A Organização Mundial da Saúde evoca a 8 julho o Dia Mundial das Alergias.
Tentar fazer graça com comidas ou bebidas num contexto de alergias será difícil. Há alergias a alimentos que não tratam nada bem o impetrante e, em altura de pandemia, seria de muito mau gosto estar a brincar com coisas sérias.
A não ser que a estória que se relatasse fosse de uma pseudo alergia, uma desculpa que alguém tivesse inventado para se retirar airosamente de alguma situação mais complicada em que não desejava participar. Por nada de mais sério, a não ser que não lhe apetecia privar com aquela companhia, naquela situação.
Todavia, todos sabemos que a mentirazinha tem a perna curta…
Relata-se com facilidade a ocorrência.
Em tempos idos tinha aberto um novo restaurante no troço da marginal que caminhava para a Cidadela de Cascais, num edifício contíguo aquele onde se situava ainda lá mais para trás no tempo, em chalet de época, a magnífica Casa da Laura, sobretudo casa de chás e de bolos finos e que fazia as delícias de uma certa clientela feminina da classe alta e muito influente de Cascais.
Era o restaurante Baluarte que ainda hoje existe, embora as gerências que por ali passaram tenham tido visões distintas, o que veio alterar a alma do estabelecimento.
Na sua primeira encarnação, o Baluarte queria competir com as estrelas da companhia, com o que de melhor havia na Vila em termos de restauração: o Beira Mar, o Pescador, o Jardim, o English Bar, etc… A matéria-prima era do melhor que se podia comprar na lota. A situação sobre a baía a olhar de frente para o mar e para o Palácio Seixas era de cortar a fala.
Fazia então parte dos usos e costumes da elite gastronómica que quando se desejava impressionar algum acompanhante, fosse para fechar ou iniciar algum negócio, ou por amor mesmo, era mister começar a refeição com o rei do marisco de Cascais. O lagostim.
Mas já naquela altura - anos 70 e 80 do século passado – o quilo do senhor lagostim aparecia nos restaurantes quase ao valor de um ordenado médio de um trabalhador de colarinho branco. Passe algum exagero, mas se os lagostins fossem exemplares grandes, por três ou quatro trocava-se o cheque do fim do mês. Não era, pois, para todos.
Contou-me um dos chefes de sala do Baluarte que um cliente conhecido, do meio da construção civil, tinha recebido alguns proprietários de terrenos de Birre para almoçarem no restaurante mas, quando lhe foi proposta uma travessa de lagostins para início da “conversa”, argumentou de imediato que pedia muita desculpa, mas tinha uma alergia severa ao marisco – fosse ele qual fosse . Nem o podia cheirar, quanto mais comer.
O tempo passou, a mesma personagem foi por sua vez convidada para outra refeição de negócios no mesmo local - que estava em moda nessa altura - e a cena foi mais ou menos a mesma: apresentação no início do repasto da travessa de lagostins, desta vez integrada pela entidade pagante (que era outra) na refeição.
E o alérgico atirou-se a eles como gato a bofe.
O chefe de sala, sem dar escândalo, não deixou de fazer o reparo sobre a “terrível alergia”. Ao que lhe foi respondido: “não estamos na Primavera”.
Viver não custa. Nem agora nem há 40 anos atrás…
-Sobre Manuel Luar-
Manuel Luar é o pseudónimo de alguém que nasceu em Lisboa, a 31 de agosto de 1955, tendo concluído a Licenciatura em Organização e Gestão de Empresas, no ISCTE, em 1976. Foi Professor Auxiliar Convidado do ISCTE em Métodos Quantitativos de Gestão, entre 1977 e 2006. Colaborou em Mestrados, Pós-Graduações e Programas de Doutoramento no ISCTE e no IST. É diretor de Edições (livros) e de Emissões (selos) dos CTT, desde 1991, administrador executivo da Fundação Portuguesa das Comunicações em representação do Instituidor CTT e foi Chairman da Associação Mundial para o Desenvolvimento da Filatelia (ONU) desde 2006 e até 2012. A gastronomia e cozinha tradicional portuguesa são um dos seus interesses. Editou centenas de selos postais sobre a Gastronomia de Portugal e ainda 11 livros bilingues escritos pelos maiores especialistas nesses assuntos. São mais de 2000 páginas e de 57 000 volumes vendidos, onde se divulgou por todo o mundo a arte da Gastronomia Portuguesa. Publica crónicas de crítica gastronómica e comentários relativos a estes temas no Gerador. Fez parte do corpo de júri da AHRESP – Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal – para selecionar os Prémios do Ano e colabora ativamente com a Federação das Confrarias Gastronómicas de Portugal para a organização do Dia Nacional da Gastronomia Portuguesa, desde a sua criação. É Comendador da Ordem de Mérito da República Italiana.