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Trabalho não remunerado disfarçado de viagens grátis

Nas Gargantas Soltas de hoje, Margarida Freitas fala-nos da necessidade de a Comissão Europeia repensar o modelo de remuneração do trabalho jovem. "Para além de agirmos no nosso interesse e termos uma oportunidade interessante e impactante, quando nos candidatamos a estes painéis consultivos também pensamos que não existem fundos, no entanto, estes tendem a ser alocados para transportes e alojamentos excessivamente caros, quando poderiam ser utilizados para remunerar também as pessoas jovens pelo seu trabalho e não apenas os profissionais."

©Rita Almeida

Na Youth Cluster temos vindo a promover vários intercâmbios, formações, concursos, eventos, projectos de voluntariado, estágios, entre muitos outras oportunidades para pessoas jovens. De forma a garantir acessibilidade promovemos apenas projectos financiados, no entanto, a divisão entre oportunidades financiadas e promoção de trabalho não remunerado apresenta-se ténue quando exploramos esta questão a fundo.

Por um lado, os projectos dentro do programa Erasmus+ são efectivamente uma oportunidade para adquirir novos conhecimentos e experiência, enquanto todos os custos de viagem, alimentação e alojamento são financiados pelo mesmo programa. Mas, por outro lado, junto destas instituições financiadoras da União Europeia existe, frequentemente, uma falta de remuneração pelo trabalho feito por pessoas jovens para as mesmas instituições. Desta vez, não falamos de estágios não remunerados, mas sim de uma forma mais subtil que explora o nosso trabalho e que está tendencialmente disfarçada de viagens grátis que nos permitem desenvolver competências e onde, em teoria, temos o espaço para fazer ouvir a nossa voz.

Para os diferentes projectos da União Europeia que envolvem jovens ou que têm as pessoas jovens como o seu público-alvo principal, tendem a existir painéis consultivos constituídos por técnicos da juventude, representantes de associações e também algumas pessoas jovens que são convidadas a integrar estes grupos para partilhar a sua opinião, experiência e oferecer recomendações para aqueles que são os interesses e preocupações da juventude. Pegando em exemplos, para o Youthpass, para o European Solidarity Corps General Online Training e para European Youth Event existem estes grupos consultivos e, na sua maioria, o trabalho de consultoria realizado por jovens é apenas remunerado em forma de viagens grátis, enquanto o mesmo trabalho quando desempenhado por profissionais já é remunerado justamente.

Podemos argumentar que, apesar de não ser remunerado também não gera custos para os participantes e que ao integrar estes grupos recebemos efectivamente tudo aquilo que nos foi prometido. No entanto, esta realidade não deixa de ser uma falha sistemática que continua a excluir pessoas com menos oportunidades para as quais ter a sua subsistência base garantida apenas durante alguns dias de viagem não é suficiente. Esta é também uma realidade que continua a desvalorizar aquelas que são as opiniões e o trabalho feito por jovens, uma vez que oferecer esta consultoria para o nosso benefício e benefício de outras pessoas jovens como nós é considerado suficiente para não receber uma remuneração.

Para além de agirmos no nosso interesse e termos uma oportunidade interessante e impactante, quando nos candidatamos a estes painéis consultivos também pensamos que não existem fundos, no entanto, estes tendem a ser alocados para transportes e alojamentos excessivamente caros, quando poderiam ser utilizados para remunerar também as pessoas jovens pelo seu trabalho e não apenas os profissionais.

Enquanto pessoa jovem comecei por integrar estes grupos de forma não remunerada e sempre o fiz, porque acreditava ser uma experiência valiosa e com impacto para o meu percurso pessoal e profissional. Actualmente, ao compreender que existem fundos, que o trabalho e recomendações das pessoas jovens é igualmente importante ao trabalho dos profissionais, que este modelo não remunerado exclui jovens e que participar em várias oportunidades não remuneradas que consomem tempo, se torna insustentável a longo prazo, acredito que esta realidade tem que mudar.

Finalmente, pegando num último exemplo mais extremo, destaco ainda o Roadtrip Project, um projecto da Comissão Europeia que selecionou alguns jovens Europeus para viajar por rotas pré-definidas durante as quais se encontraram com pessoas locais e exploraram projectos e actividades financiados pela União Europeia. Durante a roadtrip partilharam as suas experiências através de vídeos, fotografias e publicações nas redes sociais com o objectivo de desencadear uma conversa à escala europeia entre os seus pares. O problema era o facto deste projecto prometer aos jovens ter todos os custos cobertos e ainda o espaço para fazer a divulgação do mesmo, no entanto o projecto assemelhou-se a um reality show no qual as pessoas selecionadas eram apenas apresentadores de todo um projecto definido, editado e publicado por uma equipa contratada pela Comissão Europeia.

Esta é uma crítica a esta realidade que se perpetua, mas não deixa de ser um reconhecimento de que, enquanto jovens, é difícil fazer a distinção entre lutar pelo nosso interesse e reconhecer que o trabalho que, por vezes, fazemos deve ser remunerado de forma justa e devemos recusar se não o for. Por parte das instituições também existe a crença de que integrar um grupo de profissionais, desenvolver competências e ter todos os custos cobertos é justo para as pessoas jovens, uma vez que, se não considerarmos a importância do envolvimento de jovens de todos os contextos, até o é.

-Sobre a Margarida Freitas-

Licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais, queria mudar o mundo pela diplomacia, mas depressa percebeu que o seu caminho era junto das pessoas a fazer voluntariado nos mais variados contextos, logo adoptou o lema do ano sabático para a sua vida e já andou um bocadinho pelo mundo. Com um desejo de trabalhar em intervenção humanitária, mas com um grande cepticismo sobre as práticas das grandes organizações no Sul Global está a concluir o Mestrado em Estudos de Desenvolvimento no ISCTE. 
Em 2020, juntou 9 amigos e fundou a Associação Youth Cluster com o objetivo de dar as mesmas oportunidades que já teve a outras pessoas jovens residentes em Portugal. Através do seu trabalho na Youth Cluster e, em cooperação com outras organizações, tem reivindicado por igualdade de oportunidades e melhores políticas para a juventude. 
Nos tempos livres adora googlar sobre coisas improváveis.

Texto de Margarida Freitas
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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