A noção de realismo acompanha o pensamento do ser humano desde há vários séculos. O que entendemos por realismo (o que é real, o que importa), tem sido amplamente discutido, tendo sido no final do século XIX uma discussão que originou um movimento transversal a todas as artes. Este movimento, que está na base da criação das vanguardas do século XX, tratava-se não de retratar a realidade de uma forma figurativa, mas sim de tornar visível uma série de elementos, formas e símbolos rejeitados pela sociedade. Assim, este realismo não era, como muitos podem pensar, um realismo óptico, mas sim um realismo político.
Nesta crónica não é sobre esta definição de realismo que pretendo reflectir, mas sobre uma outra, mais recente, que no meu entender adiciona a esta primeira uma camada.
Recentemente na filosofia, surgiu um novo movimento que muda o paradigma daquilo que temos entendido como “realismo”. Chama-se “realismo especulativo”, e surgiu pela primeira vez em 2007, numa conferencia na Universidade Goldsmiths, em Londres. Este movimento, nomeado pelo filósofo britânico Ray Brassier, tem como ponto de partida o momento geológico em que vivemos, e o impacto das actividades humanas no nosso planeta, e, consequentemente, a centralidade que se tem dado à pessoa humana no nosso ecossistema. A este novo momento geológico dá-se o nome de antropoceno, que tal como o nome indica, significa a era em as acções dos seres humanos são o factor geológico mais determinante para o planeta terra.
Esta nova corrente filosófica critica o antropocentrismo, e defende a existência de uma realidade independente do ser humano, colocando no mesmo nível objectos, plantas, minerais e seres humanos.
Ao rejeitar a ideia de que o sentido do mundo depende da perspectiva do sujeito (seres humanos) perante todos os outros seres, este movimento apresenta como um possível caminho alargarmos a nossa esfera política e incluir a esfera dos animais, das plantas e até mesmo dos seres não vivos, como os minerais.
O que nos tenta explicar este movimento, é que, ao entrarmos neste novo período geológico, entramos também numa nova realidade. Numa realidade sobre a qual devemos especular (observar atentamente) para tentar compreendê-la, porque não a dominamos.
Com a chegada desta crise pandémica, a compreensão de todo este vocabulário acelera, porque a necessidade de assumir esta nova realidade bate-nos à porta. Como poderíamos equacionar as nossas decisões neste momento se não incluíssemos na nossa esfera política a dinâmica autónoma deste vírus?
No artigo “Imaginar os gestos-barreira contra o retorno à produção pré-crise”, Bruno Latour vê nesta crise pandémica a nossa oportunidade de lutar, para que, uma vez terminada esta crise, o retorno da economia não traga de novo o velho regime climático que temos tentado combater, até aqui em vão.
O convite que nos faz este “novo realismo”, que se instala agora de forma abrupta nas nossas vidas, é para mudar os nossos hábitos perante a crise climática, invocando o que até então tem sido invisível e não digno de penetrar a nossa realidade.
*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico
-Sobre a Isabel Costa-
Trabalha em teatro, cinema, na área de produção de exposições e curadoria. É diplomada em teatro pela Escola Superior de Teatro e Cinema, tendo completado a sua formação na Universidade de Warwick (Inglaterra) e na UNIRIO (Brasil). É membro do grupo de teatro Os Possessos desde 2014. Na área de produção de exposições passou pelo Paço Imperial no Rio de Janeiro (Brasil), pela Galeria Luis Serpa Projectos (Lisboa) e pela galeria Primner. Em 2016 terminou o mestrado Eramus Mundus Crossways in Cultural Narratives, tendo passado pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas na Universidade Nova de Lisboa, pela Universidade de Perpignan (França) e pela Universidade de Guelph (Canadá). Dedicou-se ao tema do arquivo na performance arte. Em 2017, iniciou a criação de projectos a solo. Apresenta a criação “Estufa-Fria-A Caminho de uma Nova Esfera de Relações” na Bienal de Jovens Criadores, e a primeira edição do Projeto Manifesta, um projecto produzido por Os Possessos. Em 2019, apresenta as criações “Maratona de Manifestos” e “Salão Para o Século XXI.”