“Sinto-me em casa”, diz a dançarina Ruba Nemekh, no último treino do mês de junho, após um ano sem dançar com o YOLK. Os seus minutos de atraso interromperam brevemente o aquecimento para um abraço conjunto, o qual originou novos movimentos de uma forma tão orgânica quanto a própria fundação da iniciativa.
Em janeiro de 2019, dá-se a primeira aula organizada pelas bailarinas Catarina Campos e Melissa Sousa, que cruzam caminhos enquanto professoras de dança. Com o intuito de trabalhar mais do que “apenas para o fim de apresentar algo a um público”, como conta ao Gerador, Catarina junta forças com Melissa, que vem do contexto das batalhas de improvisação, para um treino já há muito requisitado pelas alunas de ambas.
O foco no freestyle surge de uma confluência de fatores. Visto que o trabalho de coreografia implica mais tempo, o coletivo decidiu dedicar-se às ferramentas de improvisação no house e no hip-hop, o que também facilita o contacto com treinadores de fora do projeto, muitas vezes convidados a dinamizar algumas das aulas semanais.
Do estúdio para as ruas
No momento em que fica definida a abordagem do Yolk, os treinos migram da escola Bota Swing, no Porto, para a rua, mais próximos da origem do estilo que trabalham. Num círculo – a chamada cypher –, as yolkers deixam-se levar pela intuição e dançam com o vento que chega da praia de Matosinhos, chamando a atenção e a curiosidade de quem passa pela praça.


Já foram interrompidas por um homem que se quis juntar ao grupo para se reconectar com o freestyle que praticava anos atrás, assim como expulsas do parque de estacionamento onde treinam quando chove. Estes são apenas dois exemplos das experiências, positivas e negativas, que compõem a interação da dança com o espaço público.
Na opinião de Melissa, a transição do local das aulas ajudou a desenvolver a noção de ser social e consciente do que se passa à sua volta. “O corpo reage e comporta-se de uma forma diferente por estar num lugar aberto e na presença de pessoas. É inevitável e necessário trabalharmos esse caráter de ser social, que não tem que ver com ser uma pessoa extremamente extrovertida, mas sim com a projeção do corpo, o volume das palavras, do movimento, dentro do espaço”, afirma a fundadora.
Daria Yeremenko trabalhava como professora de dança antes de precisar de sair da Ucrânia. No seu segundo treino com o YOLK, revela que o projeto a levou à sua primeira prática fora de um estúdio e que a energia das salas é “perfeitamente traduzida” para as ruas. “Quem tem a equipa não precisa das paredes”, assegura, em referência à poetisa ucraniana Lina Kostenko, que escreve “quem tem as asas não precisa do chão”.
É um consenso entre as nove dançarinas presentes, quase todas integrantes na iniciativa desde o seu início, que a experiência de dançar em lugares fechados pode ser limitante. Catarina relembra as aulas em que tiveram de regressar temporariamente às escolas de dança por causa das temperaturas de inverno: “Tínhamos a necessidade de fechar o espelho e tentar desconectar daquilo que nos direciona para a frente e nos ajuda a julgar muito mais.”


Abordagem aberta
Para chegar a mais pessoas interessadas em aprender as técnicas de improvisação, o grupo começa a desenhar uma página de Instagram. Desde dezembro de 2021, usam o espaço para divulgar os seus trabalhos de coreografia e planos de treino, descrevendo a sua abordagem como aberta e focada no processo individual através de práticas coletivas.
Num exercício em pares, no qual uma aluna é supervisionada por outra e deve trocar a direção dos movimentos antes de atingir o tempo previamente indicado pela formadora, trabalham a observação da própria forma de dançar. As tarefas são invertidas depois de uma breve sessão de feedback entre a dupla, o que, para a dançarina Ivana Duarte, constitui o fator de diferenciação do YOLK. “Dançamos com pessoas, não para elas”, diz, destacando o cruzamento de experiências que as aulas permitem e que entendia faltar no panorama portuense da dança.
Melissa acredita que as atividades de autoconsciência não seriam possíveis sem a dinâmica horizontal de aprendizagem que promovem, e diz que se sente estar “por conta própria” fora do projeto, o que cria um espaço seguro em conjunto. “A [nossa] filosofia é defender a tua identidade na dança”, acrescenta.


A definição do house e do hip-hop como principais estilos de dança dos treinos não implica uma limitação de estilos musicais, explica Catarina. “Tu podes dançar hip-hop e house em qualquer música do mundo, porque estes estilos de dança vêm de uma confluência de outros, que partem de outras músicas. O house tem [influências] de jazz, sapateado, de balé e de danças basilares africanas. O ritmo muda, o groove muda, mas lá dentro estão vocabulários que já vêm de 1980 e é fixe quando vês essas ligações”, afirma. Para Melissa, a diversidade musical é importante para evitar uma “limitação da caixa rítmica” e propor desafios.
As fundadoras salientam ainda que o foco do freestyle é viver o momento presente e libertar energia através do corpo. É essa conexão, além das bases dos estilos de dança, que o YOLK procura desde o início. Quando precisaram de escolher um nome para o grupo, Catarina foi inspirada por uma metáfora que ouviu num workshop, que relacionava a dança com o ovo. “O formador dizia que a maior parte das pessoas está centrada na clara do ovo, à volta, mas a verdadeira nutrição e a essência, aquilo que realmente te vai alimentar e tem uma força maior, é o que está na parte amarela, que se chama egg yolk, em inglês”, recorda.
“No Porto, não há nenhum projeto pedagógico focado em freestyle como o Yolk”


A iniciativa inovadora, que, segundo a bailarina, resistiu à pausa pandémica “com bastante informação” enviada à distância, é financeiramente sustentada por uma contribuição simbólica mensal das yolkers e dos investimentos feitos pelas idealizadoras.
O coletivo já tentou criar, sem sucesso, o que consideram relevantes parcerias com organizações e com a Câmara Municipal de Matosinhos. “Quando tentámos, estávamos numa altura em que só se via a pandemia à frente e, claro, isto não era prioridade para eles”, conta Catarina, assegurando que vão voltar a tentar entrar em contacto, pois acreditam que a dinâmica do projeto é uma técnica complementar para as aulas e competições de dança, uma vez que trabalha também o lado pessoal. “No Porto, não há nenhum projeto pedagógico focado em freestyle como o Yolk”, garante.