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Opinião de Marta Crawford

O rapaz do cão preto

Diariamente, como era seu hábito, saía de casa com o seu cão preto e ia…

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Diariamente, como era seu hábito, saía de casa com o seu cão preto e ia beber um café, perto de casa. Depois, enchia os pulmões cheios de ar e seguia para o bosque à procura de bons encontros. Sabia que o dia ficava mais leve e bem passado, quando se cruzava com alguém e trocava dois dedos de conversa. Estava impedido de trabalhar devido à situação pandémica e tinha de ocupar os seus dias de forma a manter-se equilibrado. Ajudava em casa com tudo o que estava ao seu alcance: cozinhava, limpava, estendia a roupa e garantia que tudo estava em condições para receber a sua família. 

A situação era delicada e não queria sentir-se um fardo. Gostava realmente de trabalhar. Estava sempre à procura de um biscate, por mais pequeno que fosse. Já tinha tido várias profissões na sua vida, embora fosse especialmente bom a limpar. Podiam ser carros, casas, lojas ou restaurantes. Tudo o que tocava ficava impecável! 

Vivia há pouco tempo naquele bairro, mas já conhecia muita gente. Sempre que se cruzava com alguém, tinha o hábito e o gosto de cumprimentar as pessoas. Regra geral, devolviam-lhe o “olá” e o “bom dia”. Para a maior parte dos vizinhos era sem dúvida um rapaz muito educado e simpático.

O cão preto também era muito dócil. Noire tinha sido resgatado por si e pelo seu pai de um indivíduo tenebroso que o maltratara e deixara à fome. Quando veio para sua casa, estava subnutrido e muito assustado com tudo, mas rapidamente percebeu que a sua vida tinha mudado radicalmente. Até para ser cão é preciso ter sorte. Agora os novos donos tratavam-no como se fosse uma preciosidade, enchendo-o de mimos e passeios diários. Rapidamente transformou-se num cão destemido e afável. 

Ia a caminho do bosque, para libertar o seu cão no parque, quando se apercebeu que já lá estavam duas cadelas: Angie e Chocolate. Os três cães davam-se bem e os três donos também. Noire dava-se especialmente bem com a cadela Angie, com quem se divertia à grande e à francesa. Corriam muito por todo o parque e partilhavam paus de madeira e bolas com uma alegria e amizade, nada típica em animais que não viviam juntos. Sempre que se encontravam, os cães saltavam para cima um do outro, aos abraços e mordidelas laicas. Uma ternura. A cadela Chocolate regra geral não alinhava nas brincadeiras mais brutas, nem em grandes correrias. Sentava-se na terra com as patas para trás, e se ninguém reparasse, era capaz de comer um ramo inteiro de uma árvore. Ele gostava especialmente daquela cadela castanha e simpatizava ainda mais, com a sua dona de cabelos ruivos.

Costumava andar com biscoitos nos bolsos e Chocolate já sabia que ele era uma espécie de “presunto” ambulante. Saltava-lhe para cima ou cheirava-lhe os bolsos com o focinho. Divertia-se imenso com aquele ritual da cadela. Já a dona era mais reservada. Que pena, pensava ele.

Era muito cuidadoso com os animais e com as pessoas. E gostava que retribuíssem a mesma gentileza. Como era um rapaz sensível, ficava verdadeiramente indisposto, quando ouvia dizer mal de alguém, principalmente, se eram pessoas que ele conhecia do bairro e tinha apreço. Ia para o bosque para encher os pulmões de bons encontros e ficava especialmente frustrado se o enchessem de histórias negativas e estados de alma que o puxavam para baixo. Quando isso acontecia, punha logo os pontos nos is. Era um rapaz assertivo e não tinha dificuldade em esclarecer algumas situações, mesmo que fossem incómodas, só assim as podia alterar. Era uma pessoa simples e gostava de simplificar as relações e, acima de tudo, gostava que as pessoas se dessem bem umas com as outras e se respeitassem mutuamente.

Do local onde se encontrava, chamou-lhe a atenção a senhora, que estava sentada no banco debaixo de uma cerejeira em flor. Estava sozinha a observar a vista ou simplesmente a apanhar sol no rosto e a pensar na vida. Que belo quadro natural, pensou. Sentiu um vento fresco no rosto, e arrepiou-se. Reparou que os ramos da cerejeira se agitaram com o sopro do vento, pulverizando aquela senhora com pequenas flores brancas, como se fosse um véu de noiva. Foi nesse momento que reparou num homem alto e moreno, com uma gabardine amarela e com um ramo de rosas na mão. Seria o seu noivo?

(continuação da história anterior - terceira parte)

-Sobre a Marta Crawford-

É psicóloga, sexóloga e terapeuta familiar. Apresentou programas televisivos como o AB Sexo e 100Tabus. Escreveu crónicas e publicou os livros: Sexo sem TabusViver o Sexo com Prazer e Diário sexual e conjugal de um casal. Criou o MUSEX — Museu Pedagógico do Sexo — e é autora da crónica «Preliminares» na Revista Gerador.

Texto de Marta Crawford
Fotografia de Diana Mendes

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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