Somos feitos de soma e de multiplicação, mas às vezes dividimos demais, subtraindo amor-próprio.
Cresci a ser mediana a matemática. Não porque não entendesse a lógica, mas porque sempre me chateou já existirem as respostas todas. Não haver margem para o erro, para a possibilidade, revoltava-me um bocadinho.
Não adoro o óbvio, não me interesso muito pelo evidente e percebi cedo que, na vida, pouca coisa se pode resolver com regras de três simples.
Não me levem a mal. Escrevo com a mão esquerda, sou hemisfério direito.
Somos só 10% da população mundial, nós, canhotos - tidos como seres enigmáticos da sociedade, oprimidos desde cedo por professoras primárias, familiares sem noção e voyeurs aleatórios.
A verdade é que desde minúscula que funciono pela predominância do lado esquerdo do meu corpo. Chutei uma bola com o pé esquerdo quando ainda mal sabia andar. Tenho a clavícula esquerda mais saliente do que a direita, porque comecei desde cedo a escrever muito e depressa - num complexo e acelerado processo fisiológico que o lado direito do meu corpo não conseguiu acompanhar.
De forma poética, hoje acho que devia ser muita a força que me saía do peito - até porque aprender a escrever foi das coisas mais bonitas que me aconteceu.
Sou produto do meu cérebro emocional.
Sou movimento, sentimento e sensação. Sou saudade, sou futuro, sou intuição. E por tudo isso, procurei, durante as minhas três décadas, isso mesmo nos outros. Procuro nos outros o que dou. Sem perceber que a maior ilusão é precisamente essa: a matemática está para tudo, menos para as pessoas. O que seria lógico - uma simples conta de somar, não o é.
Se o universo é perfeito, não deveria a reciprocidade ser a base lógica dos nossos comportamentos?
O existencialismo sempre me agradou, por isso estudei filosofia.
Quis o destino que eu aprendesse uma das mais preciosas lições: que aquilo que procuramos nos outros, está sempre em nós. Hoje, sei que preciso de lançar novos dados e fazer novas contas para perceber que, ao contrário do que nos diz a matemática, a vida muda - e as pessoas, felizmente, também. A intuição desafia a lógica. A vontade, persistência e, principalmente, o amor-próprio, também.
A conclusão é reveladora: o que a matemática me ensinou é que talvez possamos ser apenas números primos - divisíveis senão por nós mesmos. Tal como nós, canhotos, também eles, os números primos, existem por serem raros e consideráveis, nem que seja para desafiar toda a lógica que um dia não aconteceu.
Somamos experiência, multiplicamos emoções - e esperamos que um dia, a lei do universo nos faça apenas perceber que a nossa melhor reciprocidade é apenas amor, nas suas tantas-fluídas-complexas-irracionais formas.
Há coisas que permanecerão evidentes: continuarei a ser mediana a matemática (ou cada vez pior) e continuarei a ser uma canhota orgulhosa, com uma clavícula deformada. E também há coisas que serão sempre incalculáveis.
A lição final passará pela consciência serena da aceitação, pois sei que serei sempre, mais do que razão - inteligência emocional.
-Sobre Vanessa Augusto-
Jornalista, mestre em Ciências da Comunicação (Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias) e agente cultural - desde o início do seu percurso ligada a projetos que envolvam música, cultura e novos artistas nos vários formatos media (rádio, televisão e imprensa).
É autora do podcast FEMINA (@femina_podcast/ www.femina.pt) – um projeto independente de empoderamento feminino, no qual convida mulheres artistas para conversas intimistas e onde procura conhecer as suas conquistas, vulnerabilidades e ferramentas de sucesso enquanto mulheres e criadoras.
É ainda formadora, produtora de podcasts, autora da rubrica “FEMINA: Mulheres Autênticas” na Rádio SBSR.fm e cronista feminista em várias publicações digitais. No seu trabalho, procura estar ligada à comunidade artística e a projetos culturais que se distingam pela representatividade, igualdade de género, saúde mental e comunicação em comunidade.