Numa das zonas periféricas do centro histórico da cidade de Braga, entre as ruas preenchidas por estudantes e cânticos universitários, a Fábrica Confiança relembra um passado de sucesso empresarial, mas não consegue perceber o futuro. Apesar de ser património da câmara municipal, os bracarenses reivindicam a requalificação do edifício. Não há consenso nem negociações e foi criado um movimento cívico contra a sua alienação. No ano em que a fábrica celebra 125 anos, há várias soluções para o seu aproveitamento, mas o edifício continua parado.
Em 1894, nascia, na Rua Nova de Santa Cruz, em Braga, uma saboaria e perfumaria de nome Confiança. O edifício viria a crescer nos anos seguintes e dava emprego a várias pessoas. O imóvel sofreu alterações ao longo da história, diminuindo o tamanho através de demolições no início do século XXI. A freguesia de São Vítor, onde se insere, foi crescendo à volta do edifício emblemático. Construíram-se casas, vias rápidas, o maior centro comercial da cidade e até a Universidade do Minho. Hoje, no entanto, o edifício está em ruínas.
Entre 2011 e 2012, a Câmara Municipal de Braga tentou adquirir o imóvel. Contudo, as negociações falharam com o proprietário, e a Fábrica foi expropriada, passando a possuir o título de bem público. Apesar de a vontade do atual presidente da Câmara Municipal de Braga, Ricardo Rio, então membro da oposição aquando da expropriação, ser favorável em relação à reabilitação do edifício, no final de 2018, o seu executivo mudou a posição e divulgou a vontade de proceder à alienação da fábrica. Foi nesse momento que explodiu um recente movimento cívico para a requalificação da Confiança: a Plataforma Salvar a Fábrica Confiança.
“Este movimento é um grupo constituído por pessoas e instituições maioritariamente culturais que querem manter a Fábrica Confiança na esfera pública para manter os fins para os quais ela foi expropriada: fins culturais e de lazer.” Quem o explica é Cláudia Sil, ativista deste projeto, que nasceu no ano passado. Atualmente, o grupo é constituído por 20 organizações e “o processo de integração dessas instituições foi quase espontâneo”, uma vez que, “como a cidade não é muito grande, é normal que os meios artísticos mantenham contacto”, continua Cláudia.
A notícia da possível venda do imóvel foi “surpreendente”. Cláudia Sil confessa que “a decisão foi quase tomada em segredo”, sem a consulta da população ou qualquer mediatismo. Desde aí que o movimento contra a venda da fábrica tem aumentado o seu alcance. “Desde o momento que foi anunciada a venda que nós, enquanto movimento, andamos a pedir para sermos ouvidos e entender as motivações”, refere Cláudia Sil.
O maior objetivo da Plataforma Salvar a Fábrica Confiança é requalificar o edifício e torná-lo num espaço cultural para a cidade, acessível a todos, com programação recorrente e para todas as idades. O atual presidente da câmara de Braga, Ricardo Rio, justificou a sua posição favorável à venda da Fábrica no final de 2018, ao Diário de Notícias: “Temos de introduzir uma nota de realismo, o dinheiro não chega para tudo, por muita vontade que tivesse, atendendo ao impedimento de fundos comunitários e outros fatores, não temos capacidade de promover a reabilitação.” Contactada pelo Gerador, a câmara municipal referiu que “já divulgou e comentou, a seu tempo, todo o processo da Fábrica Confiança e o percurso que este projeto da cidade e para a cidade teve e tem atualmente”.
Pelo caminho, a Plataforma Salvar a Fábrica Confiança tentou mobilizar a cidade. Foi lançada uma petição para reunir assinaturas e foram feitos debates para consciencializar a população. Tudo isto ajudou o movimento a crescer. “A maior diferença é que sempre que fazemos algo, temos gente nova a contactar, novas publicações de associações, sugestões e propostas”, diz Cláudia.
A vida cultural da cidade acontece no centro histórico. Para o movimento, a reabilitação da Fábrica significaria “uma descentralização da cultura, principalmente tendo em conta a população universitária do local”. E as oportunidades têm crescido com outras cidades: “Quando anunciamos este projeto, surgiu a possibilidade fazer uma jam session com Guimarães Jazz. Isto é muito importante para Braga. Para nós, as consequências são muito óbvias”, explica.
Agora, o edifício apresenta-se em ruínas no meio dos prédios modernos. As alternativas e opções são muitas. A alienação é uma delas e não agrada a todos. Esta semana, o movimento reuniu-se pela primeira vez com a câmara, depois de alguns pedidos. “Apresentámos um programa no âmbito Norte2020, que apoia a requalificação do património cultural com investimentos até um milhão de euros. Esse montante, para o movimento, ultrapassa as estimativas. Mas esta é apenas uma alternativa, existem muitas outras.”
A venda a um privado que se comprometesse a transformar o espaço num local cultural poderia ser uma opção. “Nós demos o exemplo da Câmara Municipal do Porto, que tem exemplos concretos, como a venda do Teatro Sá da Bandeira. Nós queremos é que se cumpra aquela função para o qual foi adquirido. É evidente que era preferível ser na esfera pública”, defende Cláudia Sil.
Em novembro de 2018, a venda da Confiança foi adiada por uma providência cautelar interposta por seis cidadãos. Em abril deste ano, aconteceu o mesmo, mas desta vez foi imposta pelo Ministério Público, atrasando a alienação.
A Plataforma Salvar a Fábrica Confiança deseja que o edifício abra de novo as suas portas com programação cultural recorrente
A Plataforma Salvar a Fábrica Confiança ambiciona integrar o edifício reabilitado na candidatura a Braga como Cidade Europeia da Cultura 2027 e, com isso, que a câmara perceba as potencialidades culturais do espaço. O desejo é começar a programação já este ano, com a exposição no âmbito dos Encontros da Imagem, em setembro, e a festa dos 125 anos da Confiança, a 12 de outubro de 2019.
A câmara deseja agora vender a Confiança por cerca de quatro milhões de euros, sendo que já existem possíveis compradores. Os interessados têm, contudo, de obedecer a algumas exigências. "O Caderno de Encargos prevê imposições e condicionantes de ordem patrimonial, no desenvolvimento de qualquer projeto para ali pensado, como, por exemplo, a preservação integral das três fachadas do edifício principal; a preservação do legado fabril urbano, da Fábrica, devendo ser integrada na memória da antiga chaminé”, disse Ricardo Rio ao Diário de Notícias.
Cláudia Sil relembra o caráter apolítico do movimento: “Por vezes, acusam-nos de sermos manipulados pela oposição. Nós não temos nada contra a câmara. Isto não é uma questão política.” Neste momento, nada está perdido nem nada está ganho.
O tempo passa e a mobilização continua. Braga já é demasiado pequena para este movimento. A missão da Plataforma Salvar a Fábrica Confiança já foi apresentada no Porto e, esta semana, foi a vez de Lisboa receber as ideias do projeto. Para o futuro, fica a esperança que se celebre o 125.º aniversário com a Confiança do costume: no mesmo sítio, reabilitada e com cultura para o resto da vida.