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Opinião de João Duarte Albuquerque

Dia da Europa – celebrar e proteger o projeto europeu

Nas Gargantas Soltas de hoje, Dia da Europa, João Albuquerque projeta as eleições europeias de 2024.

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O ano de 2019 trouxe uma novidade importante para o panorama político nacional e europeu: pela primeira vez em várias décadas, a abstenção nas eleições para o Parlamento Europeu diminuiu, e aumentou o número total de votantes. Este fenómeno repetiu-se em vários países da União e inverteu uma tendência de diminuição de participação em vários atos eleitorais europeus, acalentando alguma esperança de que poderíamos estar perante um reavivar de sentimentos europeístas por parte dos eleitores. À data de publicação desta crónica, celebramos o dia da Europa e estaremos a cerca de um ano de novas eleições para o Parlamento Europeu. A data prevista para a realização destas eleições — 9 de junho — tem feito soar alarmes, pela proximidade a vários feriados e a possibilidade de novo aumento da abstenção em Portugal. Mas, então, o que está em causa nestas eleições e que temas podem chamar a atenção dos eleitores - em particular dos mais jovens - para os mobilizar a ir votar?

A primeira motivação tem um carácter existencialista. A esquerda costuma utilizar o mantra “No pasarán!” para exaltar o sentimento de resistência antifascista e anti-extrema-direita. Mas, infelizmente, estamos num contexto político em que este mantra já não é suficiente, porque já são muitos os casos em que a extrema-direita está direta ou indiretamente, no poder. Os primeiros casos ocorreram na Hungria e na Polónia, com o extremar de posições políticas de dois partidos relativamente mainstream, e que acabaram por conduzir a uma deriva autoritária nos dois países. Mais recentemente, assistimos às eleições em Itália, onde venceu um partido abertamente de extrema-direita - suportado por uma maioria de direita que inclui o apoio do centro-direita - e na Suécia, onde o terceiro partido mais votado, de centro-direita, subiu ao poder com o apoio do segundo partido mais votado — um partido de génese neonazi —, em que se consolidou uma tendência de bons resultados eleitorais da extrema-direita. Também na Finlândia estamos perante a iminência do regresso da extrema-direita ao poder, apoiando uma nova coligação governativa. E, por fim, o caso mais problemático — sem contar com as boas projeções que a extrema-direita têm na Alemanha e na Áustria — poderá vir a ser a França nas próximas eleições presidenciais, em que se projeta já uma possível vitória de Marine Le Pen.

Perante tudo isto, afigura-se bastante possível um reforço eleitoral da extrema-direita no Parlamento Europeu. Qual é o problema? Se nos guiarmos por aquilo que tem sido a sua conduta nestes últimos anos, é de temer um aumento das ameaças ao próprio sistema democrático, à construção do projeto europeu, de restrição dos direitos das minorias e uma estratégia de contínua ameaça ao estado social europeu. É mesmo uma razão de sobrevivência existencial, garantir que os democratas e europeístas se mobilizam na defesa dos valores europeus e dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, contra todos aqueles que as querem eliminar.

A segunda motivação deve ser o próprio papel desempenhado pela União Europeia na vida de cada um de nós. Vamos a exemplos concretos. Mais de 60% da legislação que se produz atualmente em Portugal deriva de legislação da União Europeia. Desde as coisas mais tangíveis — o carregador único, o roaming gratuito, o Erasmus e a livre circulação — até a coisas menos visíveis ao olho - como é o caso da proteção de dados online, o combate às alterações climáticas ou a coordenação na área da saúde durante a pandemia. A lista de temas com impacto na nossa vida que resultam do processo legislativo europeu é quase infindável, desde o mar — com a proteção da biodiversidade marinha ou a regulação das pescas —, ao ar — com a proibição da venda de veículos automóveis que emitam gases poluentes para a atmosfera a partir de 2030 ou os restantes pacotes do Fit For 55 —, à terra — com o mecanismo europeu de proteção civil, acionado em caso de catástrofes naturais ou com o novo ato para a restauração da natureza. Estes são só alguns exemplos de entre muitos. Complementaria estes exemplos com os importantes avanços na área dos direitos sociais, quer com a aprovação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, quer com as diferentes ações para combater a pobreza, eliminar as desigualdades - incluindo as de género — combater as dificuldades no acesso à habitação ou promover políticas ativas de emprego. Em suma, são muitas as áreas em que a “Europa”, essa entidade que insistimos em classificar como abstrata, burocrática, complexa e longínqua, traz muitas melhorias e benefícios à nossa vida diária.

Em terceiro lugar, e para finalizar, embora a lista pudesse ser continuamente aprofundada, há uma motivação suplementar. Curiosamente, é também aquela de que mais recorrentemente nos parecemos esquecer, mesmo estando na génese de todo este projeto: a paz e a segurança. Não querendo entrar por grandes dissertações históricas sobre o processo de construção da atual União Europeia, é inegável que desde o primeiro momento o projeto europeu teve como clara intenção acabar com as divergências políticas de uma Europa de nações que, poucos anos antes, estava mergulhado na mais profunda e mortal guerra fratricida de que há memória no nosso continente. A verdade é que, passados mais de 70 anos da Declaração Schuman, os principais envolvidos na Segunda Guerra Mundial — e em quase todas as guerras europeias que lhe antecederam — não mais se voltaram a confrontar num campo de batalha. São quase 80 anos de paz no continente europeu — exceção feita ao período de guerras civis após a desintegração da Jugoslávia — que têm vigorado até aos dias de hoje. A 24 de fevereiro do ano passado, contudo, este período de paz foi interrompido. A invasão da Ucrânia por parte da Rússia, violando a sua integridade territorial e os princípios fundamentais do Direito Internacional, trouxeram novamente o espectro da guerra ao nosso continente e provocaram uma série de acontecimentos em cadeia que têm um impacto direto na vida de todos nós. Se olharmos para Oriente, mais concretamente para o estreito de Taiwan, o clima de tensão parece agravar-se e persiste a indefinição sobre o que poderá acontecer num futuro próximo. A União Europeia demonstrou, ao longo da sua história, como é um garante de paz, de segurança e de estabilidade. E como é, também, promotor destes mesmos ideais, assentes numa cooperação multilateral que privilegia a diplomacia, o comércio e as trocas culturais por sobre as ações militares. É por isso que esta é a motivação primordial, a mais importante dos nossos dias, e aquela que garante que tudo o resto é possível.

Assim, daqui a um ano, quando todos formos chamados a votar nas eleições europeias, e convidados a mobilizar família, amigos, conhecidos e desconhecidos; quando tivermos de procurar os motivos para nos dirigirmos às urnas para manifestar a nossa posição política, que o façamos por todas estas motivações — e por todas as outras que poderiam aqui ter sido enunciadas. Mas, acima de tudo, que o façamos para preservar um projeto de paz, de segurança e de proteção dos direitos individuais e coletivos de cada uma e de cada um de nós.

- Sobre o João Duarte Albuquerque -

Barreirense de crescimento, 35 anos, teve um daqueles episódios que mudam uma vida há pouco mais de um ano, de seu nome Manuel. Formado na área da Ciência Política, História e das Relações Internacionais, ao longo dos últimos quinze anos, teve o privilégio de viver, estudar e trabalhar por Florença, Helsínquia e Bruxelas. Foi presidente dos Jovens Socialistas Europeus e é, atualmente, deputado ao Parlamento Europeu.

Texto de João Duarte Albuquerque
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

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