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Uma cultura suburbana

Nas Gargantas Soltas de hoje, Odair Alvarenga fala-nos sobre a identidade cultural que jovens provenientes dos subúrbios carregam consigo.

Opinião de Odair Alvarenga | Youth Cluster

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“Subúrbios, onde a realidade é sinistra e não dá abébias.” É desta forma que o rapper Valete começa a sua música “Subúrbios”. Acredito que as palavras utilizadas pelo rapper criado na Damaia são partilhadas por muitos outros filhos dos subúrbios. Esta música de Valete vai à raiz do que era em 2006 e, ainda o é, em 2023, a realidade de muitas pessoas daí provenientes.

Os subúrbios são áreas residenciais em redor de grandes cidades. Acho interessante a diferença na conotação dada a este termo em diferentes países. Nos EUA, quando se fala em “suburbs”, relaciona-se diretamente a pessoas com maiores recursos económicos e lugares com melhores infraestruturas. Já na realidade portuguesa, os subúrbios para muitos é o lugar de residência dos que têm menos recursos. No entanto, os subúrbios são tudo isto, todas as pessoas e todos os lugares.

Este conceito é inundado com conotações negativas e discriminantes de pessoas do exterior que reduzem estes lugares aos problemas que Valete descreve na sua música. Não é mentira que nos subúrbios o sol levanta-se mais cedo e a lua deita-se mais tarde, que as pessoas trabalham duas vezes mais e ganham duas vezes menos, tal como retrata Valete. É onde o nosso vizinho luta contra o vício e onde as mães sozinhas vêem os filhos perderem-se no mundo da criminalidade. Podem sim ser lugares onde a população se sente insegura com a presença da polícia. Mas será justo reduzir os subúrbios a estes fatores?

É importante abordar a parte das problemáticas, mas o que quero dizer é que falar dos subúrbios não significa necessariamente falar de problemas. Ao mesmo tempo existe um enorme sentimento de pertença, muito positivo, a esta comunidade que é construída através de uma mistura de identidades culturais.

Esta mistura vem criando uma outra cultura entre os jovens provenientes dos subúrbios como algo próprio, único e independente da grande cidade e mesmo de outras áreas suburbanas. Vir da linha de Sintra não é o mesmo que vir de Lisboa, de Cascais ou mesmo de Sintra. A linha de Sintra não existe no mapa, não é uma vila, nem uma cidade. É, de certa forma, criada a partir do sentimento de pertença a uma comunidade. Já todos ouvimos “Sou da LS” ou “Venho da Margem”. Este forte sentimento de pertença fez estender o conceito da linha ferroviária que liga Sintra a Lisboa. Todas estas áreas suburbanas ao redor da ferrovia representam assim uma comunidade suburbana para estes jovens que partilham um forte sentimento de pertença.

Penso que há uma ideia de identidade cultural suburbana em construção, fruto da multiculturalidade e do sentido de comunidade. Aqui as pessoas percebem-se e identificam-se umas com as outras mesmo sendo de origens diferentes. Os jovens acabam por “petiscar” nas diferentes culturas, o que se reflete no seu quotidiano com a integração de expressões como “eh modi”, “mambo”, “xe”, entre outras. Ouvir “Cuidado, polícia!” pode ser algo estranho para alguém do exterior que participe num jogo de futebol numa das vilas da Linha de Sintra ou de outros subúrbio, no entanto, é simplesmente uma expressão para advertir um colega de equipa que o adversário está próximo. São só alguns exemplos de “expressões suburbanas” que têm uma relação direta com os fenómenos socioculturais aí existentes.

Há assim uma comunidade suburbana com uma forte identidade e que os jovens fazem questão em mostrá-lo. O tradicional comboio vermelho e cinzento da “LS” é um verdadeiro símbolo desta zona. Penso que os filhos da Linha de Sintra se identificam com a imagem do comboio, presente em muitas obras do artista Sepher Awk. É possível sentir a cultura suburbana nas músicas de artistas como Julinho KSD, os pioneiros Força Suprema, Plutónio entre outros. No desporto e na internet existem também personalidades que fazem alusões aos seus subúrbios, para não falar da utilização do código postal como um grito de afirmação “eu venho daqui!” Enfim, a expressão deste sentido de comunidade é feita de diversas formas, sejam artísticas, como referidas anteriormente, como de empoderamento, através do trabalho de associações como o projeto Orienta-te ou Pendão em movimento.

Em suma, o jovem proveniente dos subúrbios do nosso país carrega em si uma rica cultura suburbana, pura e única e onde o sentido de comunidade se faz sentir não só pela relação com os seus pares mas também pela gana de deixar outras pessoas saberem de onde vêm.

-Sobre a Odair Alvarenga-

Odair Alvarenga tem 23 anos e vive em Rio de Mouro. Após a sua licenciatura em Serviço Social no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa partiu para Bordéus no sudoeste de França para embarcar numa aventura de um ano com o Corpo Europeu de Solidariedade. Para si nada se compara a uma caminhada a ouvir Hip Hop dos anos 90 ou uma boa noite de inverno a ver Masterchef no sofá. Incerto quanto ao seu futuro, mas determinado a procurar o melhor caminho para si.

Texto de Odair Alvarenga
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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