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“Subitamente no Verão Passado”, a passar pelo Teatro Nacional D. Maria II

A peça Subitamente no verão passado, texto de Tennesse Williams e encenação de Bruno Bravo,…

Texto de Raquel Rodrigues

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A peça Subitamente no verão passado, texto de Tennesse Williams e encenação de Bruno Bravo, estará na Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II, de 6 a 23 de Fevereiro.

Bruno Bravo e a companhia Primeiros Sintomas, com os actores Alice Medeiros, Carolina Salles, Joana Campos, João Pedro Dantas, José Leite, Marina Albuquerque e Mónica Garnel, exploram, a partir da obra Suddenly Last Summer (1958), de Tenesse Williams, o enigma da verdade.

Sebastian, a personagem principal, não está em cena. É a sua morte que lança a problemática da sua identidade, conceito da ordem da verdade, na medida que remete para um fundo estável, fixo, que se aproxima da noção de essência. A mãe de Sebastian, Miss Venable, é quem torna esta ausência em presença. Traz consigo a profunda inquietação quanto à causa da morte do filho, no Verão passado, quando viajou com a prima Catherine, a única testemunha deste acontecimento, para Espanha.

Ao redor deste mistério, a mãe constrói uma figura de Sebastian, tida como identidade, que o discurso de Catherine irá enfraquecer, até mesmo destruir, na medida que contraria fortemente o que tinha sido apresentado até então, instalando a dúvida, a possibilidade de erro, pela via do desconhecido. Há um médico que acompanha o caso. Chamado pela mãe de Sebastian para auxiliar nesta procura da “verdade”, torna-se o mediador das versões. Enquanto que Miss Venable ilumina o filho, a sua sensibilidade, pureza, castidade, exaltando-o constantemente enquanto poeta, Catherine obscurece-o, revelando a sua animalidade e perversidade. Contudo, a prima é tida como louca e, neste sentido, o seu discurso é considerado inválido, o que se deve também ao carácter surrealista das circunstâncias da morte, por ela descritas.

Miss Venable e o médico

A complexidade adensa-se no tipo de relação entre a mãe e o filho, descrita pela primeira. Miss Venable não aceita que haja uma possibilidade de que uma parte da vida de Sebastian lhe escape, fuja ao controlo, tomando-os como uma unidade. O território destes laços é confuso, uma vez que “funcionavam como casal, nas festas, na sociedade, e numa espécie de dependência, mesmo na própria criação poética do filho, que, sem a mãe, não era possível.  A partir daqui, há uma maneira de interpretar uma relação meio edipiana. Há qualquer coisa de estranheza e de perplexidade nesta relação”, reflecte o encenador. Então, Miss Venable incita o médico a realizar uma lobotomia a Catherine, pois seria uma forma de eliminar uma memória, servindo-se, assim, da patologização de que a rapariga era alvo, à qual se devia o seu internamento num manicómio. Esta imagem de Catherine é reforçada pela família nuclear, a mãe e o irmão, que insistiam na omissão da sua versão, procurando que a herança, que Sebastian deixou aos primos, não lhes fosse retirada. Se, Miss Venable queria calar Catherine para manter uma imagem idealizada do filho, a mãe e o irmão queriam-no por razões de poder. A peça toca em dimensões sociais distintas e, através de Catherine, conta que a doença tem, muitas vezes, uma história, a história das mentalidades. “Uma mulher que tem mais que dois homens é uma marginal, como se a mulher não pudesse ter desejo, impulso sexual, o que é um pouco o caso da Catherine, que é tida como perversa. Suspeitamos que é uma mulher solitária, inquieta, que teve pouca sorte no amor. Era tida, nesta altura, como marginal. O Tennesse escreve muito sobre os marginais”, reflecte Bruno Bravo.

Catherine e a mãe

Este aspecto está presente, de uma forma fortíssima, no relato de Catherine, que desmonta o enigma, através de uma personagem colectiva, as crianças pobres, esfomeadas, que estavam na mesma praia que os primos, aquando das suas férias em Espanha, embora separadas por uma rede. Do outro lado, produziam um barulho ensurdecedor com latas, como quem existe. Será este abismo, entre o luxo e o lixo, o excesso e a escassez, que, subitamente, ergue o último cenário. Porque as questões sociais convocam as morais, o encenador interroga: “O poeta deve ser amoral porque é poeta? O poeta pode fazer o que quer? É diferente dos outros?”.

Este abismo também é de imagens e o autor viveu-o aquando da realização do filme, Bruscamente no Verão Passado (1959), baseado na sua peça, para o qual escreveu o guião, juntamente com Gore Vidal. “É um final insuportável, porque é muito difícil de imaginar realisticamente, o que joga muitíssimo bem com a última frase do médico: ‘temos que pôr a hipótese desta história ser verdadeira’. Há aqui um jogo. Mas é, sobretudo, porque a peça, do ponto de vista de estrutura, parece que caminha toda para o grande monólogo final da Catherine. É um final que só pode ser imaginável, é um final, de tal forma tremendo, de tal forma surrealista, que a sua dimensão só se cumpre mesmo na imaginação. Daí ter uma forma tão literária. Percebo o Tennesse Williams, quando diz que é como se fosse um final que nunca pode ser filmado”, diz Bruno Bravo.

Texto de Raquel Botelho Rodrigues
Fotografias de Filipe Ferreira

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