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Tomás Magalhães: “Todos nascemos com uma propensão fortíssima para o comportamento tribal”

Na política, a polarização traduz-se pela divisão de uma sociedade em dois polos, sobre diversos…

Texto de Patrícia Nogueira

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Na política, a polarização traduz-se pela divisão de uma sociedade em dois polos, sobre diversos temas. Tomás Magalhães, físico de formação e apaixonado pela filosofia, criou o Despolariza, um espaço onde aborda várias temáticas de forma tranquila e não polarizada.

Tomás Magalhães é o nome do jovem que dá a cara e os pensamentos ao projeto Despolariza, onde entrevista várias personalidades do mundo da política e desconstrói temas que podem parecer polémicos. Define-se como "um aglomerado de células com consciência e com uma narrativa de vida e de personalidade que é baseada na sua memória", no entanto acredita ser mais do que isso. O seu caminho começou na Física, mas as viagens e a curiosidade pela Filosofia, e pela vida em si, fizeram-no seguir outro rumo. Em 2017, depois de ter estado na Índia, criou um projeto de forma inesperada, a associação Kolkata Relief, nesse mesmo país. A associação, que recebe donativos de todo o mundo, ajuda famílias sem abrigo na Índia, para que possam estar mais protegidos nos meses das monções. Este projeto levou-o a ser convidado para o Grupo de Reflexão sobre o Futuro de Portugal, onde partilha opiniões com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Em 2020, criou o Despolariza e já conversou, sempre com o mote "despolariza pá!", com Ricardo Batista Leite, Tiago Mayan Gonçalves e Adolfo Mesquita Nunes, mas o projeto complementa-se com as suas explicações 'despolarizadas' sobre temas como o Livre Arbítrio, a Lotaria Genética e Social, e ainda as suas explicações sobre a origem do Ser Humano e a expansão do Universo, no "Bing Bang que te pariu".

Numa conversa sobre a importância da infância, voluntariado e a sua formação, Tomás Magalhães falou em entrevista ao Gerador, sobre a sua visão sobre o tema voluntourism, onde turistas participam em projetos de voluntariado para ajudar grupos de desfavorecidos. O entusiasta e tocador de sitar, um instrumento musical indiano que pertence à família do alaúde, explicou-nos ainda como surgiu o Despolariza, o que o inspira no seu dia a dia e como a mudança, está na forma como olhamos para o vizinho do lado.

Gerador (G.) –  Nasceste em Inglaterra, viveste em Moçambique, e costumas viajar muito, inclusive acabaste por criar uma projeto na Índia, o Kolkata Relief. Esse contacto, desde muito cedo, com outras culturas, foi o motor para começares a pensar os assuntos que abordas na tua página?

Tomás Magalhães (T.M.) – Sem dúvida. Costumo dizer que a componente mais rica de uma viagem é a redefinição da palavra normal. Em Inglaterra era normal existirem lollipop ladies, as mulheres que nos ajudavam a atravessar a rua, quando vinhamos a Portugal, de férias, lembrávamo-nos de que era normal os supermercados cheirarem a bacalhau, em Moçambique era normal pedirem-nos todos os dias "peúgas" e ouvirmos com alguma regularidade histórias de pessoas novas a morrer de doenças, ou acidentes. Tive a sorte, ou azar, de isto tudo me ter acontecido antes dos doze anos, e pelos vistos existe uma correlação entre esse tipo de exposição cultural e a criatividade. Na verdade, ninguém sabe como ficou, quem é hoje, mas eu imagino que ter vivido em três países antes da adolescência me pode ter ajudado a ter a mente aberta.

 (G.) –  Falando da tua passagem pela Índia, ainda enquanto voluntário, qual é a tua opinião sobre o voluntariado? É fácil cair no 'voluntourism'?

(T.M.) – Vestindo o meu chapéu de "Altruísta Eficaz", o voluntourism é, pouco mais do que um negócio que mexe com milhões! Por norma, e infelizmente, está mais focado em agradar as expectativas de conteúdo para as redes sociais dos clientes do que focado em impacto real no terreno. Para além disso, custa-me saber que existem pessoas com tanto dinheiro e tão boas intenções que pagam $2000 para ir num avião ensinar um bocadinho de inglês numa escola algures, num país de terceiro mundo. Não por isso ter alguma coisa de errado, simplesmente porque sei, na pele e nos olhos que, com esse dinheiro e essa boa vontade de ajudar, os voluntourists poderiam ter um impacto positivo muito maior no mundo. Não considero o voluntourism um negócio pior do que qualquer outro. Desde que exista transparência, provavelmente é um negócio que faz menos mal ao mundo do que o negócio da empresa que fabricou o ecrã onde estás a ler isto. 

(G.) –   A tua formação é em Física, porque decidiste deixar esse caminho para as artes, filosofia e psicologia? E de que forma a tua formação, ainda assim, consegue, ou não, influenciar este teu caminho?

(T.M.) – Eu e os meus amigos físicos (ler a frase anterior cheia de saliva nos 's' e com um gesto de empurrar os óculos para cima) costumamos dizer que a física é uma doença mental. Eu achei que um dia essa doença iria passar, mas já lá vão 11 anos desde que acabei a minha formação, e continua aqui. Em Física aprendemos uma forma de olhar para o mundo cheia de curiosidade. Ainda na semana passada, estava a arrumar a cozinha e fiquei fascinado com o quão pouco atrito existia no movimento da tampa da panela, em cima do balcão a abanar de um lado para o outro. Fiquei a pensar que, provavelmente, teria que ver com a superfície de contacto ser tão pequena, o material ser pouco rugoso, porque a minha bancada é de aço, e o movimento ter pouca resistência do ar. Deixei a física porque queria ganhar dinheiro e/ou fazer arte. Não era apaixonado pelo dia a dia do laboratório, gosto mais da parte teórica e filosófica. Agora que olho para trás, acho que o que me aconteceu foi que me senti satisfeito com a minha compreensão muito limitada, mas minimamente ampla, da física, o mundo que existe fora das nossas cabeças. Desde então, tenho andado a estudar mais o que acontece dentro das nossas cabeças (a psicologia, a filosofia, as ciências cognitivas). Mais fascinante ainda, é aquela transição onde as forças da física formam uma consciência – uma parte do Universo que consegue saber que existe.

(G.) –   És uma das pessoas ouvidas pelo Presidente da República, no Encontro do Grupo de Reflexão Sobre o Futuro de Portugal (GRFP), e tiveste aulas com o Dalai Lama. Como é que isto tudo aconteceu?

(T.M.) – Foi tudo sorte. Quando estava a viajar na Índia, passei por McLeod Ganj, em português MacGyver Ganza, onde está o Governo Tibetano em exílio. Por acaso, o Dalai Lama não estava numa das suas viagens e disseram-me para ir rápido ao mosteiro porque ele ia dar umas aulas sobre Budismo a cerca de duas mil pessoas. Eu fui a tempo de me inscrever, e ainda tive o privilégio maior de o cumprimentar. Na verdade, foi mais uma palestra do que uma aula, porque só cinco ou seis pessoas puderam fazer perguntas. O Budismo é espetacular, acho que, logo a seguir ao Cristianismo, é a religião que influencia o meu dia a dia. O GRFP também foi sorte. Um dia estava em Calcutá, e uma família sem abrigo pediu-me ajuda. Como imagino que qualquer pessoa faria, ajudei. Depois apercebi-me de que muitas famílias sofriam do mesmo problema então criei uma página de Facebook que, muito naturalmente, ficou o Kolkata Relief. Passado um ano, depois da segunda ida a Calcutá, fui contactado pelo Bernardo Pires de Lima que estava conjuntamente com o Presidente a criar um grupo de "fazedores sem vínculos partidários nascidos depois do 25 de Abril.". Como já tinha um background empreendedor e nessa altura o Kolkata Relief andava a aparecer mais nas notícias, fui um feliz contemplado. É uma honra!

(G.) –  Porque decidiste criar o Despolariza? Podes explicar-nos como funciona o projeto?

(T.M.) – Criei o Despolariza porque, dentro do possível, gosto de passar tempo a fazer coisas que sejam divertidas, que façam bem ao mundo, e nas quais sinta que estou a crescer. O Despolariza dá significado a essas horas da minha vida. O tempo que dedico ao Kolkata Relief também dá significado a essas horas da minha vida. O projeto não tem nenhum modus operandi. É um blog, partilhas de conteúdo, conversas, e tudo o que fizer sentido para a sua missão de trazer mais fraternidade, humildade intelectual, e paz às nossas conversas e às nossas vidas. No outro dia alguém disse que eu era um hippie digital do século XXI. Gostei disso.

(G.) –  Porque é que a polarização acontece? É fruto da Lotaria Genética, da Lotaria Social ou de ambas?

(T.M.) – É um fenómeno genético. Todos nascemos com uma propensão fortíssima para o comportamento tribal. Se nasceres numa família muito polarizada, piora a situação. Acontece, porque o nosso comportamento é fruto de um processo evolutivo em que, durante milhões de anos, existiu uma vantagem competitiva em exibirmos, e sentirmos, união com a nossa tribo. A maior parte das pessoas conhece o Darwinismo individual, mas ele também existe entre grupos/tribos. Em todos os vales onde este animal foi evoluindo, as tribos com maior capacidade para se unir e sacrificar pelos seus ganharam as batalhas aos pensadores livres, e nós descendemos todos dos vencedores. Mas vou fazer um vídeo sobre isso nos próximos tempos. Fiquem atentos!

(G.) –  O Despolariza é uma forma de trazer os jovens para o mundo político? Qual tem sido o feedback?

(T.M.) – Não. É apenas um espaço de aprendizagem e de crescimento pessoal. Se tiver essa influência, fico contente porque gosto de pensar que, se a motivação política de um jovem nascer da minha página, ou da minha escrita, provavelmente, será político com mente aberta.

(G.) –  Quem gostavas ainda de poder entrevistar para 'despolarizar' um tema, e porquê?

(T.M.) – Se isto de criar o Despolariza fosse um jogo de computador, acho que o último nível seria eu conseguir organizar uma conversa entre o André Ventura e o Diogo Faro. No início, estaríamos todos meios tensos. A tensão despertaria o riso, naturalmente nervoso numa primeira fase, mas eventualmente descontraído. Aconteceriam muitos momentos de discórdia, mas cada um deles seria uma bênção, uma pedra preciosa, um verdadeiro exemplo sobre como discordar utilizando a ciência, o amor, e o humor. Eu tentaria moderar o mínimo possível – apenas intervindo quando considerasse rico e informativo para quem nos segue em casa ou quando sentisse que poderia ajudar algum deles a comunicar alguma ideia ao outro. Mais ou menos a três quartos da conversa, teríamos um momento em que nos riamos os três sobre o quão estúpidos todos somos na verdade. Riamo-nos da insignificância de tudo e da preciosidade de cada momento. No final, como se ainda não tivesse sido incrível o suficiente, isto tudo estava a acontecer no dia 10 de Julho de 2016. Sentados no sofá de casa do André, com uma coelha Acácia ainda muito jovem, víamos juntos o Portugal-França. No golo do Éder, o Diogo e o André, banhados em lágrimas, dariam um abraço do tamanho do mundo. Eu, por não caber naquele abraço, festejaria com a Acácia. 

(G.) –   Há alguém, ou algum livro que te inspire a abordar certos temas, ou são as situações do teu dia a dia?

(T.M.) – Diria que são mais as situações do dia a dia e as coisas que a vida nos vai atirando. Em relação a livros recomendados, estão todos em despolariza.pt, na página "Quem Escreve Este Mambo". Lá também refiro vários cursos online grátis que mudaram a minha forma de ver o mundo, tal como o Justice do Michael Sandel e o Buddhism and Modern Psychology, do Robert Wright. 

(G.) – O que aconselhas aos jovens para que estejam sempre informados sobre os dois lados de um assunto? Há algum livro, alguém, ou algum meio que tenhas como referência?

(T.M.) - Do nosso lado sabemos sempre tudo. Somos especialistas em gozar com os "outros". Uma parte da solução é seguirem mais desses "outros". Virem a cabeça com curiosidade, como um cão confuso, e tentem perceber porque é que a lotaria genética, lotaria social, e o quadro da vida deles resultou naquilo. Ninguém acha que é o Scar. Na privacidade da nossa psique, somos todos o Simba e o Mufasa. Não temos mérito absolutamente nenhum em termos nascido com os genes e família onde nascemos. Talvez fossemos exatamente iguais nas circunstâncias específicas dos "outros". Depois disso, procurem as pessoas que defendem as mesmas ideias do que os "outros", que sejam intelectualmente honestos e humildes e que saibam atacar as ideias que normalmente defendem. As nossas opiniões são apenas tão fortes quanto a nossa capacidade de argumentar contra elas.

Entrevista por Patrícia Nogueira
Fotografia cedida por Tiago Magalhães

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