Reportagem de Ioana Gabriela Cherciu, publicada originalmente em Eurozine, a 16 de dezembro de 2024
Há um incêndio no centro de Bucareste, Roménia. Doze hectares de árvores e vegetação estão a ser destruídos e prestes a desaparecer do mapa da cidade. Observam-se danos no parque Alexandru Ioan Cuza, conhecido localmente como IOR, um parque com 50 anos e uma história complexa. É o único sítio que arde constantemente em Bucareste, seja qual for a estação do ano.
Formaram-se dois campos opostos relativamente à transformação do parque. Enquanto os atores da sociedade civil fazem campanha para que o parque seja reconhecido como espaço público, as autoridades e instituições públicas, juntamente com os promotores urbanos, parecem ter uma agenda diferente. A falta de responsabilidade oficial e de aplicação sistemática da lei está a impedir, em vez de apoiar, as preocupações dos cidadãos locais. Nos bastidores da vida quotidiana da cidade, das suas ruas, casas, árvores e trânsito, está a desenrolar-se um amplo conflito a vários níveis entre os cidadãos e os proprietários, os inquilinos e o Estado.
A emergência do parque revela uma história complicada que entrelaça traumas não resolvidos da história comunista recente (relacionados com conflitos sobre direitos de propriedade litigiosos), corrupção nas instituições públicas, desenvolvimento urbano não regulamentado e políticas ambientais mal implementadas. O impacto da desflorestação ilegal neste cenário natural aponta para uma questão que é normalmente ignorada: a importância do espaço verde urbano.
Rastreio da propriedade
A degradação do parque IOR enquanto entidade pública começou muito antes do início dos incêndios. Desde a queda do comunismo em 1989, a Europa de Leste tem vindo a confrontar-se com questões relacionadas com a política da memória. Surgiram questões sobre a forma como a história recente é registada e comunicada ao público — o que está a ser contado e o que está a ser omitido. Em toda a região, os países adotaram diferentes métodos para lidar com esta questão, incluindo recompensas financeiras e simbólicas para indivíduos perseguidos pela sua posição política, reabilitação judicial de prisioneiros políticos, reescrita de livros de história e remodelação de museus.
Um aspeto importante da democratização foi a restituição da propriedade que tinha sido assumida durante o comunismo. A população geral, especialmente os que tinham sido prejudicados, encarou-a como uma redenção dos pecados do passado e uma assunção de responsabilidades em seu nome. O parlamento romeno introduziu a Lei 10/2001, que abordava o estatuto jurídico dos bens imóveis que tinham sido adquiridos pelo regime comunista entre 6 de março de 1945 e 22 de dezembro de 1989. Embora a lei tenha permitido a restituição das propriedades de Bucareste, a fraca forma como foi aplicada ainda hoje assombra a sociedade romena e a sina da cidade.
A parte do parque IOR que é frequentemente incendiada está sujeita a esta circunstância específica. A história do parque situado no bairro Titan, Distrito 3, no coração da capital, revela que, no início do século XX, o local fazia parte de uma vasta propriedade de I.B. Grueff, um latifundiário búlgaro, que arrematou o terreno num leilão em 1903. Na altura, Grueff possuía o equivalente a quase todas as partes do bairro Titan e de todo o distrito. As mudanças políticas na Roménia alteraram o rumo da propriedade: o processo de nacionalização colocou grande parte da riqueza de Grueff sob o controlo do Estado comunista em 1945.
O bairro Titan era uma das maiores zonas operárias de Bucareste. Na década de 1960, arquitetos inspirados por Le Corbusier desenvolveram ideias de planeamento urbano espaçosas, incluindo um vasto parque que visava a interação das pessoas. O parque, uma vez concluído em 1970, foi denominado IOR, um acrónimo retirado do nome da fábrica vizinha Întreprinderea Optică Română (empresa ótica romena). A fábrica, que produzia uma vasta gama de produtos óticos, tais como óculos, câmaras e telescópios, era um símbolo do importante passado industrial local. Após a queda do comunismo, o nome do parque foi alterado para Alexandru Ioan Cuza, mas as pessoas continuam a referir-se ao mesmo como IOR.
Nos anos 90, todo o parque ainda constava dos documentos de planeamento urbano como espaço público. Mais tarde, em 2005, o sobrinho de Grueff, que era o seu herdeiro legal, cedeu parte do parque e os seus direitos de propriedade em disputa a Maria Cocoru, uma mulher na casa dos 80 anos, cuja reivindicação do terreno continua a ser misteriosa. Nessa altura, a Câmara Municipal de Bucareste cedeu o terreno do IOR a Cocoru, ao abrigo da Lei 10/2001, passando o seu estatuto jurídico de propriedade pública a privada. O nome de Cocoru aparece não só como proprietária desta área disputada do parque, mas também de vários outros espaços verdes em Bucareste, incluindo o parque Constantin Brâncuși, que recebeu o nome do famoso escultor romeno, um parque de 1431 metros quadrados. O parque Brâncuși está em mau estado de conservação há cerca de cinco anos e inutilizável — foi abandonado.
Bombeiro a intervir no fogo o Parque IOR. Video via Facebook ‘ISU București-Ilfov’
Corrupção na categoria de planeamento
Dan Trifu, líder da Fundação EcoCivica e especialista em legislação sobre espaços verdes e planeamento urbano, traça a história da privatização dos espaços verdes urbanos romenos até 2000. Quando o Plano Geral Urbano de Bucareste (PUG) foi concebido, muitas áreas verdes e parques em Bucareste foram listados no documento como áreas edificáveis, o que significa que potenciais projetos de construção eram permitidos nessas áreas, embora estas devessem ter sido categorizadas sob o código habitual usado para áreas verdes ou parques. Os 12 hectares do IOR foram incluídos na lista do PUG sob o código CB3, que “permite à autarquia local desenvolver projetos de construção, como instituições administrativas, culturais e sociais na área”, afirma Trifu.
A Fundação EcoCivica interpôs dezenas de ações judiciais, sobretudo devido a espaços verdes restituídos na cidade, deparando-se com aquilo que Trifu descreve como “a máfia imobiliária que se apoderou de partes da cidade”. Trifu chama a atenção para a ligação entre investidores e políticos que beneficiam de interesses imobiliários comuns orientados para o lucro. Em alguns casos, os investidores começam por ser membros de partidos ou colaboram diretamente com eles. As parcelas de terreno de quase todos os parques de Bucareste estão registadas com códigos PUG que permitem a construção. As zonas verdes entre blocos de apartamentos e praças já foram remodeladas.
Os parques desapareceram devido a interesses de construção ou foram abandonados. Segundo os meios de comunicação social locais, 609 hectares da Floresta Băneasa — o maior espaço verde na área administrativa de Bucareste — foram objeto de restituição. Os nomes de políticos e empresários foram associados a construções na floresta. A integridade da floresta está cada vez mais ameaçada pela expansão dos bairros residenciais, pelo abate ilegal de árvores, pela caça furtiva e pela fragmentação.
Esta situação reflete um padrão mais amplo de má gestão da ordem social pós-comunismo, em que os interesses privados prevalecem frequentemente sobre os interesses públicos e a qualidade de vida. Segundo a publicação investigativa RiseProject, o mercado cinzento dos direitos de propriedade litigiosos compete com o mercado negro da droga em termos de lucros gerados. O fenómeno é conhecido localmente como “a máfia das terras restituídas”.
Defender o espaço público
Foram precisos cerca de oito anos para que a maioria dos visitantes do parque IOR se apercebesse de que 12 hectares do espaço que consideram o seu parque precioso já não eram públicos. As pessoas continuaram a frequentar o parque porque sentiam que o local lhes pertencia, que fazia parte da sua história, da sua memória coletiva, de várias gerações. Em parte, alguns cresceram ou criaram os seus filhos ali.
Filha da Maria, Parque IOR. Imagem da cortesia do entrevistado.
Maria, uma mulher de 68 anos que vive no bairro desde que foi construído, recorda com nostalgia os momentos especiais que ela e a sua filha passaram ao passear pelos caminhos que foram restituídos: “A minha filha aprendeu a andar no parque. Quando cresceu, foi lá que aprendeu a andar de patins. Estava cheio de plátanos e roseiras. Sempre considerei aquela área do parque uma maravilha. Tenho saudades”.
Em 2012, a Câmara Municipal do Distrito decidiu processar Maria Cocoru, com o objetivo de devolver a parte restituída do parque à propriedade pública. Um processo judicial que durou 10 anos, durante os quais o espaço ficou num limbo jurídico. Foi nessa altura que o público geral tomou conhecimento do estado do parque. No final, a Câmara Municipal do Distrito não apresentou as provas necessárias de que a área em questão alguma vez foi um parque. Não apresentou provas suficientes de que a área tivesse sido desenvolvida como espaço recreativo ou que contivesse outras instalações de utilidade pública de interesse local. Perdeu o processo a favor do proprietário no Supremo Tribunal de Cassação e Justiça em outubro de 2022. Segundo testemunhas do processo, como Dan Trifu e conselheiros locais, não foram apresentados em tribunal quaisquer testemunhos nem documentos que demonstrassem o investimento da Câmara Municipal na reabilitação do parque. Dan Trifu afirma que a falta de provas torna questionável a legitimidade do processo.
Recreação sob fogo
Ocasionalmente, um grupo cívico organiza piqueniques na área restituída, em terra preta coberta de cinzas. Estes convívios não pretendem ser protestos no sentido clássico, mas antes uma ligação simbólica a um lugar que deveria pertencer a todos. É uma forma de os habitantes locais se encontrarem e se envolverem em atividades sociais: comer, conversar, tirar fotografias — tudo no meio de uma paisagem desoladora. Os piqueniques são uma forma de protesto alternativo, em que os ativistas não querem apenas adaptar-se ao espaço desolado existente, mas reinventar e reimaginar o seu potencial. Transformam a secção privada e restituída do parque, pelo menos durante algumas horas, num espaço de lazer e de alegria coletiva.
Estão ligados ao grupo Here Was a Forest/Here Could Be a Forest (este lugar foi uma floresta/este lugar podia ser uma floresta), criado em 2023, onde artistas, juntamente com residentes descontentes e desesperados da zona, começaram a organizar protestos regulares perto do parque. Exigem que os 12 hectares de propriedade privada ilegal sejam transferidos legitimamente de volta para a propriedade pública, alegando que as autoridades “fecharam os olhos” às injustiças que aconteceram ao parque. Consideram que os cidadãos locais não são verdadeiramente consultados relativamente ao planeamento do desenvolvimento urbano.
Andreea David, que organiza os protestos do grupo, diz que os membros foram assumindo espontaneamente os seus papéis ao longo do tempo. Outros estão envolvidos na documentação e investigação de questões legislativas e arquivos relacionados com a história do parque, ou na redação de pedidos e envio de petições a instituições públicas como a guarda local do Município de Bucareste e a Câmara Municipal do Distrito, instando-as a tomar medidas imediatas. O grupo também produz um jornal online e impresso, The Titans Don't Sleep, que documenta o caso. Têm um Website que funciona como plataforma de informação digital para todos os interessados na história do parque e na sua restituição, porque consideram importante traçar a memória do parque e registar as etapas da sua destruição.
Indo um pouco mais longe, o grupo de iniciativa cívica IOR-Titan, um dos mais antigos grupos de defesa do parque, iniciou em maio de 2024 uma ação judicial contra a decisão de restituição de 2005 da Câmara Municipal de Bucareste. Esta ação, esperam, será decisiva para o futuro do parque. Se conseguirem provar em tribunal que o IOR foi ilegalmente objeto de restituição, a Câmara Municipal poderá recuperar o terreno e torná-lo novamente público. Investigando meticulosamente os arquivos da Câmara Municipal e os documentos cadastrais dos anos 80 e 90, o grupo argumenta que o IOR era um parque na sua totalidade desde a sua construção e que o seu estatuto de espaço público nunca foi oficialmente alterado até à restituição de 2005, o que torna a sua restituição ilegal.
Protesto no Parque IOR, Bucareste, Roménia. Imagem da cortesia do autor.
Como Trifu explica, provar em tribunal as ilegalidades da restituição de espaços verdes e parques é uma solução mais sustentável a longo prazo do que a expropriação, uma vez que só muito poucos casos de expropriação foram bem-sucedidos. “Na maioria das vezes, quando pedimos a expropriação, o município respondeu que não tinha fundos suficientes para o fazer. Disse-lhes para olharem novamente para a forma como as decisões de restituição foram emitidas: será que estas pessoas têm realmente o direito de possuir estas áreas?”
Destruição planeada
É importante notar que existe uma lei que, pelo menos teoricamente, deveria proteger os espaços verdes em Bucareste. O Decreto de Emergência nº. 114/2007 proíbe a mudança de utilização dos espaços verdes, independentemente da forma como estão inscritos nos documentos de planeamento urbano, independentemente de serem públicos ou privados.
Esta lei, juntamente com a Lei dos Espaços Verdes nº. 24/2007, deveria impedir que os promotores imobiliários obtivessem licenças de construção em espaços verdes, no entanto, em muitos casos, a lei parece ser insuficiente para impedir a destruição de parques. Quando a natureza se interpõe no caminho do lucro, os promotores imobiliários apagam qualquer prova de que um determinado terreno foi alguma vez um espaço verde, de modo que a lei já não o pode proteger. Enquanto houver árvores a crescer num terreno restituído, não podem construir nada. Os incêndios são um método agressivo para acelerar o processo de obtenção da licença de construção.
Especialistas, habitantes locais, ativistas e os poucos políticos que se pronunciaram publicamente sobre a destruição do IOR, descreveram o fogo posto como uma estratégia dos proprietários para libertar o espaço para um complexo de arranha-céus, daí a urgência em remover todas as árvores e, na verdade, todo o ecossistema daquela zona. Os administradores do terreno já puseram mãos à obra, alugando-o a vários interessados, que começaram a montar um parque de diversões no terreno carbonizado. Escorregas insufláveis e passeios de carrossel, comboios e carrinhos de choque para crianças surgiram na paisagem queimada e apocalíptica. Do nada, as “diversões” não estão cobertas por uma licença, nenhum nome foi associado ao projeto, nenhuma data de início ou de fim foi mencionada.
Até à data, 90% da área restituída do parque IOR foi queimada. A visão é impressionante: pilhas de árvores enegrecidas em cima umas das outras. A terra está tão queimada que já nada cresce ali. A regeneração parece impossível. A ideia parece ser que, eventualmente, os cidadãos locais deixarão de ter algo por que lutar, que serão silenciados.
Numa declaração pública à imprensa, Eugen Matei, vereador do Distrito 3, reforça esta hipótese: “Cortam as árvores para poderem dizer que não há espaço verde. É uma tática semelhante à daqueles que tinham casas classificadas, que negligenciavam até que caíssem, e que depois podiam pedir licenças de demolição e de construção para edifícios de dez andares”.
Ana Ciceală, presidente da Comissão do Ambiente do Conselho Geral, partilha a mesma opinião. A multa por abate ilegal de árvores, quando paga no prazo de duas semanas, é de apenas 5-100 lei por árvore (cerca de 4 euros). Ciceală é a única política que propôs uma lei ao Conselho Geral de Bucareste, defendendo o aumento da coima para 1000 euros por árvore.
Mas o seu projeto ficou parado no Conselho, devido a uma série de abstenções e rejeições. Ciceală explica: “Os vereadores disseram que não podiam aprovar este projeto porque a Câmara Municipal de Bucareste não está a emitir licenças de desflorestação com a rapidez suficiente. O argumento deles é basicamente que não devem emitir multas elevadas, apesar de estarem a permitir ilegalmente o abate de centenas de árvores, devido a um problema de licenças”.
Com as licenças a serem contornadas, não há provas claras de quantas árvores em Bucareste estão a ser cortadas por razões válidas. Não são mantidos registos transparentes sobre o número de árvores cortadas anualmente, os motivos e o número de árvores plantadas como substituição. Consequentemente, há inúmeros relatos na imprensa sobre pessoas apanhadas com motosserras na mão, a cortar árvores entre blocos de apartamentos, parques ou parques infantis verdes — todas elas áreas que foram objeto de restituição.
Parque de diversão improvisado, Parque IOR, Bucareste, Roménia. Imagem da cortesia do autor.
Para piorar a situação, a conservação das árvores em Bucareste também foi afetada pela alteração do Código Florestal. Até 2020, todas as árvores eram classificadas como vegetação e geridas conforme os regulamentos florestais. Arrancar, cortar ou danificar árvores era considerado uma infração florestal e podia ser objeto de um processo penal. Mas já não é esse o caso.
Além disso, não existe um registo funcional dos espaços verdes a nível municipal. Tal registo forneceria uma base de dados digital totalmente acessível que documentaria cada área do atual espaço verde público de Bucareste. Embora tenha sido elaborado um registo em 2013, a pedido da União Europeia, a fim de estabelecer e monitorizar o índice total de espaços verdes per capita na capital, este não foi atualizado, o que torna difícil avaliar a verdadeira realidade dos espaços verdes urbanos públicos. Além disso, o registo não foi aprovado pelo Conselho Geral do Município de Bucareste, o que não lhe confere qualquer valor jurídico.
Conflito de proteção
Desde 17 de janeiro de 2022, quando foi registada a primeira denúncia de incêndio no Parque IOR, a resposta das autoridades tem sido inconsistente. O comissário da polícia local não fez qualquer declaração pública sobre a situação, apesar de os ativistas terem exigido respostas.
O ativista e residente do bairro Titan, Beniamin Gheorghiță, explica o árduo processo de envolvimento das autoridades na proteção da zona. Foi necessário muito trabalho de persuasão para que fossem instaladas câmaras de vigilância na zona restituída e, atualmente, apenas 3 das 12 estão operacionais. De acordo com uma declaração da ISU Bucharest-Ilfov (inspeção-geral regional para situações de emergência) solicitada por Gheorghiță, ocorreram 28 incêndios na área restituída do parque IOR entre 17 de janeiro de 2022 e 26 de agosto de 2024. Na declaração da instituição, a causa de 21 destes incêndios estava relacionada com cigarros descartados. No entanto, a probabilidade de o mesmo local arder acidentalmente com tanta frequência devido a negligência é altamente improvável. Quanto aos restantes oito incêndios, não foi comunicada qualquer informação sobre quem os iniciou ou o motivo. Alguns dos habitantes locais, incluindo Beniamin, participam regularmente nas reuniões do Conselho, onde expõem as suas preocupações sobre o caso, mas não estão a ser tomadas quaisquer medidas.
Em julho de 2024, enquanto passeava no parque, Gheorghiță apanhou dois jovens com machados na mão enquanto atacavam a base de vários plátanos de grande porte, muito provavelmente com a intenção de os enfraquecer, para que caíssem mais depressa. Tudo isto aconteceu em frente à polícia. Quando Gheorghiță interveio, chamando a atenção da polícia, recebeu uma ameaça de morte do inquilino, que apareceu no local e se dirigiu a ele pelo seu nome, apesar de nunca se terem encontrado antes. Este incidente fê-lo temer pela sua vida e agora tem uma câmara de vídeo no seu carro, na entrada do bloco de apartamento onde vive e consigo, para documentar qualquer potencial ataque.
O mapa mostra o Parque IOR e sua área devastada pelo fogo. Imagens via Maps.
Os incêndios continuam, apesar dos protestos e das queixas. Após dois anos de incidentes registados, apenas uma pessoa foi detida em prisão preventiva. Um mês após a detenção do suspeito, em agosto deste ano, deflagrou outro grande incêndio a 9 de setembro, enquanto o homem ainda se encontrava em prisão preventiva, o que levantou suspeitas entre os habitantes locais de que mais pessoas estariam envolvidas no fogo posto. Este foi um dos incêndios mais violentos até à data, tendo destruído dois hectares de vegetação. O fumo foi tão denso que chegou à entrada do metro perto do parque, que milhares de pessoas usam diariamente. Os habitantes da zona sentem-se aterrorizados. Para além da poluição, do desconforto e dos efeitos nocivos do fumo para a saúde, temem que o próximo incêndio possa causar vítimas.
Saúde e bem-estar
De acordo com uma declaração à imprensa feita este verão pelo Presidente da Câmara de Bucareste, Nicușor Dan, a cidade perdeu 1600 hectares de espaços verdes desde 1990. Cerca de 300 hectares de espaços verdes foram objeto de restituição. Jardins, margens de lagos, pátios e praças, secções de parques e bosques urbanos foram transformados em blocos de apartamentos, parques de estacionamento, lojas e centros comerciais. As zonas verdes que restam correm o risco de desaparecer porque as leis existentes não as protegem suficientemente. A nível local, o município de Bucareste não dispõe de uma política ou legislação específica que abranja elementos relacionados com a biodiversidade, a gestão das zonas naturais protegidas e a conservação dos habitats, da flora e da fauna.
Várias instituições e ONG apelaram à criação urgente de um Registo de Espaços Verdes. A Guarda Nacional do Ambiente chegou mesmo a multar a Câmara Municipal de Bucareste em mais de 20 mil euros em 2021, mas, até à data, ainda não existe uma ferramenta pública para registar e gerir os dados dos espaços verdes urbanos públicos da cidade.
As políticas ambientais da UE estão a colocar mais ênfase do que nunca em trazer a natureza de volta às cidades através da criação de infraestruturas verdes biodiversas e acessíveis. A estratégia de biodiversidade da UE para 2030, por exemplo, salienta a importância de desenvolver planos de ecologização urbana nas grandes cidades e vilas, incentivando as partes interessadas locais em cada Estado-Membro a introduzir soluções baseadas na natureza no planeamento urbano para alcançar a resiliência climática. As alterações climáticas, a urbanização inadequadamente planeada e a degradação ambiental deixaram muitas cidades vulneráveis a catástrofes, pelo que estas políticas podem ser cruciais para a habitabilidade das zonas urbanas.
Segundo o relatório de investigação de 2022 sobre o “estado do ambiente em Bucareste”, a cidade tem aproximadamente menos de 10 metros quadrados de espaço verde per capita. O ambiente oxigenado de Bucareste é, por conseguinte, suportado por menos de uma árvore por pessoa, o que a coloca entre as cidades europeias com menos áreas verdes urbanas. Os dados sobre a superfície da infraestrutura verde global em Bucareste variam, mas em 2018 um estudo da Agência Europeia do Ambiente observou uma cobertura de cerca de 26% da área verde urbana, significativamente inferior à média de 42% nos 38 países membros da AEA. Na Roménia, a poluição de alto nível está associada a um número crescente de doenças, como infeções respiratórias, ataques cardíacos e acidentes vasculares cerebrais. De acordo com um estudo realizado pela Comissão Europeia em 2021, a poluição atmosférica contribuiu para cerca de 7% das mortes (mais de 17 000 mortes) na Roménia, uma percentagem mais elevada do que a média da UE de cerca de 4%.
O caso do desaparecimento das árvores e da natureza urbana de Bucareste, que encontra a sua manifestação mais agressiva no parque IOR, reflete a forma como os problemas ambientais e urbanísticos não existem no vazio. São um reflexo direto da forma como a corrupção tem impacto na vida humana e corrói a relação entre as pessoas e o espaço que habitam.
Sem um plano de gestão, os promotores imobiliários constroem sem controlo, contribuindo para a redução da biodiversidade urbana. A situação atual realça a urgência de uma regulamentação clara e da proteção do património natural de Bucareste. Também põe em evidência a fraca legislação e a falta de consciência ambiental por parte das instituições públicas, bem como o interesse no lucro imediato e a curto prazo em detrimento do bem-estar das pessoas e da sustentabilidade da cidade, especialmente em tempos de alterações climáticas em que é necessária resiliência.
O que se passa no IOR pode ser uma história sem fim, que se repete constantemente noutros locais, se certas realidades burocráticas e lucrativas não mudarem de rumo, se a raiz do problema se mantiver. Apesar de tudo, as pessoas continuam a lutar para que o espaço volte a ser do domínio público. A sua esperança mantém-se.
Tradução: Rita Azevedo | Voxeurop
Esta reportagem é publicada no âmbito do Come Together Fellowship Program, um programa de formação para jovens jornalistas que foi desenvolvido em parceria com vários órgãos de comunicação independentes europeus. O texto original foi publicado na Eurozine, a 16 de dezembro de 2024.