Setúbal que permitem que navios carreguem diferentes tipos de materiais “bastante perigosos” como petróleo, carvão e cimento, alguns transportados através do Terminal Teporset que é o que está envolvido nesta questão.
“O que acontece ali é que há um projeto que já tem cerca de 15 anos que ia no sentido de aumentar a dimensão dos dois últimos terminais portuários da zona da Mitrena - os tais que servem para transporte de cimento, petróleo e outros materiais. Com esse alargamento pretendia-se também aprofundar a zona mesmo em frente a estes dois cais para receber navios de maior profundidade. E esse projeto inicialmente foi rejeitado porque não cumpria com os requisitos de proteção ambiental da zona. No ano a seguir, há um despacho do secretário geral do ambiente que vira essa decisão e diz que, após algumas alterações a esse projeto, ele pode andar para a frente. Isto tudo para dizer que o projeto já vem bastante de trás, mas que na verdade só agora é que começaram a ser feitas essas obras” – afirma David Nascimento, porta voz do SOS Sado.
David Nascimento acrescenta que no processo de escavação para que os navios mais fundos possam entrar nesses cais, a deposição do material que tiram do fundo do rio está a ser feita no próprio cais para depois fazerem um terrapleno e de certa forma, usarem essa areia para alargarem a área onde se pode depositar o cimento.
“Nesse processo de deposição, as lamas vêm com muita água, e eles têm uma espécie de bacia no próprio cais para garantir que a água não sai dali. Só que, a água, a certa altura, por causa dessa pressão, rebentou com essa bacia e arrastou não só o material dragado, como também, o próprio solo do cais, portanto estamos a falar de resíduos - desde cimento, limalhas de ferro, coque de carvão, enfim, matérias potencialmente muito perigosos, que têm sido depositados ali, durante décadas, para serem levados para navios. E tudo isto foi arrastado numa enxurrada para cima da zona que fica ao lado deste cais, que já é zona protegida, portanto, já faz parte da Reserva Natural do Estuário do Sado.” – explica
O movimento avança que o comunicado da empresa concessionária do terminal portuário de uso privativo, a explicar e assumir a responsabilidade pelo derrame das lamas, foi feito depois da denúncia dos vídeos e fotografias de um cenário “dantesco” que o SOS Sado teve conhecimento a 17 de janeiro porque “houve quem lá passasse” e os fizesse chegar essas denúncias. Revelam ainda que o acontecimento foi descrito pela Teporset, como um “fenómeno”, que iam monitorizar e limpar tudo, mas para a imprensa disseram que estava tudo bem e controlado.
“É assim que as coisas normalmente acontecem, ou seja a estratégia é sempre quase a mesma - as coisas fazem-se em segredo, a documentação que existe sobre esses projetos é sempre muito escassa, deixa-nos muitas dúvidas que depois para conseguirmos esclarecer andamos meses e meses com as autoridades para nos fazerem chegar os documentos e quando alguém dá literalmente com a boca no trombone e se percebe que se passa ali alguma coisa de muito errado, começam imediatamente com as desculpas”- diz Carlos Santos.
Maria Cardoso, um dos elementos do SOS Sado, agrega que a Administração dos Portos de Sesimbra e Setúbal (APSS) presidida pela mesma pessoa que preside a Administração do Porto de Lisboa (APL) - Lídia Sequeira, é que aplica a concessão para que a Terposet explore o cais e que a "única declaração pública que houve da APSS relativamente à questão das lamas da Mitrena é que não fazia ideia do que é que se passava, não tinha tomado conhecimento de nenhuma ocorrência – sendo que eles são a principal entidade responsável por saber se a Terposet está a fazer as coisas como deve ser ou não. No caso da APSS disseram que sabiam que estava a haver umas obras que foram alvo de uma avaliação de impacto ambiental – avaliações que foram feitas há 10/15 anos e que até de ponto de vista legal não serão válidas hoje, porque há um limite de validade. O que eles fizeram basicamente foi mesmo só dizer que a obra é perfeitamente legal e que nós saibamos não aconteceu nada de errado, portanto está tudo bem” – finaliza.
Em comunicado na página oficial, o SOS Sado diz ter apresentado queixa junto do Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) da GNR, da Capitania de Setúbal – a primeira linha de contacto que faz a ligação com outras entidades como o IPMA e ICNF- e do IGAMAOT, “com vista à intervenção urgente das autoridades para travar o derrame” e “identificar e os responsáveis por este desastre ambiental”. Está também marcada uma audição parlamentar no dia 10 de Março, às 14h00 para “prestar declarações, em contexto de audição, à Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento da Assembleia da República sobre a actual situação da Mitrena / Praia Eurominas” e voltam a alertar que “o processo de dragagens do terminal Teporset não se resume ao ‘incidente’ ocorrido: há um período lato que decorre antes das consequências que estão à vista de todos nós”.
SOS Sado : "Pelo Rio Sado, sempre!"
O SOS Sado é um movimento cívico orgânico que surgiu no início de outubro de 2018, na sequência da divulgação pública do projeto das "Fragatas do Sado”, que se abrange para tudo aquilo que consideram ser uma forma abusiva de gerir património natural do Estuário do Sado. A atividade prende-se na análise de documentações e de trazer “cá para fora” as incongruências, de forma a obrigar as autoridades a prestarem contas. Defendem que a informação tem de ser disponibilizada, que o direito a fazer perguntas deve ser respeitado, que se democratize o facto das autoridades serem obrigadas a falarem a “língua das pessoas” e que as pessoas compreendam que “não precisam ser doutorados em biologia ou investigação marítima” para que se possa obrigar transparência a “quem usa recursos naturais para fazer dinheiro”.
“Está na mão das pessoas poderem participar de uma forma bem mais efetiva nas decisões que são tomadas sobre a sua vida e sobre a gestão de um património que nos é comum” – finaliza Maria Cardoso.
O movimento prepara-se para lançar uma plataforma pública com toda a documentação granjeada ao longos dos anos de investigação do que se passa no Sado.
Fotografia da cortesia do SOS Sado
Texto por Filipa Bossuet