Será possível haver uma mudança de estratégia na governamentação global porque homens e mulheres estão cansados de viver num mundo que se desumanizou ao longo do tempo?
É fácil perceber que a resposta é não. E isto nada tem que vem com “ser optimista ou pessimista”, está totalmente out of topic essa resposta e peço desculpa por isso.
Ouvia o Professor Eduardo Carqueja - que entrevistei há dias - a falar sobre bioética e dizer que o factor felicidade na nossa sociedade ainda não é medido nem tido em consideração. E que com a desculpa do “desenvolvimento” e da “necessidade de velocidade em tudo” nas nossas vidas, o que se desenvolveu de facto foram as condições de aprisionamento e a prepotência das grandes indústrias.
O que sabemos é que procuramos os artigos mais baratos sem nunca questionar o origem – e como, já agora, foram pagas as pessoas que os produziram, muitas vezes crianças e jovens vítimas do trabalho escravo que permite a indústria garantir o preço baixo. Sabemos também que os dias se medem pelas horas de trabalho e que há vergonha em mencionar o tempo de se usou no lazer (a não ser que seja para tirar fotografias vazias que preencham o vazio do Instagram). Mais sabemos que a redefinição do trabalho e do sistema de ensino, ambos obsoletos, está longe de vir a acontecer.
Portanto, sabemos que vamos voltar ao mesmo enquanto somos afogados pela repetição de causa/efeito da necessária e urgente retoma (económica, claro, qual mais seria?).
Esta pandemia foi um alerta para quem soube ouvir e andava distraído.
Um alerta que trouxe um pedido de respostas e exigiu novos comportamentos à Humanidade, sobretudo a que habita países consumistas ditos civilizados, escravos sem tempo e sem noção.
Pediu que voltássemos, mas só quando estivéssemos preparados para instaurar uma economia humanizada. Não vai acontecer.
Pediu respeito pelo Planeta, pediu mais calma, pediu para olharmos uns pelos outros e começarmos finalmente uma nova Era de Empatia (somos em teoria o único animal capaz de tal e não a praticamos por norma). Não vai acontecer.
Pediu que redefinissemos o tempo, as prioridades.
Implorou para que conseguissemos
manter o que começámos a ter graças à pandemia: um ar menos poluído para onde
regressaram os pássaros, águas mais limpas onde várias espécies voltaram a ser
vistas e estão a agradecer.
Não vai acontecer.
Depois existe quem veja estes alertas como utópicos enquanto assobia para o lado (na certeza que a sua condição arrogante criou) ou ainda aqueles a quem esta vida tirou a humanidade porque as contas para pagar e pôr comida na mesa são único motivo de sobrevivência.
E é isto: não se vive, sobrevive-se. Na corrida entre autocarros, no preparar as marmitas para o dia seguinte, dormir a correr para voltar para o trânsito e depois para o trabalho e depois para casa e depois acudir em jeito de descargo de consciência à criança que tem um dúvida no TPC, que é para amanhã e tem pressa mas não quer fazer. E corre, corre, corre.
Como parar para pensar? E para quê? Afinal, é preciso pagar contas aos que, de facto, mandam este mundo. Aos que têm o poder para cortar a água, a electricidade, as comunicações. Vivemos e trabalhamos todos para sustentar estas economias globais e globalizantes.
E como não há tempo nem paciência, não se pensa. E mesmo quando tal acontece, noventa por cento encolhe os ombros com o habitual “não posso fazer nada”, portanto, siga!
Já pensaram quantos de nós opinam cheios de certezas absolutas (!) e que nunca ouvem as perguntas? Vivemos na sociedade “dedo no gatilho”, e nela vamos continuar, cedendo à pressão que nos é imposta pela Economia do Poder e dinheiro feitos deuses a que se é obrigado a prestar vassalagem para sobreviver.
E a alienação da sociedade é tanta e já vem de tão longe (muito em breve novamente alimentada por jogos e programas de futebol em dose massiva que são uma enorme chave de e para o sucesso da alienação colectiva) que nos temos de questionar: quantas mais Pandemias são precisas para despertar deste torpor e agir para a mudança que vai ter que acontecer?
Queiram... ou não.
*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico
-Sobre Ana Pinto Coelho-
É a directora e curadora do Festival Mental – Cinema, Artes e Informação, também conselheira e terapeuta em dependências químicas e comportamentais com diploma da Universidade de Oxford nessa área. Anteriormente, a sua vida foi dedicada à comunicação, assessoria de imprensa, e criação de vários projectos na área cultural e empresarial. Começou a trabalhar muito cedo enquanto estudava ao mesmo tempo, licenciou-se em Marketing e Publicidade no IADE após deixar o curso de Direito que frequentou durante dois anos. Foi autora e coordenadora de uma série infanto-juvenil para televisão. É editora de livros e pesquisadora. Aposta em ajudar os seus pacientes e famílias num consultório em Lisboa, local a que chama Safe Place.