As obras sociológicas possuem, frequentemente, a grande virtude de articular a teoria científica à prática social, incluindo aspetos de uma base formal de investigação na forma como descrevem e examinam os atos quotidianos dos indivíduos nas suas relações sociais. Em A Arte da Vida, Zygmunt Bauman [1925-2017] (2008, p. 11), naturalizado em Inglaterra, mas nascido na Polónia, e professor emérito de Sociologia nas universidades de Leeds e de Varsóvia, inicia o seu argumento com uma interrogação retórica – “O Que Há de Errado com a Felicidade?” – de modo a que se consiga elaborar uma “pausa (…) na (…) busca da felicidade” (2008, p. 11) e se reflita sobre as consequências que toda esta procura tem acarretado. Organizado a obra em quatro grandes capítulos, Bauman apela à consideração da vida enquanto o projeto de um artista, com curvas e contracurvas, avanços e recuos. Torna-se necessário, de forma a conferir coerência e diversidade às ações humanas, repensar os termos (do caminho) da felicidade, para nortear os comportamentos em torno desse fim.
Na parte introdutória e no primeiro capítulo, o autor (2008) começa por distanciar-se de uma visão economicista do real-social, afirmando que existe uma relação nula entre a posse de riqueza e o ser feliz. Apesar de ser uma ideia bastante divulgada e de se agir “no pressuposto de que essa correlação é genuína” (Bauman, 2008, p. 12), e também de que um maior capital económico melhora as condições materiais de existência das pessoas, as condições sociais da sua vida surgem numa completa ambivalência. A taxa de criminalidade, por exemplo, é um dos fatores que, ironicamente, cresce muito rápido com o aumento geral de rendimentos, criando-se um ambiente de incerteza que se revela perdurável na contemporaneidade. Para além disso, a identificação da posse de tal riqueza, associada, portanto, a uma “garantia de aprovação pública e de reconhecimento social” (Bauman, 2008, p. 23), é o outro forte elemento de status e de prestígio e, portanto, de distinção social. É neste sentido que a felicidade se materializa em objetos capazes de satisfazer, cada vez menos, mas de modo cada vez mais veloz, os desejos económicos e de notoriedade das pessoas, caracterizando a felicidade como mecanicamente inalcançável.
Neste sentido, Bauman (2008, p. 77) defende que todos os seres humanos devem identificar-se como “artistas da vida”, na medida em que “a vida humana consiste num confronto perpétuo entre as “condições externas (…) e os desígnios dos seus autores/atores”. As escolhas de cada um devem ser coordenadas pensando-se nos riscos consequentes, mas sobretudo com a consciência de que tais opções advieram da pessoa que as tomou, sendo seu também o proveito com elas relacionado (2008). Ser “artista da vida” consiste, por isso, na capacidade de ter e usufruir de experiências que permitam dar uma base coesa a esse tão grande projeto – a vida – “no mundo líquido-moderno [do presente] (…) de transformação permanente, (que implica) autorredefinir-se perpetuamente” (Bauman, 2008, p. 102).
A escolha é, portanto, uma demanda pelo bem-estar; e a “arte da vida” um projeto de satisfação pessoal e com os outros (2008). Não obstante as grandes mudanças dos tempos atuais e a preocupação com múltiplas causas, ser feliz é não menos do que a constatação dos riscos e a sua superação através da manifestação da liberdade; é também a “responsabilidade para consigo mesmo” (Bauman, 2008, p. 144) e pelo alter, enquanto “estrutura essencial, primária e fundamental” (Levinas in Bauman, 2008, p. 162) da pessoalidade do indivíduo.
A Arte da Vida constitui, pelas ideias defendidas, uma obra onde a Sociologia interliga-se com o viver de todos os dias, em movimentos de constante mudança. Quem lê este livro encontra uma consciência (literária e prática) como propriedade de grande sentido, assim como compreende a importância da teoria sociológica na interpretação das individualidades e regularidades humanas. Aproximando-se de clássicos como Weber e de contemporâneos como Bourdieu, Bauman procura integrar uma linguagem simples e acessível a um público geral, embora não menos rigorosa, sobre os processos contemporâneos que tornam as vidas rotineiras numa corrida desenfreada, ao invés de num esboço cuidado e passível de ser concretizado ordeira e beneficamente. Aconselha-se, assim, a leitura atenta, aberta e descomprometida desta obra de Bauman; uma leitura que veja o amor como “algo que precisa de ser sempre feito de novo e refeito a cada dia, a cada hora” (Bauman, 2008, p. 176). Em suma, uma leitura da vida, dos seus artistas e da sua inspiração para criar, ser e responsabilizar.
Referências bibliográficas BAUMAN, Zygmunt (2008) – A Arte da Vida. S/ed. Lisboa: Relógio D’Água Editores. ISBN 978-989-641-675-1.