São pouco menos de 600 km de comprimento por pouco mais de 200 km de largura. Forma retangular, compacto e, dizia o poeta, à beira-mar plantado. Algures entre os 10 e os 11 milhões de pessoas, maioritariamente nos últimos dois terços da vida, mais do que no primeiro. Segundo o Instituto Nacinal de Estatística, são mais de 723 mil casas habitáveis vazias em Portugal, e cerca de 150 mil só na zona de Lisboa. Num país onde se fala, justificadamente, de um problema de falta de acesso à habitação, talvez fosse oportuno tentar fazer uma análise séria às causas e às possíveis respostas.
1. A especulação imobiliária e a capitalização da propriedade como um ativo financeiro. A política de atração de capital estrangeiro, seja através dos vistos gold, seja através de benefícios fiscais para residentes não habituais ou, mais recentemente, nómadas digitais, teve a capacidade de captar investimento para o país, animando o mercado imobiliário e o consumo interno, particularmente nos períodos de maior contração económica. No entanto, a outra face da moeda foi a distorção do preço real do mercado da habitação em Portugal, sobretudo nos grandes pólos urbanos das duas áreas metropolitanas – levando a uma subida acentuada dos preços praticados, alimentada apenas por uma minoria de pessoas com elevados rendimentos. Por mais paradoxal que possa parecer, mesmo limitada no número de pessoas, esta minoria foi suficiente para aumentar o preço generalizado do metro1 nas zonas de Lisboa e Porto através do arrastamento em cadeia, mesmo dos imóveis mais baratos.
2. O aumento do número total de habitação destinada ao Alojamento Local. Este não é um problema que afete de igual modo todo o país, ou sequer de igual modo diferentes zonas da mesma cidade. No entanto, há freguesias de Lisboa em que o número de habitações para Alojamento Local se sobrepõe ao número de casas para habitação própria – é o caso de Santa Maria Maior, por exemplo, onde cerca de 71% das habitações são para AL. Num país em que o turismo é uma fatia tão importante do Produto Interno Bruto, a proliferação de estabelecimentos destinados a empreendimentos hoteleiros ou alojamento local é uma importante fonte de rendimento para muitas pessoas. No entanto, o elevado número de habitações para alojamento local é, neste momento, um forte entrave à existência e disponibilização de casas para habitação permanente.
3. Um forte desequilíbrio territorial. A concentração da população no eixo litoral entre Setúbal e Viana do Castelo contrasta fortemente com as áreas do interior do país – “destaca-se a elevada densidade populacional nas áreas urbanas de Lisboa e do Porto, com valores superiores a 1000 hab./km2. No interior das regiões Norte e Centro do país e no Alentejo, a maior parte dos concelhos não ultrapassa os 50 hab./km2”. Criar uma estratégia que permita descentralizar os serviços do Estado, incentivar a fixação de profissionais de serviços públicos no interior, ao mesmo tempo que favoreceria a dinamização da economia e a criação de postos de trabalho fora da faixa litoral do país, permitiria, efetivamente, alavancar a atratividade dos territórios fora dos grandes centros urbanos no eixo territorial onde a densidade populacional é mais elevada.
4. Um mercado de arrendamento ainda pouco garantístico. De momento, olhando para o mercado de arrendamento, as condições exigidas pelos proprietários são de tal forma díspares e arbitrárias, que a proteção da confiança e segurança jurídica dos arrendatários fica gravemente comprometida. É o exemplo do número de meses exigidos pelos proprietários a título de caução, ou a falta de uma avaliação rigorosa do estado do imóvel no momento do início e do fim do contrato. Isto favorece a informalidade das relações no mercado de arrendamento, situação que ainda continua a persistir em Portugal em números bem mais elevados do que deveria. Todo este cenário se agrava pela dificuldade generalizada dos arrendatários em recorrer ao tribunal, e em tempo útil fazer valer os seus direitos.
5. A fraca eficiência energética das habitações em Portugal. O nível muito baixo da eficiência energética da habitação em Portugal é um problema com forte origem nas desigualdades socioeconómicas mas, simultaneamente, um fator do seu agravamento – em particular, pelo impacto que tem nas condições de saúde de quem vive em casas menos eficientes e pelos custos elevados do consumo de energia. Junta-se a isto o elevado número de casas vazias em Portugal – quando uma parte muito significativa do investimento em habitação no país deveria ser focado na reabilitação, com um forte enfoque na melhoria das condições de eficiência energética das habitações. O Plano de Recuperação e Resiliência é fundamental neste capítulo e um importante instrumento para a concretização deste desígnio.
Não há balas de prata para resolver a atual situação da habitação em Portugal. Às medidas já apresentadas pelo Governo – que representam uma inversão no rumo anteriormente seguido – e onde se inclui, também, a construção de novas habitações, importa juntar medidas complementares: numa estratégia mais ampla para combater este problema de forma interseccional e que permita enfrentar esta crise nas suas mais variadas vertentes. Melhorar o acesso à habitação e a dignidade na habitação pode, em simultâneo, resultar numa melhoria da coesão territorial em Portugal e na diminuição das desigualdades sociais.
1https://www.ine.pt/scripts/esc2019/Fractais.pdf
- Sobre o João Duarte Albuquerque -
Barreirense de crescimento, 35 anos, teve um daqueles episódios que mudam uma vida há pouco mais de um ano, de seu nome Manuel. Formado na área da Ciência Política, História e das Relações Internacionais, ao longo dos últimos quinze anos, teve o privilégio de viver, estudar e trabalhar por Florença, Helsínquia e Bruxelas. Foi presidente dos Jovens Socialistas Europeus e é, atualmente, deputado ao Parlamento Europeu.