«Arranjei uma viagem barata para Paris!» Quantos de nós não ouviram ou proferiram já esta frase? Ao trocar Paris por Londres, Berlim, Madrid, ou os mais exóticos Bali, Banguecoque e Dubai, as possibilidades multiplicam-se. Com a entrada dos voos low cost em Portugal e, consequentemente, o crescimento de portugueses a visitarem o mundo, a vontade de querer ver (cada vez) mais tornou-se uma obsessão para quem, até que as portas se abrissem, conhecia pouco mais do que o seu território.
Se, por um lado, essa abertura potenciou uma série de acontecimentos positivos, por outro, maquilha o desconhecimento dos portugueses pelo seu próprio território, com o património material e imaterial que lhe pertencem. No total, são 35 000 os monumentos que juntos constituem a narrativa histórica do país, e não estão, nem tão-pouco caberiam, situados apenas no Porto e em Lisboa.
«É certo que os portugueses também não eram muito cosmopolitas, eram provincianos, viajavam muito pouco, e até ao 25 de Abril muitos até nem conseguiam sair do país. Mas para se ser cosmopolita não é preciso ir às Bahamas, à Tailândia ou ao Vietname; é preciso mais do que isso. É preciso ter uma ideia do sítio onde se está, aprender alguma coisa sobre a cultura local e não apenas a parte turística», relembrou José Pacheco Pereira, numa visita do Gerador ao arquivo Ephemera no Barreiro. «[Ao viajar para fora do país] As pessoas vêm coisas diferentes, não é mau, mas não chega», continua.
De acordo com o estudo anual Barómetro Gerador Qmetrics, publicado em julho de 2019, apenas 35 % dos portugueses residentes no sul do país conhecem Amarante e apenas 28 % das pessoas com origem no litoral norte conhecem Monsaraz. Se o foco estiver nos jovens entre os 15 e os 24 anos, apenas 20 % conhecem Monsaraz, 21,8 % conhecem Elvas e 45,1 % Amarante, valores que triplicam nos dois primeiros casos quando comparados com a população acima dos 64 anos.
Patrícia Silva, estudante de Ciências da Comunicação de 22 anos, é natural de Amarante e conta que quando se mudou para Lisboa, há um ano, para estudar, «a maior parte das pessoas com quem falava só conhecia – as que conheciam – Amarante pelo parque aquático e pouco mais». «Eu não sinto que haja de facto uma maior procura e receção dos habitantes do Sul do país», refere logo no princípio.
Depois de ter vivido em Amarante e no Porto, mudou-se para Lisboa para acabar os estudos e procurar oportunidades de emprego na área em que se está a formar. Ainda que esta seja a terceira cidade em que vive, afirma com pesar que ainda conhece «muito pouco de Portugal» e o que conhece «deve-se a férias com amigos e aos festivais de música», incluindo nos exemplos que deu Paredes de Coura. «Os meus pais, infelizmente, nunca tiveram férias em simultâneo e, por isso, a maior parte das vezes não conseguimos ir visitar cidades diferentes».
A estudante amarantina nunca foi ao Alentejo, mas elege a zona como «eleita para visitar, mas nunca acaba por acontecer». Aponta a falta de transportes como um problema e a desvalorização do Estado pelos lugares do interior como o principal motivo para alguns membros da sua geração não terem sequer em vista visitar cidades como aquela em que cresceu.
Alentejo, um destino a ter em vista
O primeiro lugar das cinco cidades mais afetadas pela distância é ocupado por Beja, que aparece em oposição a Lisboa, dentro das cinco cidades menos afetadas. António Seia da Silva, presidente da Entidade Regional do Turismo do Alentejo e Ribatejo, explica que «havia uma ideia preconcebida de que o Alentejo era uma zona muito seca, muito árida, excessivamente quente», mas que se começou a olhar para a região de outra forma sobretudo com a promoção do Alqueva, «onde existe uma oferta diferenciada e que atraiu novos visitantes». «O Alentejo foi a região que mais cresceu em termos de turismo interno no ano passado», sublinha.
Sobre a baixa percentagem de jovens a conhecer Monsaraz, o presidente diz que a cidade possui «uma oferta turística mais dirigida para uma faixa etária mais velha, não propriamente para os segmentos mais jovens». «Penso que não é um problema, é uma oportunidade. Será com certeza um lugar a conquistar no futuro», remata.
É na zona de Alvito, também no Alentejo, que a Spira, «uma empresa especializada na conceção, execução e produção de projetos de revitalização patrimonial» decidiu situar uma das suas duas sedes. Catarina Valença Gonçalves, a fundadora, explica que a Spira «tenta criar um sistema paralelo àquele que existe» desde a sua criação. Move-os pensar que «o património é um pretexto de relacionamento com pessoas com uma escala temporal muito significativa» e que «qualquer português de qualquer quadrante social pode curtir o património; cada um à sua maneira».
Apontar as razões pelas quais os portugueses não conhecem o seu território seria um exercício inglório, mas Catarina consegue levantar algumas as duas principais dimensões: «uma é um desconhecimento institucional, político do recurso que é o património cultural e a outra, paralelamente, é a ausência de uma política de educação cultural». «Também não nos podemos esquecer que somos um país relativamente recente do ponto de vista democrático e que há consequências de termos sido uma não-democracia durante tanto tempo. Além disso, o país real não é a capital, e normalmente quem pensa nestes assuntos e faz política vive em Lisboa e noutras Lisboas da Europa fora.»
«Não há uma perceção do que é o país real, que está noutro ponto quer no que toca a infraestruturas quer nas mentalidades e nas relações humanas – e com as partes boas dessas relações mais próximas que nós já não temos aqui em Lisboa», remata.
Reformular programas curriculares, repensar a educação
Para José Pacheco Pereira «conhecer o tempo e o espaço são elementos fundamentais da cultura». Nota que esse conhecimento ultimamente não se concretiza «porque estamos a assistir a um recuo significativo dos valores culturais, com uma espécie de igualitarismo nas redes sociais que se rege pela ignorância, não pelo saber». «Isto diminui o empowerment das pessoas».
A fundadora da Spira acredita que a chave está sempre na educação e que atualmente «se corta os pés à esperança, que são as crianças». «Nós não temos programa de educação patrimonial. O que acontece é que a história que é ensinada às crianças logo de início não contempla essa dimensão patrimonial e muito menos a ida ao local», contextualiza.
De facto, «a escola é o elemento democratizante por excelência», como afirma Catarina Valença Gonçalves, e é nesse campo que consegue ter esperança na «revolução silenciosa», que menciona várias vezes: «os municípios já podem interferir no currículo do 1.º ciclo com as especificidades do território para começarem a integrar história local e eu acredito que as coisas vão mudar».
«A educação patrimonial, no fundo, é um bem coletivo. É um bem gerido pelo Estado, mas é um bem de todos. Há uma perversão de quem gere o património de se sentir dono dele, e um reflexo disso é o Programa Revive, que está a transformar o património cultural em hotéis. Se os miúdos na escola visitassem os sítios e os conhecessem, se alguém dissesse que se ia transformar esses sítios em hotéis, jamais iriam deixar passar. Porque as pessoas sentem-se proprietárias do que conhecem», dá a ver Catarina.
Trocar aviões por comboios
Foi em 2006 que a CP e a Movijovem decidiram criar o Intra_Rail, um passe que «permite efetuar um número ilimitado de viagens» pelo país fora nos comboios Intercidades, Regionais, Interregionais e Urbanos, «que são complementados com alojamento, na rede nacional da Pousadas da Juventude, com pequeno-almoço incluído», explica a CP ao Gerador. «O objetivo é potenciar a mobilidade juvenil, através dos preços competitivos do produto e da sua abrangência territorial».
«Com vista no seu rejuvenescimento» decidiram, em 2014, reajustar os preços deste serviço que se destina sobretudo aos jovens entre os 12 e os 30 anos. «A avaliação dos participantes tem sido favorável, revelando que recomendariam a um amigo a experiência», refere a CP.
XCape (3 dias): título individual, válido durante 3 dias e 2 noites de alojamento na Rede de Pousadas da Juventude;
XPlore (7 dias): título individual, válido para viagens durante 7 dias e 6 noites de alojamento na Rede Pousadas da Juventude;
* Ambos têm a validade de um ano, após a data de compra.
Além dos passes destinados aos mais jovens, a CP oferece durante todo o ano o programa das Rotas Turísticas, das quais fazem parte, por exemplo, as Aldeias Históricas, as Cerejas do Fundão e a Ria Formosa.
À parte da gestão da CP na promoção dos territórios, Catarina Valença Gonçalves destaca o trabalho que «cada região está a fazer» através das «pessoas do território», «que se organizam para o promover», «como acontece em Cem Soldos com o festival Bons Sons. «As ofertas mais diversificadas como as Aldeias do Xisto ou as Aldeias Históricas estão a ajudar a que as pessoas percebam que há ali coisas para ver, para comer, para visitar, e que há infraestruturas de apoio», elogia.
Certamente ainda haverá muito trabalho a fazer, mas tudo indica que sabendo ouvir o tempo e o espaço, o interesse pelo território renascerá em força, como primeira opção.
Esta reportagem foi publicada originalmente na Revista Gerador 30, que podes encontrar aqui.