fbpx
Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Um breve desabafo sobre a arte de praticar o desapego

Saí de casa da minha mãe para alugar um quarto a dois quarteirões dali, do…

Opinião de Catarina Maia

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Saí de casa da minha mãe para alugar um quarto a dois quarteirões dali, do lugar onde cresci. Queria ficar por pouco tempo para eventualmente agarrar novas oportunidades (lá fora, cá dentro, quem sabe?) mas, curiosamente, as minhas decisões acabaram sempre por me empurrar noutro sentido. Enquanto colegas de casa iam e vinham, acabei por ficar naquela casa cinco anos, coleccionando tantas memórias quanto possível que se materializavam em detalhes pitorescos pela casa fora. Fui tendo crescente dificuldade em separar a paixão pela ecologia e pela sustentabilidade com a tendência para acumular – poderá ser uma herança de família, mas é também uma forma de lidar com o medo de perder.

Penso muito em praticar o desapego. Alimentei tanto o medo de me apegar, que acabei por fazê-lo com demasiada intensidade nas coisas que não importam. Os meus armários, móveis e despensa estavam entupidos de tralhas e mais tralhas e eu sentia-me bem com ela ali, porque deitá-la fora era um exercício desconfortável, doloroso.

Tendo muitos problemas estruturais típicos de uma casa antiga de Lisboa, a casa começou a tornar-se decrépita a um ponto muito pouco saudável e foi-me difícil reconhecê-lo. Racionalmente, sabia que tinha de sair dali, mas passeava-me pelos anúncios de casas para arrendar e nunca nada era ideal para mim, ou nunca nada me parecia acessível. Quanto mais queria sair dali, mais me custava imaginar-me noutro lado qualquer. Parecia que estava fisicamente grudada àquele ambiente para sempre.

Quis o destino que o momento de mudança chegasse repentinamente no início deste ano: uma decisão tomada com o coração, com paixão, com vontade, e sem olhar para trás. Uma lufada de ar fresco, no fundo. No entretanto, fui empurrando com a barriga a necessidade de me desfazer de memórias que se tornaram em caixas e caixas e caixas de coisas que “poderão um dia dar jeito”, ou coisas que marcaram um determinado momento.

Agora já estou na nova casa, agora já agarrei várias mudanças que a vida me apresentou, mas também há que deixar ir o que já não é e essa é a parte que me está a atingir como uma bomba. Está a ser um processo no mínimo interessante. Parece que nunca ninguém no mundo teve de lidar com estas questões e que não sou muito boa a “adultar”. Estou baralhada entre o que fica e o que vai, porque tudo o que está naquelas caixas sou eu e eu preciso de mim, de outro modo não sei quem sou.

Já se passaram algumas semanas desde que dormi pela primeira vez nesta bela e acolhedora casa. As caixas continuam ali, na sala, observando-me, como quem me julga pela minha incapacidade de agir. Crio ansiedade e penso que, no meio deste caos de confinamento, receios, perdas, saudades e dúvidas, todos lidamos com alguns fantasmas, que o desapego é necessário e que há problemas maiores na vida.

*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico

-Sobre Catarina Maia-

Catarina Maia estudou Comunicação. Em 2017, descobriu que as dores menstruais que sempre tinha sentido se deviam a uma doença crónica chamada endometriose, que afecta 1 em cada 10 pessoas que nascem com vulva. Criou O Meu Útero e desenvolve desde então um trabalho de activismo e feminismo nas redes sociais para prestar apoio a quem, como ela, sofre de sintomas da doença. “Dores menstruais não são normais” é o seu mote e continua a consciencializar a população portuguesa para este problema de saúde pública.

Texto de Catarina Maia
Fotografia de Pedro Lopes

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

25 Abril 2024

Liberdade, com L maduro!

23 Abril 2024

O triângulo da pobreza informativa na União Europeia. Como derrubar este muro que nos separa?

23 Abril 2024

Levamos a vida demasiado a sério

18 Abril 2024

Bitaites da Resistência: A Palestina vai libertar-nos a nós

16 Abril 2024

Gira o disco e toca o mesmo?

16 Abril 2024

A comunidade contra o totalitarismo

11 Abril 2024

Objeção de Consciência

9 Abril 2024

Estado da (des)União

9 Abril 2024

Alucinações sobre flores meio ano depois

4 Abril 2024

Preliminares: É possível ser-se feliz depois de um abuso?

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Produção de Eventos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Práticas de Escrita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Narrativas animadas – iniciação à animação de personagens [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Pensamento Crítico [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online ou presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

O Parlamento Europeu: funções, composição e desafios [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Comunicação Digital: da estratégia à execução [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Soluções Criativas para Gestão de Organizações e Projetos [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online e presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação à Língua Gestual Portuguesa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

22 ABRIL 2024

A Madrinha: a correspondente que “marchou” na retaguarda da guerra

Ao longo de 15 anos, a troca de cartas integrava uma estratégia muito clara: legitimar a guerra. Mais conhecidas por madrinhas, alimentaram um programa oficioso, que partiu de um conceito apropriado pelo Estado Novo: mulheres a integrar o esforço nacional ao se corresponderem com militares na frente de combate.

1 ABRIL 2024

Abuso de poder no ensino superior em Portugal

As práticas de assédio moral e sexual são uma realidade conhecida dos estudantes, investigadores, docentes e quadros técnicos do ensino superior. Nos próximos meses lançamos a investigação Abuso de Poder no Ensino Superior, um trabalho jornalístico onde procuramos compreender as múltiplas dimensões de um problema estrutural.

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0