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Ana Luiza Tinoco

Uma entrevista a Ana Luiza Tinoco, autora da obra literária “Feito bicho geográfico, há que se caminhar por dentro”, originalmente publicada na Revista Gerador 41, que podes descobrir também em baixo.

Texto de Amina Bawa

©Luís Perdigão

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Ana Luiza Tinoco faz questão de descrever-se como escritora potiguar, palavra em tupi-guarani que significa "comedor de camarāo" e é utilizada no Brasil para reconhecer quem nasce no Rio Grande do Norte, no nordeste brasileiro. Vinda da cidade do sol para a cidade das sete colinas, está sempre carregada pela obsessão pelas palavras, seja ela falada ou escrita. 

Co-fundadora do "Slam das Minas Coimbra”, primeiro colectivo de batalha de poesia falada apenas de mulheres em Portugal, também é vencedora do Poetry Slam Coimbra 2020, finalista do 7° Portugal.SLAM! - Festival Internacional de Poesia e Performance, além de ter várias publicações em antologias, revistas e zines. É autora dos livros pororoca (Ed. Urutau, 2022) e Insulto à Decência (Ed. Hecatombe, 2022). 

As palavras de Ana Luiza perpassam os caminhos artísticos e chegam ao ambiente académico no qual é Mestra em Ciências Criminais pela Universidade de Coimbra com mobilidade na Universidade de Salamanca no programa de "Estudios Interdisciplinares de Género" tendo centrado a sua dissertaçāo nos estudos sobre a "Cultura da Violaçāo".

Ao mudar-se para Lisboa, coordenandou projetos de combate à violência sexual e à violência doméstica na UMAR - Uniāo de Mulheres Alternativa e Resposta e faz parte do podcast de poesia "Baiāo de duas".

Ana Luiza traz a sua arte em formato de poesia, usando a vida e a raiva como um acelerador de histórias. Repleta de vivências fora do Brasil, local onde nasceu, Ana coloca sua brasilidade como referência nos seus vários projetos pela Europa. Da poesia ao incómodo, há muito de Ana Luiza Tinoco na obra literária desta edição.

Feito bicho geográfico, há que se caminhar por dentro

Cresci romantizando a loucura que diziam ter as/os poetas. Parecia tudo tão seguro e distante, e eu sempre respeitei a distância de segurança, até que ela me engoliu, e colidimos.

A poesia afinal não é inofensiva, pensei, quando a loucura me invadiu em forma de parasita. Primeiro desenhou estradas na minha mão, tatuou o meu umbigo, encontrou por ali um resto de pão adormecido, desceu até aos pés. Fazia cócegas, mas eu secretamente gostava.

Os pés que me trouxeram até aqui finalmente ganhavam o reconhecimento que mereciam, meus pés de mulher imigrante agora carregavam na pele o mapa do nosso caminho, veredas tortuosas, mais avermelhadas e inflamadas em alguns percursos que em outros, mas linhas vivas. Em movimento.

Me peguei apaixonada por um bicho geográfico1, não queria que ele fosse embora, tínhamos tanto em comum. Acordava com saudade do meu bichinho, ansiosa por descobrir o roteiro da nossa próxima aventura. Ele me percorria, e porque me percorria, aprendi com um lagarto, eu caminhava como uma mulher percorrida. Ele era meu.

No dia em que ele partiu enxerguei a cartografia dos bichos enquanto caminho. É que ele me percorria por dentro, e na sua sabedoria ignorante de bicho, a sabedoria dos bichos que rastejam, me ensinou que há que se percorrer por dentro, causando coceira, irritação, relevo. Fazendo b a r u l h o.

Quem discute com bicho perde, aceitei. Descobri que velar alguém partir também é movimento, afinal um bichinho viveu e morreu em mim, desde então é só inquietação inquietação inquietação e

muitas 

perguntas 

fazer.

Digam-me como é possível, por exemplo, ser atravessada/o diariamente por discursos sexistas, misóginos, racistas, xenófobos e colonialistas através da arte em suas diversas formas de linguagem como cinema, música, literatura, teatro e publicidade e reproduzir comportamentos igualitários? Digam-me, como é possível mudar esses discursos? Digam-me, como é possível mudar esses discursos se não nos deixam entrar? Digam-me, como é possível entrar? Há interesse em deixar-nos entrar? A quem interessa o nosso silêncio? Qual a relação entre silenciamento e apagamento? Ei, vocês conseguem-me ouvir? Falamos a mesma língua. Falamos? Digam-me, de uma vez por todas, é sequer possível? Entrar?

A arte imita a vida, que imita a arte, assim, num eterno retorno. Podemos estudar a mentalidade de uma sociedade através de suas produções artísticas, e, também, perceber a influência destas nas mentalidades dos indivíduos que a constituem, pois a arte é a extensão do pensamento social e, ao mesmo tempo, uma poderosa agente formadora de opinião e de desconstrução estrutural. As pessoas formatam os seus valores, as suas subjetividades, as suas ideias sobre o outro, as suas crenças e mundividências em função da cultura que consomem e em que estão inseridas e esta é determinada pelos meios e as pessoas que a comunicam.

Ou seja, a análise da produção artística é, também, uma análise social, pois a arte e a sociedade caminham lado a lado em sua evolução, em um processo dinâmico que gera modificações uma na outra dentro da eterna ampulheta da existência. Afinal, a cidade participa da arte, não inerte como um museu a céu aberto, mas em simbiose, caminhando com a história. 

E, aprendemos com a revolução dos bichos, há que se caminhar por dentro.

1Larva migrans é um parasita presente nos cães e gatos e que se pode hospedar na pele dos seres humanos, causando inflamação. As lesões provocadas pela larva são sinuosas e formam uma espécie de mapa, motivo pelo qual ficou conhecida como bicho-geográfico.

Quisemos saber mais sobre a inspiração desta obra e partilhamos contigo, de seguida, a breve entrevista que fizemos à Ana Luiza.

Foste a autora da obra literária desta Revista Gerador. O que tiveste em consideração ao escrever sobre a poesia, a segurança e vida?

Escrever poesia e escrever sobre poesia é desconfortável e a zona de conforto é um espaço seguro. A questão é que não temos um poder de decisão sobre essa geografia, ela engole a gente. 

Como se unem o ponto de vista de uma imigrante, a viagem, as palavras e o bicho geográfico?

O bicho geográfico sou eu, é a imigração, a viagem, e as palavras. 
O bicho geográfico também é a poesia e a poesia sou eu. 
A minha poesia é também a viagem e a imigração. Mais a travessia e as veredas que o destino.
Tudo junto e misturado. 

Na tua obra, dizes que “(...) a análise da produção artística é, também, uma análise social (...)”. Como uma pessoa nova na cidade reconhece e interfere neste ambiente após esta análise?

Eu moro em Portugal há quase 8 anos, não sou propriamente nova na cidade (risos). Mas se novo significar um corpo imigrante, que traz novos olhares e esperas, eu acredito que reconhecer esse ambiente e fazer essa análise vem exatamente desse tempo e de muita frustração. Já sobre interferir neste ambiente, essa é a questão: não interfere. Ou interfere goela abaixo. Um exemplo disso é o livro do qual participo chamado "Volta Para Tua Terra: Uma Antologia Antiracista/ Antifascista de Poetas Estrangeirxs em Portugal" da Editora Urutau, em que o primeiro volume traz 49 autores, oriundos de 9 países, que fazem da poesia um lugar político de resistência e de ressignificação dessa expressão tão dolorosa, fazendo do eco um bumerangue. O segundo volume teve o Museu do Aljube, símbolo da resistência antifascista e democrática de Portugal, como local de lançamento e ocupar esse espaço com corpos (a nossa geografia mais próxima) e olhares imigrantes é extremamente simbólico e poderoso. É nesse sentido que falo que há que se fazer revolução por dentro, contudo ser sempre tida como de fora, como “a outra/o outro”, dificulta essa mistura que é multicultural mas não é, ainda, intercultural. 

Qual é o poder da palavra quando referimos a escrevivência como estilo?

Conceição Evaristo criou esse termo pensando na fala de mulheres negras escravizadas que tinham de contar suas histórias para a casa-grande, inclusive para ninar as filhas e os filhos dos outros. A partir daí, ela compreende essa escrita das vivências diárias como instrumento para caminhar um caminho inverso, de ressignificação do passado, mas sem esquecê-lo, pelo contrário, falando e falando sobre ele, para incomodar. A poesia incomoda não apenas quem escreve, o mais fascinante sobre ela é que ela tem o poder de incomodar também quem lê, o poder de provocar reflexões, de devolver a dor da forma mais elegante possível. Não subestimem o poder da poesia, ela é dissimulada.
Tenho uma amiga poeta chamada Carol Braga que escreveu um livro chamado ¨Minha raiva com uma poesia que só piora", em que ela devolve a raiva pelas vivências enquanto mulher negra e imigrante brasileira em Portugal que foi despejada em forma de poema e eu acho isso lindo. Meu texto é também sobre isso, sobre o incômodo, sobre a raiva. Raiva é combustível.

A obra literária foi originalmente publicada na Revista Gerador 41, que podes comprar aqui:

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