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Hugo Freitas: “o meu maior objetivo é desbravar terreno (…) e levar a nossa sociedade a entender que se eu quero cuidar de mim, mimar-me, dar brilho à minha pele, reconectar-me e ser homem, está tudo bem.”

Da estabilidade à corrida pelo sonho: o maquilhador que derruba inseguranças e desmistifica a maquilhagem para homens.

Texto de Redação

©Kat V Photographer

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Com um emprego estável e perto de casa, foi aos 28 anos que Hugo Freitas, tomou a decisão de deixar as andanças confortáveis da vida e seguir o seu maior sonho. Despediu-se, saiu de São Miguel, nos Açores, lutou, formou-se e é, atualmente, uma das maiores referências do mundo da maquilhagem nos Açores. Encontra, nesta profissão, muito mais do que cosmética e beleza: trata-se de conhecer histórias e pessoas, sonhar com elas e, no fim, ver brilho e cor nos olhos de cada uma dessas pessoas, independentemente do género ou idade.

Incontestavelmente ilhéu e com alma de mar, Hugo Freitas, um dos maquilhadores mais reconhecidos, atualmente, do arquipélago dos Açores, viu a pandemia com olhos de mudança e encontrou no confinamento uma oportunidade de repensar a sua vida e de estruturar um sonho que sempre morou com ele, o de ganhar a vida profissionalmente a maquilhar pessoas, de todos os géneros, idades e estilos. Desde que se lembra, esta foi sempre uma paixão que vivia só com ele e com as pessoas que ia maquilhando, ocasionalmente. Ora a amiga que ia casar, ora a Mãe para o jantar de Natal, ora a sua própria rotina de maquilhagem.

No entanto, desde muito novo sabia que era diferente. Não tinha os mesmos gostos que os outros meninos, não era o primeiro a ser chamado para os jogos em educação física, sempre foi o gordinho que não gostava de desportos, gostava de fazer penteados às meninas, de cantar, de improvisar e de criar. Com o tempo, começou a entender que gostar de criar coisas fora do comum era o melhor que podia existir e não deixou, nunca, que esse gosto se fosse enfraquecendo com o tempo ou com os comentários desagradáveis com que se foi cruzando sobre as suas escolhas e preferências.

Investiu nessa vontade de querer criar e começou, aos poucos, a apaixonar-se pela área da Educação. Acabou, então, por se licenciar em Educação Básica e, seguidamente, mestrou-se na mesma área. Um percurso académico invejável, onde, com avaliações exemplares, conseguiu, também, pela sua forma de ser ou pelos longos e aconchegantes abraços que gosta de distribuir por onde passa, marcar professores, colegas e funcionários da Universidade dos Açores, até aos dias de hoje. Apesar da dedicação total que dava aos seus estudos, o Hugo nunca se acomodou. Continuou a cantar e improvisar e fez parte, durante a sua vida académica, da Tuna Masculina da Universidade dos Açores, onde encantava quem o ouvia e onde deixou de ser o Hugo gordinho que não era escolhido para nada, para ser solista e onde, muitas vezes, fez plateias rir. Continuou a maquilhar e a aprender, mas sempre num cantinho pequenino do coração, onde não existiam muitas hipóteses de aprofundar esta arte, pela falta de tempo livre. Continuou, igualmente, a ter a sua rotina diária de maquilhagem, mesmo quando ouvia diversas vezes que maquilhagem não era para homens.

Com uma garra fora do comum, mas tipicamente açoriana de quem enfrenta sismos e tempestades, decidiu, em plena pandemia, abandonar o caminho que havia construído até então. A vida de professor estável, das 09h00 às 17h00, numa escola perto de casa e com crianças que passavam o dia a querer o Professor Hugo, foi deixada de parte para se dedicar ao sonho de ser maquilhador. Foi nesta etapa de transformação que se apercebeu que precisava de se dar a conhecer ao mundo além do Hugo Professor, que era já conhecido por muitos. Explicou-me, então, que se considerava um info-excluído: sem conta no Instagram e sem publicações no Facebook, acontecimentos que parecem fazer parte de uma utopia nos dias que correm. Por isso, de forma a conseguir mostrar ao mundo o seu talento, torna-se um adepto das redes sociais onde, a uma velocidade extraordinária, ganha seguidores, clientes e até fãs do seu trabalho, numa fase ainda amadora, mas já com um grande reconhecimento a nível regional. Nesta altura sente que precisa de dar um salto grande, que envolve sair da sua zona de conforto. Despediu-se e deixou de ser o Hugo Professor para ser o Hugo que sai da ilha em busca daquela que considerava a melhor formação profissional em maquilhagem.

Formou-se, aprendeu, investiu e quando deu por si estava a maquilhar e a pentear a Bárbara Tinoco ou os concorrentes das audições para o Ídolos Portugal 2022. Mas o Hugo queria mais. Quando começa nesta corrida do mundo da maquilhagem e dos cabelos, que se evidenciou rápida e de sucesso, olhou à sua volta e viu maioritariamente mulheres. Sentiu, então, necessidade de criar as suas próprias rúbricas de maquilhagem e cabelo, que divulga no seu Instagram em formato vídeo, onde explora aquilo que ele gosta de chamar maquilhagem a pessoas: são todos válidos. Mulheres, Homens, magros, altos, gordos, baixos, de todas as cores, de todas as idades e de todos os géneros. Para Hugo o mais bonito e interessante da vida entre as paletas de cores não é o resultado no rosto de cada cliente, é sim, o brilho nos olhos de cada um, a história que é partilhada e as vidas que se cruzam. Nas rúbricas que executa, gosta de colaborar com uma equipa maioritariamente açoriana, onde expõe pessoas com trajetos e almas bonitas, mas que, por norma, não são exaltadas ao mundo. Em conversa, elucida-me para o facto de já ter tido a necessidade de se expor enquanto artista à Região, à sociedade e ao mundo, mas que agora o seu papel enquanto profissional de maquilhagem era dar a conhecer outros rostos, outros caminhos e conseguir, através da maquilhagem, descortinar medos, derrubar inseguranças e construir, em cada cliente, olhares brilhantes carregados de confiança, empatia e amor próprio e, no fim de cada trabalho, mostrar que somos todos válidos, independentemente das nossas características físicas.

O maquilhador, de 29 anos, encontra-se atualmente a residir em Lisboa, em formação profissional de cabeleireiro, na Academia Lúcia Piloto, mas confessa que os Açores são uma parte fundamental e crucial da sua identidade e que não se consegue afastar por muito tempo. Mostrou-se, ainda, admirado pelo convite para esta entrevista e, entre humildade e felicidade, pergunta o que fez de especial. Confessou-me, ainda, que quando partilha a sua rotina de maquilhagem, recebe muitas mensagens de incentivo de outros homens que gostavam de ter a mesma coragem ou homens a pedir dicas de maquilhagem. O Hugo consegue mudar perspetivas e mentalidades.

Estivemos à conversa com Hugo Freitas e entre paletas de cores fortes, batons vermelhos e secadores de cabelo, na sua casa, onde montou o seu pequeno estúdio de maquilhagem onde treina e põe em prática o que aprende, ficamos a conhecer um percurso inspirador e que nos ensina muito sobre amor próprio, inclusão e persistência, sempre com o mote de que todos são válidos.

Gerador (G.) — A maquilhagem e o mundo da cosmética foram sempre opções para ti?

Hugo Freitas (H.F.) — Não. [risos] Por incrível que pareça nunca foram opções para mim, apesar de entender que, em criança tinha já estímulos para essa área, uma vez que o meu pai trabalhava numa farmácia / cosmética, o que me facilitava o acesso, mesmo em casa, a amostras de maquilhagem, batons, vernizes, e a uma série de coisas que eu via a minha mãe usar, mas que para mim não me despertavam grande interesse. A maquilhagem apareceu na minha vida de forma arrebatadora apenas quando tinha eu já 18 anos, como um complemento ao cabelo, sendo que o cabelo foi sempre a minha prioridade - era aquilo que eu fazia e onde me sentia seguro - e a maquilhagem foi muito aquele pedido de “já agora…dá-me um jeito na cara” [cita as suas clientes, entre risos] e foi muito por aí que fui ganhando cada vez mais interesse. Considero que esses pequenos estímulos na infância acabaram por surgir e ressurgir mais tarde. Isso é interessante e aliás, hoje, entendo isso.

(G.) — Como optas por Educação Básica como primeira formação?

(H.F.) — Pois! [risos] Eu lembro-me desde sempre de dizer que queria ser professor e atualmente isso é estranho para mim! A ideia surgiu-me, muito provavelmente, porque já o meu irmão mais velho era professor, também de ensino básico e ele foi sempre um grande modelo de referência para mim, portanto acho que me deixei influenciar nesse sentido. Pensando bem, ao fim ao cabo, eu enquanto professor ou educador de infância conseguia viver o mundo que eu quisesse, acho que foi muito por aí…podia ser criança novamente, podia brincar, podia pentear os meus alunos, podia imaginar todo um mundo onde eu quisesse viver, onde fosse feliz e, consequentemente, os meus alunos fossem felizes. Também me recordo, em pequenino, de corrigir os testes com o meu irmão e, também, com a minha cunhada imaginar todas as brincadeiras com crianças e essas componentes levaram-me a ir estudar educação básica e, também, porque confesso que não tinha condições para ir estudar para fora dos Açores naquela altura, o que acabou por me limitar. Decidi, então, escolher a área da educação, numa fase inicial achei que optaria por História, mas rapidamente percebi que era demasiado...pesado! [risos] Escolhi, então, educação básica, porque imaginei um mundo colorido e bonito e onde fazia as minhas crianças felizes. Usar este nosso mundo do “faz de conta”, sempre o fiz em criança, usar a criatividade, as peças de teatro, as danças, os desfiles, sempre fui estimulado para isso, com as minhas primas e família e sentia que também eu podia ter esse papel para com os meus alunos.

Hugo, com os seus alunos, no colégio onde lecionava

G.) — Quando te apercebes que queres fazer da maquilhagem e dos cabelos vida profissional?

(H.F.) — Aiii!! [risos] Comecei a pentear e maquilhar pessoas, mais propriamente a minha família e foram surgindo os comentários do género “Tens tanto jeito, devias fazer mais isso” e então comecei a arranjar as pessoas para as festas de freguesia, depois as amigas também já queriam, depois…o tempo passa! Há uns bons anos comecei a pentear num salão lá na ilha, porque a cabeleira desse salão viu alguns trabalhos meus e pediu-me que fosse para lá fazer penteados, mas depois acabavam por me pedir também a maquilhagem e foi mais ou menos nesta altura que surge a paixão pela maquilhagem. Comecei a ter um volume de trabalho que me fez entender que podia, efetivamente, fazer disto vida e…fez-se luz. O que é certo é que eu trabalhava das 09h00 às 17h00 com os meus alunos. E, ao fim do dia e também aos fins de semana, em que acordava muito cedo, marcava trabalhos de maquilhagem. Acabava por ter uma vida atribulada e, então,  tive que tomar uma decisão. Não foi fácil, mas sou uma pessoa de ou é ou não é! Óbvio que fui com muito medo, com muita responsabilidade e incerteza, mas sempre a pensar se não for agora então nunca vai ser! Com o tempo, a maquilhagem e o cabelo ganharam uma paixão muito maior do que aquilo que eu fazia no colégio e quando te apercebes que o teu rumo é outro, então pronto! Tive que fazer outra coisa da vida que me fazia mais feliz e isso aconteceu, sensivelmente, há um ano, mas com a noção que estava há dois anos a adiar essa tomada de decisão, porque eu queria, mas ao mesmo tempo estava incutido em mim aquilo que nos impõem desde novinhos de termos um trabalho fixo e um ordenado seguro.

(G.) — Como encontraste na pandemia uma oportunidade de mudança de rumo?

(H.F.) — A pandemia mudou totalmente a minha perspetiva de vida. Estive em teletrabalho, como todos, mas educar em formato virtual não foi fácil. No entanto, o pior foi aperceber-me que estava sem maquilhar e sem pentear e sem fazer os olhos das minhas clientes felizes. Foi nesta altura que meti tudo numa balança e ponderei o que me fazia mais feliz e do que sentia mais falta. Percebi que a maquilhagem e o cabelo eram o que realmente me davam brilho e vontade de sair da cama e percebi que até agora a única coisa que tinha faltado era a coragem de mudar de caminho, de deixar os meus alunos. Mas existiam entraves. Eu sou, de facto, bastante autodidata, mas era amador, não tinha formação em maquilhagem e foi por isto, também nesta altura, que decidi criar o meu instagram, sendo que eu era o tipo de pessoa que não usava telemóvel, esquecia-me dele em casa todos os dias [risos], mas senti que tinha de mostrar os meus trabalhos neste tipo de plataforma. A pandemia fez-me começar todo um processo de mudança de rumo, que passou por entender o que era a maquilhagem para mim. Entendi que a maquilhagem eram pessoas, eram pessoas que mereciam toda a minha atenção, eram histórias e sentimentos e no final percebia que a maquilhagem tinha muito poder. Foi uma revolução total daquilo que eu tinha, o tal horário das 09h00-17h00, uma mudança enorme, com pessoas que me apoiaram e olhando para trás valeu a pena! Aliás vale a pena todos os dias.

(G.) — Sentes falta da estabilidade, da certeza e dos teus alunos?

(H.F.) — Sinto falta, sim, dos meus alunos, dos sorrisos, mas vou mantendo contacto com os pais das minhas crianças, com as minhas crianças e todos eles, ainda atualmente, com os seus 5 anos, correm até mim. É um amor e um afeto que não tem explicação. Relativamente à estabilidade mentiria se dissesse que não sinto falta. É bom ter um ordenado fixo ao mês e conseguires gerir a tua vida com esse valor, mas isso em comparação a tudo o que já atingi, a nível de concretização pessoal e profissional não é nada. O dinheiro nunca é tudo.

(G.) — Como decides abandonar São Miguel?

(H.F.) — Não foi fácil! Mas foi a decisão que eu tinha de tomar para atingir os meus objetivos. De momento sou já formado em maquilhagem profissionalmente, mas quero sempre alcançar mais, para me tornar um profissional ainda melhor. Neste momento, deixei a minha ilha e estou a viver em lisboa para aprender mais sobre cabelos e decidi, ao contrário do que fiz com a maquilhagem que ia a lisboa a voltava a São Miguel todas a semanas, decidi, efetivamente, viver em Lisboa e dar-me a conhecer a este outro meio. Estou a formar-me para quem sabe, um dia, a minha estabilidade estar nos cabelos e na maquilhagem. Penso muito no sonho, claro, mas penso, também, em ganhar sustento através do meu sonho. Não vou ser amador para sempre e, por isso, abandonar fisicamente os meus amigos e a minha família, a minha ilha e o meu conforto, foram apenas mais umas das consequências do concretizar do meu sonho. Encaro muito Lisboa como oportunidades, mas acredito que o meu coração estará sempre nos Açores. Custa, mas degrau a degrau, vou descobrir as oportunidades e quando sentir que é certo volto a casa, só vou parar quando tiver a minha capa de revista! [risos]. Por enquanto, confesso que choro muito! [risos] ligo para os meus pais e choro, desligo a chamada e volto a chorar, sinto falta da minha cadela e de ver mar a toda a hora.

Hugo a maquilhar uma cliente | ©João Melo

(G.) — Disseste-me que a maquilhagem eram muito mais do que pinturas e batons. Então, para ti, a maquilhagem é o que?

(H.F.) — Torna-se difícil para mim responder a essa pergunta. A experiência que eu tenho com os meus clientes é fundamental quando a pessoa se olha ao espelho, no fim do trabalho, há qualquer coisa que acontece, há um brilho novo no olhar. As pessoas precisam de se reconectar, de perceber que ainda continuam vivas, que ainda há brilho e luz dentro delas, não é que essas pessoas não tenham esse brilho sem a maquilhagem, mas, efetivamente a maquilhagem dá-lhes outra confiança, outra autoestima. O dia a dia, por norma, é uma correria e aquele bocadinho, que os meus clientes estão comigo e tiram tempo para se auto mimarem, é outro brilho e enquanto eu for capaz de proporcionar isso aos meus clientes então sei que está tudo certo. É mais do que um produto, mais do que um batom, é a pessoa reconectar-se a ela própria, reencontrar o seu brilho, que sempre esteve lá, eu sou só o lembrete disso.

(G.) — E o que pretendes transmitir nos teus trabalhos?

(H.F.) — Primeiro tento transmitir a minha felicidade por ter oportunidade de estar ali, com aquele cliente, e acho que isso acaba por passar para a pessoa. O meu entusiasmo e o meu olhar acabam por fazer parte do meu objetivo final: dar um alavancar de confiança aquela pessoa. A minha arte e a minha profissão assentam exatamente nisso, em ver aquela pessoa feliz, reconectada consigo, com a lágrima no canto do olho e ouvir sempre no fim “isto sou eu”, por parte dos clientes.

(G.) — Tens sido um verdadeiro impulsionador da maquilhagem masculina da Região. O que pretendes com este desbravar de terreno que tens feito?

(H.F.) — Pretendo exatamente isso: desbravar terreno e desmistificar a ideia de que a maquilhagem só funciona em mulheres. O que é que tenho de diferente, enquanto homem, por me maquilhar? Por cuidar da minha pele? Por corrigir a minha olheira? Por cobrir alguma imperfeição? O que me faz ser menos homem por fazer isso? Muitos daqueles que nós vemos em televisão, em publicidades, no mundo do cinema, do futebol, das artes, estão maquilhados e são, muitas vezes, referências para nós. Então, porque é que eu não posso também ter esse cuidado? Faço essas perguntas diversas vezes, penso muito nisso, porque ainda há muito preconceito com isso e ainda há muito por fazer. Portanto, sim, o meu maior objetivo é desbravar terreno, é sim, através da partilha da minha rotina de maquilhagem e cuidados de pele levar a nossa sociedade entender que se eu quero cuidar de mim, mimar-me, dar brilho à minha pele, reconectar-me e ser homem, está tudo bem. Foi a forma que encontrei, pelo menos nas minhas redes sociais, de quebrar aquele preconceitozinho que teima em fazer parte, também, da minha rotina.

(G.) — Como começaste a ter a tua própria rotina de maquilhagem?

(H.F.) — Com o gosto pela maquilhagem e à medida que me fui formando e informando fui crescendo nesse sentido de cuidar de mim, de me maquilhar, com cuidados básicos, fui melhorando isso em mim mesmo e com a partilha nas minhas redes desses cuidados e com o feedback que recebo sempre que faço este tipo de partilhas, quer seja feedback positivo ou negativo, é uma forma de continuar. Os comentários negativos acabam por me dar mais força. Afetam-me, é claro, sou uma pessoa bastante sensível, mas passa rápido, não ligo muito. Penso sempre: se tenho uma centena de comentários positivos, não me vou deixar abalar por um comentário negativo e tantas vezes sem nexo ou com um fundamento preconceituoso.  Tenho, também, sorte na comunidade que construi existir muito mais amor do que negatividade e toxicidade.

(G.) — Que mensagem pretendes deixar a todos os Homens que tem ainda receio de se maquilhar, mas que gostavam de o fazer?

(H.F.) —Não tenham receio. A maquilhagem não é o bicho papão, a maquilhagem dá-nos liberdade de sermos aquilo que nós quisermos. Não temos todos que colocar uma sobra azul no olho ou o batom vermelho, vamos, cada um de nós, sermos o que nós quisermos, quer seja em formato mais simples ou mais extravagante. Se quiseres usar a sombra azul e o batom vermelho, está tudo bem e também está tudo bem se quiseres apenas uniformizar a pele e colocar um blush. A maquilhagem é de todos e tenho recebido pedidos de ajuda, de vários homens, de dicas de maquilhagem, de incentivo e fico feliz quando já sei que vão construindo a sua própria rotina, que compram o que eu indico e que perdem o medo. A maquilhagem não é exclusiva para mulheres, é de todos e para todos e, portanto, usa e faz dela o que tu queres. Usa a maquilhagem de forma que te agrada, que te faz sentir confortável e da forma que te revês.

(G.) — Qual o maior desafio com que já te confrontaste nesta área?

(H.F.) — Esta área é pequena e feita de poucas pessoas. Torna-se difícil impores o teu lugar e afirmares-te, penso que é muito por aí. O desafio é teres sempre muita informação todos os dias e tu continuares o teu caminho e abstraíres-te, por um bocado, de tudo o que acontece à tua volta e conseguires afirmar o teu próprio caminho. Eu considero-me o maquilhador dos afetos, tal como era o educador dos afetos, sou agora o maquilhador dos afetos e é por aí, é saberes qual é o teu lugar e como olhas para a tua paixão. Eu olho para a maquilhagem como muito mais do que uma transformação. É brilho e confiança.

O maquilhador com a cantora Bárbara Tinoco, após maquilhar e pentear a artista para um concerto.

(G.) — Qual consideras ser o maior desafio para quem pretende fazer da maquilhagem profissão?

(H.F.) — Saberes, à partida, que tens de fazer por ti próprio, lutar por ti próprio e criares as tuas próprias oportunidades e, no fim, fazeres da tua arte o sorriso das pessoas.

(G.) —Como se passa a mensagem de que todos são válidos?

(H.F.) — Eu nem sempre fui uma pessoa confiante, passei por fases muito difíceis na minha infância, mas depois percebi que a construção e a confiança estão em nós. Acompanhado de uma boa maquilhagem vai sempre uma boa conversa e uma perspetiva diferente, uma partilha, costumo dizer aos meus clientes para usarem as suas maiores inseguranças como as suas melhores armas, usem essas inseguranças como característica que vos diferencia e que vos dá poder. Ao longo da maquilhagem surge a boa conversa, surge o derrubar de inseguranças e o passar da mensagem de que todos são realmente válidos.

(G.) — Quem foram, ao longo do teu percurso, as tuas maiores inspirações?

(H.F.) — O meu irmão mais velho, durante grande parte da minha vida sempre me guiei por ele. Foi graças a ele que comecei na música e que não desisti, muitas vezes quando pensava que não era capaz. E os meus pais, certo é que sou muito dos meus pais: sou a força e a coragem da minha mãe e tenho o afeto e a bondade do meu pai. Penso sempre no exemplo de que aos 40 anos a minha mãe, com 4 filhos, decidiu tirar a carta de condução porque ela não aguentava mais, precisava dessa autonomia, precisava de mais dinheiro ao fim do mês, precisava de ir estudar, depois do trabalho costurava e fazia rissóis, para nos sustentar e eu revejo-me um bocadinho nisso. Para conseguir comprar laca ou outros produtos fui animador de festas de aniversário, fazia maquilhagem aos fins de semana, sempre trabalhei e estudei. Já o meu pai é a pessoa do abraço e do amo-te, tal como eu sou o maquilhador dos afetos.

O maquilhador em trabalho, já em Lisboa | ©Kat V Photographer

(G.) — O Hugo Freitas, gordinho, que ficava sempre para último nos jogos de educação física, faz ainda parte deste novo Hugo Freitas?

H.F.) — Faz, para já porque eu não deixei de ser gordinho! [risos] Continua a fazer parte da minha vida e acho que nunca pode deixar de o fazer. Ainda bem que o Huguinho gordinho faz parte deste novo Hugo Freitas, porque talvez se eu não tivesse passado por aquilo tudo não tinha construído tanto a minha confiança. Agora gosto de me olhar ao espelho e pensar “sou um gordinho com estilo!” [risos] Quando a confiança vai abaixo, ela volta! Porque é assim a vida, faz-me lembrar que nem sempre as coisas são coloridas, mas que a cor volta sempre. Esse Huguinho gordinho faz-me, também, olhar para outros casos e sentir empatia e tentar dar confiança aos outros, quer seja através da maquilhagem ou não, e mostrar que eles também são capazes.  Contudo, eu diria a essa Huguinho para não ligar aquilo que os outros dizem e que os outros pensam, seguir sempre o seu rumo, seguir o seu objetivo, reunido das pessoas que o querem bem e, principalmente, seguir sempre o seu sonho, sem deixar que as incertezas atrapalhem.

(G.) — Tornaste-te, em pouco tempo, uma referência a nível regional, no mundo da maquilhagem. Que missão tem o Hugo Freitas, maquilhador?

(H.F.) — [lágrimas] Faltam-me as palavras. Eu simplesmente faço o meu trabalho e entrego-me a 100%, a minha prioridade agora é a minha profissão, a minha arte e se isso é uma referência para os outros fico feliz, apesar de não ser com esse propósito que faço maquilhagem. A minha grande missão é ser o maquilhador dos afetos, é ser o maquilhador que faz os outros felizes, é ser mais do que um maquilhador, mas sim uma pessoa que com o seu sorriso e energia consegue mudar o outro, que com um “pó de perlim pimpim” consegue dar mais confiança ao outro, com um bom diálogo a acompanhar, com uma boa mudança de perspetiva, com o conhecer a pessoa que está à minha frente e fazer a diferença na vida daquela pessoa. É abraçar, com maquilhagem, a pessoa que está à minha frente.

Texto de Carlota Dâmaso

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