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Vítor Ilharco: “Recebemos cerca de cem chamadas diárias de pedidos de ajuda de reclusos, familiares ou instituições”

A Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR) celebra uma década de existência desde a sua reabertura, em 2012, após um período de cerca de dez anos de inatividade. Em entrevista ao Gerador, o fundador e secretário-geral da organização, Vítor Ilharco, fala-nos acerca do sistema prisional português e sobre o trabalho desenvolvido pela APAR.

Texto de Débora Cruz

Fotografia cortesia de Vítor Ilharco

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A APAR define-se como uma organização sem fins lucrativos que tem como principais missões o “apoio de todos os reclusos detidos em cadeias portuguesas e de todos os cidadãos portugueses recluídos em prisões estrangeiras”, lê-se no site. No final da década de 1990, a organização interrompeu as suas atividades porque Vítor Ilharco, secretário-geral e sócio número um da APAR, saiu do país, e Garcia Pereira, antigo presidente da direção, começou a desempenhar funções como presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados.

Em 2012, a associação retomou as suas atividades com novos dirigentes, novos estatutos e numa nova sede, na freguesia de Alvorninha, nas Caldas da Rainha. Cerca de 90 % dos associados são pessoas que estão reclusas, que estão impedidas pela organização de pagar quaisquer quotas ou de fazer contribuições. Algumas das despesas da associação são suportadas por outros associados, que contribuem com cerca de dois euros por mês.

Vítor Ilharco é funcionário de uma empresa de assessoria, na Guiné-Bissau, e salienta que todos os colaboradores da associação são voluntários. Em entrevista ao Gerador, o secretário-geral partilha como surgiu o seu interesse pelo sistema prisional, a sua perspetiva sobre a ressocialização das pessoas que estão ou já estiveram reclusas e alguns dos problemas que, ao longo dos anos, têm afetado a vida nas prisões portuguesas.

Gerador (G.) Desempenha, atualmente, funções como assessor, foi jornalista durante vários anos, foi diretor de diversos jornais e diretor de informação de uma estação de rádio. Na década de 1990, torna-se fundador e sócio número um da APAR. Como surgiu o interesse pelo sistema prisional português?

Vítor Ilharco (V. I.) — Estive sempre muito ligado à área dos Direitos Humanos. Na Guiné-Bissau, onde trabalho como assessor, sou o primeiro associado não-guineense na Liga Guineense dos Direitos Humanos. Houve sempre uma preocupação com os Direitos Humanos e, na década de 1990, juntamente com o Dr. Garcia Pereira, que foi o nosso primeiro presidente e que agora é presidente honorário, e com mais algumas pessoas, como Cândido Ferreira, médico de Leiria que estava ligado ao Partido Socialista, o Nandin de Carvalho, que foi secretário de Estado do Turismo, do Partido Social-Democrata, o José João Soio, ex-cavaleiro tauromáquico, infelizmente já falecido, criámos a APAR. Foi mais no sentido de denunciar algumas coisas que nos pareciam ilegalidades no tratamento penitenciário. 

O que nos chamou à atenção? Há duas maneiras de encarar o sistema prisional no mundo: o sistema americano, em que as cadeias servem para punir, e depois há outra maneira de analisar, mais europeia e mais ligada aos Direitos Humanos, que considera que a cadeia deve servir para reabilitar e punir, nesta ordem. Portanto, este pensamento é mais necessário para países que não têm prisão perpétua nem pena de morte, porque por mais hediondo que tenha sido o crime cometido, o recluso acaba por sair e sairá melhor, igual ou pior, conforme o tratamento que tiver na cadeia. Se um indivíduo estiver preso por homicídio e ficar 20 anos ou 15 a ser maltratado e depois o puserem em liberdade, ele sai pior do que quando entrou. Se, pelo contrário, desde o primeiro dia, tiver apoio dos psicólogos e psiquiatras que lhe explicam que o caminho que estava a seguir não é o mais correto, poderá sair em condições de ser reintegrado na sociedade. Nós [APAR] somos mais por esta segunda via. Como disse um padre brasileiro, quando lhe perguntaram se para estes crimes hediondos a pena de morte se justificaria, ele disse que sim: deve matar-se o criminoso, salvando o homem. 

Então, lá criámos a associação e não podemos fechar porque as coisas não só não mudam, como se estão a agravar em muitas circunstâncias, e há muitas pessoas a recorrer a nós. Recebemos cerca de cem chamadas diárias de pedidos de ajuda, quer dos reclusos, quer dos familiares e, às vezes, até de instituições. A pouco e pouco, fomos ganhando a confiança dos órgãos da Justiça e da própria Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP).

G. — Menciona que, em muitos aspetos, o sistema prisional português tem vindo a piorar. Que tipo de situações destaca? 

V. I. — Em relação à DGRSP, até há quatro ou cinco anos, nós tínhamos muita dificuldade em lidar com a direção. Os diretores-gerais eram muito avessos a falar com a APAR, consideravam-nos inimigos. Aliás, havia até um diretor que dizia que a APAR era o sindicato do crime. Depois, o penúltimo diretor, o Dr. Rómulo Mateus, fez uma mudança radical na Direção-Geral. Tínhamos obviamente conflitos com ele, não que estejamos em campos opostos, mas temos visões diferentes em muitas coisas sobre o tratamento prisional, mas temos de reconhecer que o Dr. Mateus abriu uma quantidade de janelas na Direção-Geral que permitiram que a APAR ganhasse alguma força e os ajudasse. 

G. — Em entrevista ao Gerador, o presidente do Sindicato dos Técnicos de Reinserção da DGRSP, Miguel Gonçalves, explicou que o Dr. Rómulo Mateus não era um diretor muito comunicativo e que nem sempre atendia aos pedidos dos técnicos de reinserção de forma atempada…

V. I. — É algo que não sei. No relacionamento dele com os técnicos, até é possível que seja verdade, estou apenas a falar do relacionamento dele connosco. [Sobre] as queixas que os técnicos possam ter e que provavelmente terão, e o modo como o diretor geral reage, não podemos falar porque não sabemos quem tem razão, nem temos de saber o que se passa. O Dr. Gonçalves pode ter toda a razão do mundo.

G. — Que tipo de dificuldades sentiam na comunicação com a DGRSP?

V. I. — Nós tínhamos uma enorme dificuldade em falar com os diretores. A única maneira que tínhamos de fazer com que eles se mexessem era enviar tudo o que tínhamos de errado nas cadeias para a comunicação social. Como era divulgado, eles tinham de agir e diziam que partilhávamos só para denegrir a Direção-Geral. Dizíamos que não era para isso, mas se só nos ouviam através da comunicação social, não queriam falar connosco… Com o Dr. Mateus, as coisas mudaram completamente, porque fizemos um acordo com ele. Foi o primeiro a receber-nos e, nesse dia, chegámos a um entendimento: todas as informações que considerávamos erradas dentro da Direção-Geral, nós informaríamos o diretor. Se não houvesse uma reação, enviaríamos para a comunicação social. Nós mandávamos-lhe uma média de 120 ou 130 mensagens por ano. Ele sempre atendeu às nossas informações, mandava-nos resposta e contactava com os diretores das cadeias. 

Muitas vezes, temos de reconhecer, as queixas dos reclusos não estavam corretas e a Direção-Geral corrigia, mas noutros casos estavam [corretas] e ele emendava, as coisas iam deixando de ir para a comunicação social porque os problemas eram resolvidos. Percebeu-se que era mais útil falarmos uns com os outros e resolver os problemas por esta via do que estar a criar conflitos mais graves. Até porque quando se contactava com a comunicação social, os reclusos acabavam por sofrer represálias também. Acabava-se por resolver um problema, mas criavam-se mais dois ou três: deixavam de ter trabalho ou impediam-nos [reclusos] de estudar, receber visitas, conseguir liberdade condicional ou saídas precárias. Com este novo diretor, as coisas podem continuar a evoluir porque é o primeiro que não é magistrado, não está diretamente ligado à Justiça. Já escreveu diversas vezes sobre as cadeias e sempre num tom crítico. Penso que a manter essa coerência, será mais fácil de falar.

G. — Os reclusos sofrem consequências por denunciarem determinadas situações?

V. I. — Por vezes, são aplicados castigos que estão interditos por lei. Existem castigos que estão previstos legalmente, como o castigo em celas solitárias, mas às vezes os castigos vão além disso. Excedem-se os dias permitidos, [os reclusos] são proibidos ou substituídos nos trabalhos. Não acredito que seja a Direção-Geral que o faça, nós queixamo-nos das cadeias e dos castigos aplicados que não constam na lei. Como não há trabalho para todos, por vezes substituem os reclusos que fizeram denúncias por outros presos com outra justificação, como a de que não se enquadram no trabalho, por exemplo. Penalizam os reclusos só por procurarem que os seus direitos sejam respeitados. Por exemplo: um recluso faz uma denúncia de uma agressão, que não foi justificada, de um guarda prisional, e para combater essas contestações, por vezes, aplicam-se castigos que funcionam como intimidações para que outros reclusos não façam denúncias ou impedir que se assumam como testemunhas de outras agressões.

A Direção-Geral não deve saber e se os diretores sabem deste tipo de situações, não agem com frequência. Os diretores tendem a não considerar muito graves coisas que nós [APAR] consideramos. Os direitos são muito importantes, porque os reclusos devem ver todos os seus direitos respeitados, com a exceção do direito à liberdade. Não devem comer mal, devem ter direito a visitas e a um acompanhamento médico, nem podem ser agredidos. A APAR nunca fará nada para branquear crimes, nem dos reclusos, nem dos guardas prisionais, e alguns diretores facilitam mais ou menos algumas situações.

G. — Numa entrevista ao Jornal i, em 2018, afirmou que não há uma reinserção social das pessoas que estão reclusas porque “a palavra reabilitação não está no dicionário do Ministério da Justiça”. Não acredita que as intenções de ressocialização descritas no Código Penal são genuínas?

V. I. — Vou responder a isso com uma pergunta: temos 49 cadeias, cerca de 12 mil presos e cerca de 30 psicólogos. Para fazer a reabilitação de um recluso — nós fizemos esse estudo no Estabelecimento Prisional (EP) do Porto há uns dez anos — é preciso o seguinte: um psicólogo deve falar com o recluso, ler o processo dele, saber que crime cometeu. Tem de tentar perceber a motivação do crime: são horas de conversa. Depois, tem de tentar explicar-lhe que aquele não é o caminho correto para agir diante de determinadas situações: são horas de conversa. Depois, tem de perceber se o recluso interiorizou o que lhe explicaram: são horas de conversas, até que se diga que o recluso está reabilitado. Na altura do estudo, no EP do Porto existiam dois psicólogos e falavam, cada um, cerca de 15 minutos com cada recluso e depois mandavam-no embora. Quando chamassem outra vez os dois reclusos com quem tinham falado primeiro, já se tinham passado quatro anos. A maior parte das cadeias nem sequer tem nenhum [psicólogo].

A reabilitação não é tida em conta: o que na cadeia existe é o privilegiar da inércia, o fundamental é o recluso estar o maior tempo possível na cadeia sem chatear ninguém. Não é obrigatório o recluso levantar-se de manhã cedo para tomar o pequeno-almoço, por exemplo. Em qualquer país civilizado, o sino toca de manhã e o recluso tem de levantar-se, fazer a cama, sair da cela para ir estudar ou trabalhar e, aqui, acorda ao meio-dia, vai almoçar e vai para o pátio, e vai dormir novamente. Ao fim da pena, sai com esses hábitos, qual foi a reabilitação? Não tem disciplina, hábitos de trabalho, profissão, sai sem dinheiro. 

A reincidência em Portugal é gravíssima porque a reabilitação não existe. Digam o que disserem, não existe. O recluso está fechado cerca de 22 horas por dia. Se o recluso está a trabalhar na cadeia e comete o mais pequeno delito como, por exemplo, um insulto a um guarda, o primeiro castigo é tirarem-no do trabalho ou da escola. Isso não tem lógica nenhuma, é absolutamente contrário a tudo o que é inteligente. Acho que a maior parte das coisas que acontecem dentro das cadeias acontecem porque são geridas por pessoas que não fazem a mais pequena noção do que é o sistema prisional, ou fazem, mas evitam ter mais trabalho. 

G. — Não considera contraditória a ideia de que é possível promover a ressocialização através do afastamento ou isolamento da sociedade? É possível promover a ressocialização deste modo?

V. I. — Sabe-se que não. A maior parte das pessoas que estão ali dentro são pessoas que nunca trabalharam. Quando dizemos reintegrar as pessoas, já essa palavra está errada, porque deveria ser “integrar”. A maioria dos reclusos nunca estiveram integrados na sociedade, são pessoas que nunca trabalharam e que vão para a cadeia e continuam sem aprender uma profissão. Até há 15 anos, praticamente todos os reclusos trabalhavam. Até há 15 anos, havia mais o hábito de plantar os terrenos à volta das prisões: com batatas, couves, cenouras, alhos, tudo. Tinham pecuárias e aviários, existiam padarias e até vendiam pão e faziam as suas próprias refeições. Acabaram com tudo isso para entregar as refeições a empresas de catering, às tantas familiares de algum ministro, acabaram com postos de trabalho nas cadeias e nas cozinhas e a comida piorou, e acabou a possível formação. 

Se for a um advogado com mais de 20 anos de carreira e for ver os seus livros, grande parte terá sido encadernada por reclusos, acabaram com tudo isso. Continuam a existir alguns empregos, como os mecânicos que arranjam os veículos das prisões, mas pouco mais. Algumas empresas dão trabalho para as cadeias, mas em condições que deviam ser analisadas, tirando a DELTA, que obriga ao pagamento do salário mínimo nacional. [Os reclusos] arranjam máquinas de café da DELTA nas prisões e alguns dos reclusos conseguem sair da prisão e ficam a trabalhar para a empresa, de resto, a maior parte das outras empresas pagam aos reclusos cerca de dois euros por dia. Estarão a fazer concorrência desleal porque não pagam o salário mínimo, não há segurança social ou seguros, não há nada dentro das cadeias, tinha de ser analisado como são esses trabalhos.

G. — A APAR utiliza a sua página de Facebook para denunciar muitos casos relacionados com a falta de condições vividas nas prisões portuguesas e alertar para os problemas que afetam as pessoas reclusas, em Portugal. Como é o feedback recebido nessas publicações?

V. I. — Os portugueses encaram o sistema prisional de um modo muito complicado. Não é fácil trabalhar nesta área porque as pessoas não entendem bem o nosso papel. A última coisa que a APAR faz é tentar branquear o crime, isso está fora de questão. Das dezenas e dezenas de pedidos que recebemos porque as pessoas sentem que não foram condenados de forma justa, nós respondemos que não discutimos sentenças. Quando as pessoas sentem que foram mal condenadas, reencaminhamos para a Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados para que eles os ajudem, porque nós não vamos discutir penas.

Agora, veja bem qual é a maior perversidade que existe em Portugal quando se fala do sistema prisional: um indivíduo é preso, chega à cadeia e a direção da cadeia diz: “olhe, o senhor está aqui para cumprir uma pena porque não cumpriu a lei” e depois mostra-lhe as leis que tem de cumprir na prisão, mas ninguém as cumpre. Como é possível aceitar retirar-se a liberdade a alguém porque não cumpriu a lei e dizer: “a partir de agora, a lei que rege a sua vida é esta” e depois não a cumprem. O que queremos? É que essa lei [Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade] seja cumprida. 

G. — Quais são os principais incumprimentos da lei?

V .I. — A lei dá direitos aos reclusos. À face da Constituição, o recluso tem todos os direitos como todos os cidadãos, com a exceção do direito à liberdade. Tem o direito de votar, a uma boa alimentação, a uma cela decente, à saúde, a estudos, a trabalhar, a ter visitas. Ele é condenado a uma pena de prisão, não é condenado a comer uma alimentação que nem aos animais dão, não é condenado a estar doente e não poder ter serviços médicos, não é condenado a estar fechado e não receber visitas da família, não é condenado a dizer qualquer coisa menos agradável e ser agredido por quem quer que seja. Nós exigimos que os direitos deles, que já são poucos, sejam cumpridos, só isso. Agora se disserem que defendemos assassinos, nunca. Isso é outra ideia errada que existe na nossa sociedade, que é dizer que defendemos assassinos e pedófilos, como se na cadeia existissem 12 mil assassinos. 

G. — Existe uma ideia de que os homicídios e o abuso sexual de menores são os crimes mais cometidos, apesar de representarem cerca de 10 % e 2,3 % do total de crimes, respetivamente*?

V. I. — São os mais publicitados, são os que merecem maior condenação por parte da comunicação social.

G. — No dia 9 de junho deste ano, a APAR fez uma publicação na sua página de Facebook, relativa a uma alegada agressão violenta de um recluso que envolveu a guarda prisional. Num comunicado de imprensa, o Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP) escreveu que a APAR tem “sucessivamente” atacado o CGP e que a associação fez uma “descrição completamente falsa” dos factos. São comuns este tipo de conflitos?

V. I. — Da nossa parte, não há conflito nenhum com os guardas prisionais porque nem sequer leio esses comunicados. Fomos, até ao momento, recebidos por todos os ministros da Justiça e por todos os procuradores-gerais da República. Temos um acordo com a Procuradoria-Geral da República: quando temos informação de uma agressão em qualquer cadeia, comunicamos, de imediato, à procuradoria. Solicitamos-lhes que investiguem o ocorrido e que ajam em conformidade. Nunca acusamos nenhum guarda de ter agredido ninguém, nós comunicamos que temos essa informação. Logo no dia a seguir, recebemos a informação de que a procuradoria nomeou um procurador de determinado tribunal para investigar. Muitos [casos] são arquivados e alguns seguem mesmo para tribunal. Se os guardas consideram que os estamos a denegrir por dizer que temos uma suspeita e que agradecíamos que averiguassem… Muitas vezes tínhamos informação de que os reclusos chegavam com marcas de agressão à enfermaria e o médico, ao contrário do que a lei obriga, não comunicava às autoridades, e os guardas e a direção também não comunicavam. Por isso, os reclusos fazem-nos chegar essa queixa.

G. — Existem muitas tentativas de silenciar esse tipo de denúncias?

V.I. — Há sempre e conseguem, na maior parte das vezes, porque as testemunhas que existem são os guardas, que obviamente vão dizer que não é verdade, e alguns reclusos, que são imediatamente ameaçados de tudo: cortam precárias, cortam visitas, etc. Por vezes, até são transferidos e quando o procurador vai investigar o caso, já não se encontram naquela prisão. Há sempre essas tentativas.

G. — E alguma vez sentiu, por parte de poderes políticos ou da DGRSP, tentativas de silenciar denúncias?

V. I. — Silenciar, não. O Dr. Mateus era extremamente rígido com essas situações, não as consentia. Aliás, não as podia consentir. Até o sindicato dos guardas prisionais, ao defender um guarda que agride um preso, comete um erro gravíssimo porque se torna cúmplice do agressor. O sindicato devia ser o primeiro a apresentar queixa contra o guarda. É obrigação de um sindicato defender, sobretudo, a corporação onde está integrado. Quando o sindicato vem defender um agressor, está a tornar-se cúmplice desse agressor.

G. Sobre o trabalho que desenvolvem e o tipo de apoios que prestam. Disse há pouco que recebiam cerca de cem pedidos de ajuda por dia. Que tipo de pedidos são os mais frequentes?

V. I. — De todo o género, desde pedidos nas transferências, a pedidos no acesso às suas contas, desde estarem prestes a sair e terem documentos caducados e até coisas mais graves, como agressões, situações de mães com crianças na prisão que não receberam vacinação durante um ano. Denunciámos e foram vacinadas cerca de uma semana depois, mas o que nos custa saber é que, antes de nos fazerem essas queixas, de certeza que fizeram à direção da cadeia e a diretora da cadeia sabia. É preciso eles virem à APAR e saberem que se não agirem, colocamos na comunicação social e eles sabendo isso, vão corrigir um lapso. Por todo o tipo de coisas que se passa na cadeia, pedem a nossa ajuda, somos mesmo a última tábua de salvação de muita gente.

G. — Com as greves que têm vindo a ser realizadas pelos guardas prisionais desde setembro, o número de pedidos de ajuda aumentou?

V. I. — A greve, só mesmo num país como Portugal é que pode acontecer. Cometem tantas ilegalidades: não deixam enviar nem receber correio, [o que] é proibido pela Constituição, não podem impedir a correspondência entre ninguém; não deixam falar para a família, nem falar com os advogados.

Nós fazemos o pedido aos reclusos de não reagirem à greve porque a única intenção é haver reações que provoquem motins e confusão para dizer que os subsídios de risco têm que aumentar, que são precisos mais guardas, é sempre a mesma coisa. Quais são os objetivos de qualquer greve no mundo? É causar prejuízo à entidade empregadora, de modo a que a entidade, para eliminar esses prejuízos, aceda às reivindicações dos trabalhadores. Quanto é que o governo se preocupa que haja greve dos guardas ou não? Nada. A função dos guardas são duas: abrir e fechar portas e impedir que eles fujam, isso continua a acontecer. Como não fugiram, não há problema. Os guardas recebem o ordenado por inteiro. Então, quem são os prejudicados? Os reclusos e familiares, mais ninguém. Nem sequer há julgamentos. Imagine que um preso está preso preventivo, está à espera do julgamento para sair em liberdade, e na altura do julgamento, o guarda não o leva porque está em greve. 

Claro que os guardas têm direto a fazer greve. Eles são pagos devidamente? Não, acho que não, até é vergonhoso o ordenado dos guardas, sem dúvida nenhuma. Mas andam a fazer greves há seis anos e o que conseguiram do governo? Nada, porque a maneira como fazem a greve não afeta em nada o governo.

G. — Por último, em agosto, foi anunciado o novo diretor-geral da DGRSP: o psicólogo e investigador Rui Abrunhosa Gonçalves. Está satisfeito com esta nomeação? Quais são as principais expectativas que tem para a nova direção?

V. I. — Já fomos recebidos pelo senhor diretor-geral, tivemos uma reunião longa, de mais de uma hora. Gostei imenso de falar com ele, gostei das ideias que explicou. Sei que há um grande problema na DGRSP, é que não se consegue fazer omelete sem ovos. A Direção-Geral não tem dinheiro para nada. As viaturas e o gasóleo, a manutenção das cadeias, todos os custos associados das cadeias, a alimentação e medicação, não chega, não há possibilidade nenhuma de fazer ou melhorar nada. Nem que me dessem 50 mil euros por mês, eu aceitaria ser diretor-geral. Ele sabe que por muito boas ideias e esperanças que tenha, não consegue. Não há dinheiro. Pode conseguir algumas coisas: impedir agressões, melhorar a alimentação, tentar forçar que o tribunal cumpra os seus deveres e fazer com que as prisões se esvaziem um pouco, através das medidas de flexibilização de penas que permitem que alguns reclusos saiam da cadeia em liberdade condicional. A liberdade condicional e as penas alternativas quase nunca são usadas, em Portugal.

* Dados existentes de acordo com o último Relatório de Atividades da DGRSP, referente ao ano de 2020.

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