fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

A dois tempos: O cérebro também dança

Sou apaixonado por dança e fascinado pela neurociência. São duas áreas verdadeiramente sedutoras que orbitam…

Texto de Redação

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Sou apaixonado por dança e fascinado pela neurociência. São duas áreas verdadeiramente sedutoras que orbitam o meu mundo, mas não por uma razão particular comum. É verdade que todo o fenómeno humano tem expressão irremediável nos circuitos nervosos e, a esse nível, a dança não é uma ilustre excepção. Contudo, para lá da inevitabilidade biológica, e mesmo sabendo que as intersecções improváveis são o rastilho da criatividade, nunca me tinha ocorrido aprofundar a relação. Mais, estava longe de imaginar o quanto esse inusitado pas-de-deux podia ser útil para olhar para outra das minhas áreas de eleição: a gestão de marca. Mas foi precisamente esse emaranhado de improbabilidades que descobri na investigação do coreógrafo holandês Ivar Hagendoorn [1].

Motivado por uma curiosidade aparentemente trivial — a razão por que ficava, por vezes, fascinado com intérpretes de dança e, noutras, completamente indiferente —, Hagendoorn procurou respostas na forma como os estímulos sensoriais são processados no cérebro. Afinal, como toda a existência humana, também a dança tem um substrato neural.

Regra geral, sabemos, um bailado tem uma densidade de movimento tendencialmente alta. Assim, segundo Hagendoorn, quando o cérebro do espectador assiste a uma coreografia, fica submerso em imagens motoras. Neste estado, profundo conhecedor do movimento humano, o cérebro não só assiste ao desenrolar dos gestos, como vai criando previsões sobre o seu encadeamento. E é precisamente desta tensão entre a expetativa e o movimento real que deriva, em grande parte, o prazer de assistir a um espetáculo de dança. Mas com bem explicitou Hagendoorn, não apenas pelas razões que podemos prever.

A rota dupla para o prazer

Como será fácil de antever, um movimento que siga a trajetória imaginada pelo cérebro activa, naturalmente, os nossos centros de recompensa e aumenta o nível de dopamina libertada. Quer isto dizer, muito resumidamente, que um bailado coreografado com uma orgânica expectável e bem dançado, mesmo que com uma história trágica, tem maior probabilidade de entrar numa agradável sintonia fluida com o espectador. É a fruição no seu nível mais elementar.

Porém, mais curioso, quando um movimento não coincide exatamente com a previsão feita pelo cérebro, o resultado não é necessariamente frustração, como poderíamos esperar. Claro que se um bailarino cai em palco de forma acidental, é difícil evitar alguma decepção — o desvio à expetativa é tão radical que a emoção negativa se torna consciente. No entanto, se a coreografia desafiar as previsões adiantadas pelo nosso inconsciente sem ser, contudo, demasiada errática, o processo mental que espoleta é mais complexo e, também, mais fascinante.

Andemos um pouco para trás. A contínua aprendizagem efectuada sobre os erros de previsão de movimentos é um mecanismo essencial apontado à nossa sobrevivência e, portanto, um processo no qual o cérebro está sempre activamente empenhado — foi assim que, ao longo da nossa caminhada evolutiva, aprendemos a navegar uma existência repleta de perigos e ameaças. Ora, uma coreografia não é, geralmente, uma facilitadora repetição contínua do mesmo movimento, preparada para ser assimilada com prontidão. Os gestos sucedem-se, multiplicam-se, sem nunca terem como objetivo uma memorização mecânica por parte do público. Não admira, então, que o cérebro, quando assiste a um bailado, fique em alerta para aumentar a probabilidade de acertar a sequência desconhecida de movimentos. E que o estado de atenção necessário seja proporcional à incerteza com que é descodificada a coreografia — quanto menos previsível, mais esforço faz o cérebro para acompanhar. Até aqui, mais uma vez, a lógica não surpreende. Mas a este pressuposto, Hagendoorn adiciona o dado que é, porventura, o mais relevante para o argumento: quando é necessário um nível de concentração superior ao habitual, são ativados os neurónios dopaminérgicos. Supõe-se que a dopamina, vulgarmente associada ao prazer, desempenhe também um papel importante na regulação da atenção e na facilitação da aprendizagem. Quer isto dizer que uma coreografia que, dentro de alguns limites, desafie a lógica do movimento antecipado pelo cérebro, desencadeia um prazeroso estado de vigília. A imprevisibilidade, sugere a investigação de Hagendoorn, tem argumentos fortes enquanto fonte de prazer e de bem-estar.

Juntando os dois cenários, temos o que Hagendoorn chama de rota dupla para o prazer na dança: uma desenha-se sobre os estímulos que derivam do aumento de atenção produzido pelos movimentos imprevistos; a outra, pela recompensa de uma previsão acertada. E como o cérebro que assiste a um espectáculo de dança é o mesmo cérebro que carregamos na restante jornada da vida, é legítimo assumir que processos semelhantes ocorrem nas muitas outras dimensões que dão corpo à existência humana. Marcas incluídas.

O que podem aprender as marcas com a dança?

A primeira conclusão que podemos extrapolar da investigação de Hagendoorn é que o risco, na medida certa, é essencial a uma gestão de marca saudável. Tal como um bailado habilmente dançado, saber cumprir expectativas é crucial, não nos enganemos. Mas desafiá-las é imprescindível para qualquer marca que se queira destacar positivamente. Sugere o coreógrafo que sem a tensão entre previsões corretas e incorretas, o cérebro pode, na verdade, perder interesse na coreografia: se os movimentos forem demasiado previsíveis, fica aborrecido; se forem erráticos ao ponto de impossibilitarem qualquer aprendizagem, acaba por focar a atenção noutro lado. De forma semelhante, uma marca que opte recorrentemente pela previsibilidade — o infame caminho seguro — corre o sério risco de se tornar, irremediavelmente, aborrecida. Como uma coreografia, uma organização deve evitar ser errática, mas nunca ousada. Qualquer lista de marcas bem sucedidas assim o comprova.

Além desta lição particular, há uma implicação na hipótese de Hagendoorn que me parece ainda mais significativa. Quando assistimos a um bailado, no processo de prever os movimentos, a nossa mente fica, como vimos, submersa em sensações motoras. Quer isto dizer que, enquanto os bailarinos dão corpo à coreografia em palco, mais do que a assistir, estamos, de certa forma, a dançar com eles. E embora a poética desta premissa seja, só por si, sedutora, para a gestão de marca, prova como a arte, enquanto catalizadora de emoções, é um caminho altamente eficaz para tocar o humano-consumidor. E aqui abre-se espaço para pensar na relação das marcas com a Cultura não como uma simples parceria, mas como algo muito mais profundo e estrutural na construção das organizações (definitivamente, tema para outro texto). Afinal, que marca não quer o seu público a dançar consigo.  

[1] Hagendoorn, I. (2004). Some Speculative Hypotheses about the Nature and Perception of Dance and Choreography. Journal of Consciousness Studies, 11(3-4), 79-110.

Texto com passagens adaptadas do livro Marca Positiva (Influência, 2019).

*Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico

– Sobre João Campos –

É director criativo do Estúdio João Campos, onde colabora com marcas comerciais e instituições culturais, e autor do livro Marca Positiva (Influência, 2019). Dá aulas de branding no ISCSP-ULisboa e no IADE. Acredita que a Cultura, pelo seu potencial humano e social, é um dos melhores companheiros de viagem para as marcas de hoje e, sobretudo, para as marcas do futuro. É sobre isso que escreve no Gerador.

Texto de João Campos
Fotografia de Carlos Rocha

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

11 Março 2024

Maternidades

28 Fevereiro 2024

Crise climática – votar não chega

25 Fevereiro 2024

Arquivos privados em Portugal: uma realidade negligenciada

21 Fevereiro 2024

Cristina Branco: da música por engomar

31 Janeiro 2024

Cultura e artes em 2024: as questões essenciais

18 Janeiro 2024

Disco Riscado: Caldo de números à moda nacional

17 Janeiro 2024

O resto é silêncio (revisitando Bernardo Sassetti)

10 Janeiro 2024

O country queer de Orville Peck

29 Dezembro 2023

Na terra dos sonhos mora um piano que afina com a voz de Jorge Palma

25 Dezembro 2023

Dos limites do humor

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Viver, trabalhar e investir no interior [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Soluções Criativas para Gestão de Organizações e Projetos [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Narrativas animadas – iniciação à animação de personagens [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Planeamento na Produção de Eventos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Criação e manutenção de Associações Culturais (online)

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Iniciação ao vídeo – filma, corta e edita [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Escrita para intérpretes e criadores [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Financiamento de Estruturas e Projetos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura II – Redação de candidaturas [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online e presencial]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Introdução à Produção Musical para Audiovisuais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

22 Julho 2024

A nuvem cinzenta dos crimes de ódio

Apesar do aumento das denúncias de crimes motivados por ódio, o número de acusações mantém-se baixo. A maioria dos casos são arquivados, mas a avaliação do contexto torna-se difícil face à dispersão de informação. A realidade dos crimes está envolta numa nuvem cinzenta. Nesta série escrutinamos o que está em causa no enquadramento jurídico dos crimes de ódio e quais os contextos que ajudam a explicar o aumento das queixas.

5 JUNHO 2024

Parlamento Europeu: extrema-direita cresce e os moderados estão a deixar-se contagiar

A extrema-direita está a crescer na Europa, e a sua influência já se faz sentir nas instituições democráticas. As previsões são unânimes: a representação destes partidos no Parlamento Europeu deve aumentar após as eleições de junho. Apesar de este não ser o órgão com maior peso na execução das políticas comunitárias, a alteração de forças poderá ter implicações na agenda, nomeadamente pela influência que a extrema-direita já exerce sobre a direita moderada.

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0