fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Opinião de Marta Crawford

O rapaz do cão preto

Diariamente, como era seu hábito, saía de casa com o seu cão preto e ia…

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Diariamente, como era seu hábito, saía de casa com o seu cão preto e ia beber um café, perto de casa. Depois, enchia os pulmões cheios de ar e seguia para o bosque à procura de bons encontros. Sabia que o dia ficava mais leve e bem passado, quando se cruzava com alguém e trocava dois dedos de conversa. Estava impedido de trabalhar devido à situação pandémica e tinha de ocupar os seus dias de forma a manter-se equilibrado. Ajudava em casa com tudo o que estava ao seu alcance: cozinhava, limpava, estendia a roupa e garantia que tudo estava em condições para receber a sua família. 

A situação era delicada e não queria sentir-se um fardo. Gostava realmente de trabalhar. Estava sempre à procura de um biscate, por mais pequeno que fosse. Já tinha tido várias profissões na sua vida, embora fosse especialmente bom a limpar. Podiam ser carros, casas, lojas ou restaurantes. Tudo o que tocava ficava impecável! 

Vivia há pouco tempo naquele bairro, mas já conhecia muita gente. Sempre que se cruzava com alguém, tinha o hábito e o gosto de cumprimentar as pessoas. Regra geral, devolviam-lhe o “olá” e o “bom dia”. Para a maior parte dos vizinhos era sem dúvida um rapaz muito educado e simpático.

O cão preto também era muito dócil. Noire tinha sido resgatado por si e pelo seu pai de um indivíduo tenebroso que o maltratara e deixara à fome. Quando veio para sua casa, estava subnutrido e muito assustado com tudo, mas rapidamente percebeu que a sua vida tinha mudado radicalmente. Até para ser cão é preciso ter sorte. Agora os novos donos tratavam-no como se fosse uma preciosidade, enchendo-o de mimos e passeios diários. Rapidamente transformou-se num cão destemido e afável. 

Ia a caminho do bosque, para libertar o seu cão no parque, quando se apercebeu que já lá estavam duas cadelas: Angie e Chocolate. Os três cães davam-se bem e os três donos também. Noire dava-se especialmente bem com a cadela Angie, com quem se divertia à grande e à francesa. Corriam muito por todo o parque e partilhavam paus de madeira e bolas com uma alegria e amizade, nada típica em animais que não viviam juntos. Sempre que se encontravam, os cães saltavam para cima um do outro, aos abraços e mordidelas laicas. Uma ternura. A cadela Chocolate regra geral não alinhava nas brincadeiras mais brutas, nem em grandes correrias. Sentava-se na terra com as patas para trás, e se ninguém reparasse, era capaz de comer um ramo inteiro de uma árvore. Ele gostava especialmente daquela cadela castanha e simpatizava ainda mais, com a sua dona de cabelos ruivos.

Costumava andar com biscoitos nos bolsos e Chocolate já sabia que ele era uma espécie de “presunto” ambulante. Saltava-lhe para cima ou cheirava-lhe os bolsos com o focinho. Divertia-se imenso com aquele ritual da cadela. Já a dona era mais reservada. Que pena, pensava ele.

Era muito cuidadoso com os animais e com as pessoas. E gostava que retribuíssem a mesma gentileza. Como era um rapaz sensível, ficava verdadeiramente indisposto, quando ouvia dizer mal de alguém, principalmente, se eram pessoas que ele conhecia do bairro e tinha apreço. Ia para o bosque para encher os pulmões de bons encontros e ficava especialmente frustrado se o enchessem de histórias negativas e estados de alma que o puxavam para baixo. Quando isso acontecia, punha logo os pontos nos is. Era um rapaz assertivo e não tinha dificuldade em esclarecer algumas situações, mesmo que fossem incómodas, só assim as podia alterar. Era uma pessoa simples e gostava de simplificar as relações e, acima de tudo, gostava que as pessoas se dessem bem umas com as outras e se respeitassem mutuamente.

Do local onde se encontrava, chamou-lhe a atenção a senhora, que estava sentada no banco debaixo de uma cerejeira em flor. Estava sozinha a observar a vista ou simplesmente a apanhar sol no rosto e a pensar na vida. Que belo quadro natural, pensou. Sentiu um vento fresco no rosto, e arrepiou-se. Reparou que os ramos da cerejeira se agitaram com o sopro do vento, pulverizando aquela senhora com pequenas flores brancas, como se fosse um véu de noiva. Foi nesse momento que reparou num homem alto e moreno, com uma gabardine amarela e com um ramo de rosas na mão. Seria o seu noivo?

(continuação da história anterior - terceira parte)

-Sobre a Marta Crawford-

É psicóloga, sexóloga e terapeuta familiar. Apresentou programas televisivos como o AB Sexo e 100Tabus. Escreveu crónicas e publicou os livros: Sexo sem TabusViver o Sexo com Prazer e Diário sexual e conjugal de um casal. Criou o MUSEX — Museu Pedagógico do Sexo — e é autora da crónica «Preliminares» na Revista Gerador.

Texto de Marta Crawford
Fotografia de Diana Mendes

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

10 Setembro 2025

No gerador ainda acreditamos no poder do coletivo

3 Setembro 2025

Viver como se fosse música

27 Agosto 2025

A lição do Dino no Couraíso

13 Agosto 2025

As mãos que me levantam

8 Agosto 2025

Cidadania como linha na areia

6 Agosto 2025

Errar

30 Julho 2025

O crime de ser pobre

23 Julho 2025

Às Escolas!

16 Julho 2025

Podemos carregar no ”Pause” e humanizar?

9 Julho 2025

Humor de condenação

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Financiamento de Estruturas e Projetos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Criação e Manutenção de Associações Culturais

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

02 JUNHO 2025

15 anos de casamento igualitário

Em 2010, em Portugal, o casamento perdeu a conotação heteronormativa. A Assembleia da República votou positivamente a proposta de lei que reconheceu as uniões LGBTQI+ como legítimas. O casamento entre pessoas do mesmo género tornou-se legal. A legitimidade trazida pela união civil contribuiu para desmistificar preconceitos e combater a homofobia. Para muitos casais, ainda é uma afirmação política necessária. A luta não está concluída, dizem, já que a discriminação ainda não desapareceu.

12 MAIO 2025

Ativismo climático sob julgamento: repressão legal desafia protestos na Europa e em Portugal

Nos últimos anos, observa-se na Europa uma tendência crescente de criminalização do ativismo climático, com autoridades a recorrerem a novas leis e processos judiciais para travar protestos ambientais​. Portugal não está imune a este fenómeno: de ações simbólicas nas ruas de Lisboa a bloqueios de infraestruturas, vários ativistas climáticos portugueses enfrentaram detenções e acusações formais – incluindo multas pesadas – por exercerem o direito à manifestação.

Carrinho de compras0
There are no products in the cart!
Continuar na loja
0