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Tiago Guedes: “O digital também pode ser visto como um outro palco”

Após um ano pandémico que obrigou a um interregno inesperado, o DDD – Festival Dias…

Texto de Sofia Craveiro

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Após um ano pandémico que obrigou a um interregno inesperado, o DDD – Festival Dias da Dança regressa assumindo “a emergência em levar de novo a dinâmica da dança aos palcos do festival”.

A programação, que será presencial e digital, estende-se entre os dias 20 e 30 de abril, e abrange as cidades do Porto, Gaia, Matosinhos e, pela primeira vez, Viana do Castelo. Em entrevista ao Gerador, Tiago Guedes, diretor artístico deste evento, explica que as mudanças impostas pela pandemia vieram para ficar, pois, apesar das contrariedades, vieram alargar o espectro de audiências. “Desperdiçar este know-how, a meu ver, seria um desperdício e seria dar um passo atrás”, diz.

O responsável sublinha que nada substitui um espetáculo ao vivo, mas não nega que o digital traz consigo novas vantagens. “O importante é a assunção que o digital não substitui o físico. O digital pode e deve ser complementar ou dar uma experiência completamente diferente e objetos completamente diferentes ao público e aos artistas”, afirma.

Gerador (G.) – Após o cancelamento do ano passado, o DDD regressa agora em formato misto, digital e presencial. O que podemos esperar desta edição?

Tiago Guedes (T.G.) – Nesta edição, nós podemos, como disse e bem, esperar um festival que acontece através das nossas plataformas digitais, por intermédio do nosso site: www.festivalddd.com. Este site tem várias entradas para a programação, desde logo tem a programação dividida em sete secções: espetáculos, conversas, workshops, documentários, exposições, residências e festas. E toda essa programação, que eu acabei de referir, pode ser acedida online. As pessoas têm o calendário, e, a partir das suas casas, a várias horas possíveis, podem aceder. Podem entrar pela programação, pelas categorias, ou podem entrar pelas páginas de artistas – pois cada artista e participante tem uma página – e, através dessas páginas, vêm o que é que cada artista está a fazer no festival: um espetáculo, um documentário, uma festa, uma conversa… esta é a primeira entrada, a entrada digital.

Quem quiser aproveitar a reabertura dos teatros terá nove espetáculos presenciais para poder assistir no Porto, Gaia, Matosinhos e Viana do Castelo. Estes nove espetáculos são só nacionais, cinco deles em estreia mundial – aliás a primeira aconteceu ontem [20 de abril] com o espetáculo Bate Fado, de Jonas&Lander. [Haverá] cinco estreias mundiais e mais quatro espetáculos nacionais ao vivo durante estes dias, sempre às 19 horas, sendo que às 22 horas começam as transmissões dos espetáculos digitais.

G. – Quais os maiores destaques deste festival?

T.G. – É uma pergunta muito ingrata, porque a programação é toda desenhada por nós [risos]… mas se calhar vou destacar alguns projetos, dois deles no digital. O espetáculo de abertura, que foi ontem [20 de abril], porque, de facto, foi incrível pela sua força e pela sua pertinência nos dias de hoje, o [espetáculo de] Rone e coletivo La Horde com o Ballet de Marselha, e, mais para o final do festival, um espetáculo que se chama North Korea Dance, da coreógrafa sul-coreana Eun-Me Ahn. [É] um espetáculo que se debruça sobre o que é o corpo e o movimento na Coreia do Norte, um país completamente hermético, que estamos habituados a conhecer por outras razões, mas que, através do olhar desta coreógrafa, vamos conseguir perceber o que é que é o trabalho do corpo a vários níveis, quer social, do espetáculo, mas também a nível das paradas militares. [Vamos] perceber como é que o corpo é algo que está completamente integrado na sociedade e funciona como fator de evasão da população da Coreia do Norte.

North Korea Dance - Fotografia JM Chabot

Estes são assim os dois destaques digitais que eu faço. Depois, nos espetáculos ao vivo – um deles seria o de ontem [20 de abril] –, mas gostava de focar-me nas estreias e grande parte delas acontecem na semana que vem.

A estreia da peça Cabraqimera, da Catarina Miranda, uma peça que olha para o futuro, para um corpo cuja velocidade é aumentada, quase como se as nossas capacidades no futuro pudessem ter outro tipo de variantes. É uma peça com quatro bailarinos em patins, uma peça toda sobre a velocidade, mas também a poética que essa velocidade pode ter. É um objetivo iminentemente visual e coreográfico, que esperamos com muita atenção. Já vimos obviamente alguns ensaios, é uma peça que promete, mas também o espetáculo do Marco da Silva Ferreira e do Jorge Jácome. É um espetáculo feito a quatro mãos, entre um cineasta e um coreógrafo, e apresenta também este pendor futurista. É uma peça que tem quatro bailarinos em cena e doze robôs, robôs de luz, que dançam também como os bailarinos. É uma peça deste convívio, deste encontro homem-máquina, muito coreografado, na qual se consegue descobrir e confirmar, de facto, a mestria coreográfica deste que é, para mim, um dos grandes coreógrafos da atualidade, o Marco da Silva Ferreira.

G. – Como avalia a relevância deste regresso do DDD para os artistas, programadores e equipas envolvidas?

T.G. – Este festival e todas as estruturas, todos os teatros e festivais que recomeçaram… a reabertura dos teatros e da atividade cultural é algo vital. É algo vital para o público, para as companhias, para os artistas, que precisam efetivamente dos seus espaços de trabalho para trabalharem, para poderem fazer os seus espetáculos, para poder fazer a sua vida. Não nos esqueçamos de que vimos de um ano muito complicado para a classe artística. Esta reabertura é algo muito importante, mas para o público também. O público tem de ter os seus hábitos culturais, [tem] de voltar a ver o mundo através dos olhos dos artistas, a sair do monotema, e a arte ajuda muito a isso. E o resultado é, no nosso caso – e ainda bem, pois tínhamos algum conservadorismo em relação a isso –, o facto de os espetáculos estarem a esgotar todos. O festival começou ontem [20 de abril], e os nossos espetáculos estão praticamente esgotados. Claro, com as condicionantes da redução das plateias, mas ainda assim. As pessoas querem retomar a sua vida cultural e é uma retoma segura. Os teatros, os sítios onde se apresentam os espetáculos, são locais muito seguros com protocolos de segurança epidemiológica muito bem delineados. E, de facto, ontem [20 de abril] foi uma emoção voltar a estar juntos a ver arte e a ver arte em cima do palco.

Cabraqimera - Fotografia de Mariana Lopes
G. – No seu editorial, publicado na página do DDD, refere que desafiaram os artistas “a pensar as suas obras em múltiplos formatos que chegarão a uma audiência global”. De que forma?

T.G. – Quando nós entrámos para o segundo confinamento, portanto, em janeiro, nós não quisemos fazer como fizemos o ano passado. O primeiro confinamento foi muito em cima do festival – começou em março, o festival é sempre em abril –, mas não tivemos outra solução que não adiar. O palco tem uma montra muito grande para se poder arranjar soluções rapidamente. E este ano, como foi em janeiro, nós decidimos fazê-lo e decidimos desafiar os artistas e os demais parceiros do festival a imaginar uma edição toda digital. Uma edição digital na qual o ADN do DDD estivesse muito presente. Toda esta parte digital não é só espetáculos, tem todo o outro conjunto de atividades paralelas que foi apanágio da nossa programação, mas dando uma salvaguarda aos artistas de que os seus projetos digitais seriam o que eles quisessem.

Não [queríamos] necessariamente fazer as suas peças, estrear as suas peças para uma plateia de câmaras – vamos assim dizer – que iriam registar os seus espetáculos. Os artistas foram desafiados a imaginar o seu espetáculo para um ecrã e, fugindo completamente – é algo que nós também fugimos no Teatro Municipal do Porto – a registos menos dinâmicos, registos mais de plano fixo ou de duas câmaras a filmar um espetáculo. E os artistas foram muito motivados em relação a isso. Claro que, a partir de uma certa altura, quando os nove artistas que souberam que afinal sempre iam estrear ao vivo, claro que voltaram a focar-se no que tinham de fazer para terminar o espetáculo ao vivo, mas todos estes artistas continuam a ter versões digitais. Tudo acontece no digital e há só estes nove projetos que acontecem também ao vivo. E estes objetos que vão sair, que vão passar a ser transmitidos a partir de hoje [21 de abril], são, de facto, objetos que, se tu fosses a um teatro ver estes espetáculos, não irias ver isto. São mesmo objetos pensados para serem vistos nas televisões ou nos computadores, uma outra forma de ver arte, de ver espetáculos, complementar a uma ida a uma sala de espetáculos. Eu acho que ninguém fica satisfeito com a ideia da substituição. Uma experiência de ver um espetáculo em casa, numa televisão ou num computador não pode ser uma substituição. Tem de ser uma outra coisa, tem de ser uma outra experiência, mas para isso é preciso meios e condições para ter equipas, para ter equipas de filmagens, para ter realizadores e para ter tempo, para esses realizadores trabalharem com os artistas e daí surgirem objetos interessantes. Eu estou certo de que, durante o DDD, os projetos que vamos lançar vão ser, de facto, projetos interessantes.

G. – Esta passagem para o digital aumenta a dificuldade logística ou acaba por simplificá-la?

T.G. – Claro que aumenta, aumenta bastante. Como deve imaginar, os teatros não estavam dimensionados para ter equipas de filmagem. Os que tinham técnicos audiovisuais era muito no sentido prático, quando há espetáculos que usam o vídeo ou para registos de arquivo. No nosso caso sempre filmámos os espetáculos com uma câmara fixa para registo de arquivo, não para registo de transmissão. Portanto teve de haver uma reorganização, logística e financeira, também para passar a contratar equipas de filmagem profissionais, com multicâmaras, com realização… reorganizar os ensaios – porque é muito diferente chegares ao teatro e ensaiares uma peça para estreares no palco, ou chegares, ensaiares uma peça para estrear num palco e também para fazer um filme. É completamente diferente. Portanto, isto veio também reorganizar os ritmos e os fluxos de programação. No nosso caso, veio para ficar. O Teatro Municipal do Porto continuará online e ao vivo, e isso faz com que, inevitavelmente, a próxima temporada – e no bom sentido, pelo menos assim o achamos – vá ter uma outra métrica, sabendo que vai ter esta dupla existência, e isto parece-me algo positivo e, acima de tudo, adaptado aos dias que correm, aos tempos que correm.

G. – Era uma das perguntas que eu queria fazer: se estas mudanças impostas pela pandemia, nomeadamente ao nível da organização de eventos artísticos, serão permanentes, mesmo num futuro pós-pandémico (que não sabemos quando chegará)…

T.G. – Sim, no nosso caso, sim. Exatamente porque o digital também pode ser visto como um outro palco para desafiar artistas a fazer trabalhos só para o digital. E nós fomos testando alguns modelos durante esta temporada, aliás, antes até do confinamento.

Há um projeto que nós temos que se chama Par(S) – Artes Performativas e Imagem Online, em que convidámos um cineasta, um realizador e um artista de artes performativas – acho que foram quatro episódios –, e esses artistas são uma espécie de double-building, de encontro, para fazer uma obra só para o digital. Não é uma obra de palco, não é uma obra para ser filmada, é uma obra mesmo pensada a quatro mãos só para o digital. Então o digital abre-nos aqui um outro campo de possibilidades e de trabalho para os artistas, que é um palco digital e um desafio artístico pensado só para o digital. Aqui já nem estou a falar dos projetos que tenham dupla existência, em palco e no digital, estou a pensar em projetos que só acontecem no digital. E então, desperdiçar também este know-how que as instituições têm desenvolvido nestes últimos meses – aquelas que o têm feito, ter uma programação e uma rotina no digital –, a meu ver seria um desperdício e seria dar um passo atrás. O importante é a assunção que o digital não substitui o físico. O digital pode e deve ser complementar ou dar uma experiência completamente diferente e objetos completamente diferentes ao público e aos artistas.

Bate Fado - Fotografia de Inês Sambas
G. – De certa forma, a pandemia veio extrapolar a abrangência do DDD para novos públicos? Possibilitou atingir pessoas que não estavam, talvez, tão ligadas a este tipo de eventos, ou pessoas fora de Portugal...

T.G. – Sim, e não só em Portugal. Quando se fala em digital, fala-se em global, portanto uma pessoa que esteja numa pequena vila do interior, a 300 km de Lisboa ou do Porto, pode ter acesso à programação cultural destas instituições sem ter de se deslocar 300 km, com todos os custos inerentes a isso, viagem e estadia. Portanto, isso é um lado muito positivo de serviço público, cultural, que o digital também trouxe. Daí que seja tão necessário a qualidade do que se apresenta no digital e não uma espécie de projetos de segunda linha, que se apresentam e que as pessoas podem ver.

E o que falou é muito importante, ou seja, não só a nível internacional, e aqui pensando também na difusão dos artistas portugueses. Por exemplo, programadores que estejam em vários sítios do mundo, que neste momento não estão possibilitados de viajar, podem ser convidados para, neste caso através da página ou do festival, entrarem nas páginas dos artistas e descobrirem o seu trabalho, para mais tarde, quando se puder viajar este artista ser visto nesses sítios e também para os públicos que se encontram em sítios mais distantes dos grandes centros urbanos, onde acontecem estes festivais e estas temporadas poderem ter acesso a uma programação de qualidade a partir das suas casas. Acho que é claramente um ponto muito positivo da programação online.

Texto por Sofia Craveiro
Fotografia de destaque por José Caldeira

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