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“A sensação de cansaço e desmotivação invadiu-me” — o direito a desligar

“É sobretudo um cansaço mental, onde até o entretenimento já se torna de mais. Raramente…

Texto de Carolina Franco

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“É sobretudo um cansaço mental, onde até o entretenimento já se torna de mais. Raramente acontecia até aqui, mas passou a ser frequente deitar-me simplesmente à espera que o tempo passe, pois não tenho energia para qualquer outra coisa”, conta Fábio, de 25 anos, que trabalha em desenvolvimento de software e vive em Rio de Mouro. Desde novembro, “quando chegava ao fim do dia quase sem qualquer ânimo para o que quer que fosse”, o seu corpo começou a manifestar dor, que já sabia que se relacionava com o stress. Tal como Fábio, mais pessoas, sobretudo jovens, começaram a sentir um cansaço permanente, desgaste emocional e desmotivação. Há quem lhe chame “fadiga pandémica”, e tem sido até objeto de estudo, mas, em alguns casos, é também um sinal de que já antes era preciso saber estar atento aos limites e ouvir o corpo. 

Num inquérito online desenvolvido pelo PsiQuaren10, um projeto do ISPA — Instituto Universitário, fundado em março de 2020 motivado pelo estalar da crise pandémica, que ainda se encontra aberto, 82,2% dos inquiridos demonstraram níveis de fadiga pandémica moderada ou elevada/severa. Com o passar do tempo, vão surgindo estudos um pouco por todo o mundo que dão a ver que este é, na verdade, um problema que não possui um recorte geográfico específico. Onde há covid-19, há cidadãos a alertar para que se pense na saúde mental e a pedir o direito a desligar. 

Em casa, para quem está em teletrabalho ou em telescola, as fronteiras entre o trabalho e o lazer esbatem-se — sobretudo em momentos de confinamento obrigatório — e os horários ficam difíceis de gerir, sobretudo quando os de uns colidem com os de outros. Receber uma mensagem de trabalho depois de jantar foi normalizado, receber pedidos urgentes para o fim de semana também; e se para algumas pessoas resulta não ter apps instaladas no telemóvel pessoal, ou simplesmente desativar notificações, para outras torna-se mais complicado e surge a questão — “e se for mesmo urgente?”. Mas quantas vezes é mesmo urgente?

No decorrer desta reportagem, durante a semana passada, Tiago Simonette Teixeira assinou o texto “Está ali uma armadilha e fui eu que a montei”, para o Megafone do P3. Terminou a dizer que “hoje (desde há muito, aliás) estamos todos online, a todo o momento”. “Talvez fosse benéfico conversarmos sobre o direito a desligar do trabalho, antes de discutirmos a implementação de sistemas de teletrabalho. Nem que seja só para não cairmos numa armadilha criada por nós próprios”, concluiu. Esta conversa em torno do direito a desligar do trabalho já tinha sido tema de outro texto, publicado também no Megafone, de Diogo Gonçalves Santos. Neste artigo de opinião publicado em fevereiro, Diogo escrevia que “é tempo de mudança e intervenção no regime do teletrabalho e das suas influências no campo do tempo de trabalho”. 

Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica, coach, e autora e fundadora da Academia Transformar, diz ao Gerador que “uma das heranças da Era industrial que se mantém até hoje é esta cultura do trabalho que hoje em dia se traduz numa cultura do burnout”. “Somos o que fazemos a um ponto em que não existe espaço, tempo, energia  e legitimidade para sermos e sentirmos, simplesmente.” Com a pandemia, a urgência de exigir o direito a “sermos e sentirmos, simplesmente,” redobra-se. 

Um cansaço mental que se torna físico

Para Fábio, que se sente “completamente exausto do trabalho”, mesmo estando “numa posição bastante vantajosa” onde tem flexibilidade para gerir o seu dia, um dos problemas que aponta para esta sensação de cansaço permanente é precisamente “não existir uma barreira física entre o local onde descanso e o local onde trabalho”, o que dá a sensação de que nunca sai. Além disso, tem um irmão de oito anos que não tem conseguido aprender bem com o ensino à distância e, por vezes, tem de “intervir e fazer o papel de professor”.  “Isto leva a que tenha de parar o meu trabalho e compensar da parte da noite. E, depois, gera situações engraçadas como terminar o dia de trabalho a horas tardias, e só tenho de, literalmente, dar dois passos até à cama, onde ainda fico a pensar na tarefa que estava a resolver, enquanto tento, ao mesmo tempo, adormecer”, partilha com o Gerador

Este acaba por ser também um problema para Teresa, nome fictício para uma história real, que trabalha na área da comunicação e vive em Lisboa. “No meu caso, o sentimento de cansaço permanente está diretamente relacionado com a falta de rotina. Tenho uma profissão que me dá bastante liberdade, trabalho num projeto onde sou a minha própria patroa e que depende das minhas ideias, iniciativa e proatividade para ter sucesso e eu esgoto-me recorrentemente a tentar encontrar formas de fazer as coisas que nunca me foram ensinadas porque ter o meu próprio projeto e trabalhar por conta de outrém não é a mesma coisa”, explica. Teresa sente que o cansaço vem por exigir muito de si mesma intelectualmente e por se confrontar com a necessidade de se "reinventar com regularidade e de inovar”. No projeto que gere também pode estabelecer os seus próprios horários, mas não é fácil para si, “nunca foi”, arranjar rotinas: “canso-me com facilidade de tudo”, partilha a jovem de 28 anos que desabafa que já sofreu, e ainda sofre, de ataques de pânico que surgem ao longo do dia desencadeados por estas lutas internas.  

“O cansaço acaba por tornar-se físico, eventualmente, por isso mesmo, porque todos estes sentimentos que descrevi são tão poderosos que dou por mim a ter de ir deitar-me no sofá a meio do dia para relaxar e encontrar força para continuar o que quer que tenha para fazer. Nem sempre resulta, porque há qualquer coisa em mim que me manda parar e me diz que é legítimo fazer uma pausa tendo em conta o caos que se gera dentro de mim, mas há outra parte, muito grande, de autossabotagem, que começa a ofender-se por estar a desistir de alguma forma, que me considera preguiçosa e fica desiludida”. Na verdade, a presença da ansiedade na sua vida não é de agora, mas partilha que “o contexto da pandemia” e a forma como influencia o seu estado de espírito não ajuda. 

O contexto de Leonor, jovem de 20 anos natural do Marco de Canaveses, estudante de Educação Básica na Escola Superior de Educação, é bastante diferente do de Fábio e de Teresa, mas, além de também ter sido invadida pela pandemia, viu entrar sem convite esta sensação de cansaço permanente. Quando estava no começo dos “melhores anos” da sua vida, expressão comumente utilizada para descrever o período universitário, citada pela própria, a forma de estar na faculdade passou a ser outra e a implicar novos desafios. Mas foi no semestre passado que sentiu tudo a piorar: “a sensação de cansaço e desmotivação invadiu-me”. 

“A mistura das aulas online com as presenciais, juntamente com toda a situação vivida, levou-me mesmo a um extremo que nunca sentira antes, tanto que quando acabava uma avaliação ou um dia com mais aulas, sentia mesmo um desgaste que já passava a ser físico. Além disso, sempre valorizei muito o meu descanso em casa e a organização do meu  tempo, e quando me vi obrigada a ter de fazer tudo no local onde eu gostava de relaxar e descansar foi uma sensação de invasão enorme.” Não só se sentia cansada, como também dava por si a estar “permanentemente desmotivada, triste” e a duvidar que “era capaz”, “com um medo recorrente de estragar o futuro” que tem “tentado construir” com dedicação.

Leonor estuda no Porto e graças ao preço das rendas, e “outras variantes”, não conseguiu arranjar um alojamento na cidade. Fazia, todos os dias, “viagens de duas horas em transportes públicos lotados” até chegar à faculdade e, ao fim do dia, a casa. “Muitas vezes, chegava já depois da hora de jantar, o que fazia com que, quando chegasse, só tivesse tempo para aquilo que tinha de fazer para os meus estudos e nada mais. Tudo isto me levou a sentir que o tempo que tinha para mim era escasso, porém, quando o conseguia ter, valorizava imenso e aproveitava-o sempre”, conta para dar algum enquadramento. Quando deixou de ter de fazer estas viagens tão regularmente, ao contrário do que esperava, não conseguiu ganhar muito tempo para si. 

O caso da estudante de Educação Básica não está isolado. Prova disso é que, no passado dia 12 de março, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior recomendou “às instituições científicas e de ensino superior a ‘disponibilização de condições de testagem para SARS-CoV-2’ e programas ‘de mitigação’ dos efeitos da pandemia na saúde mental os estudantes”, como noticiou a agência Lusa no mesmo dia. A recomendação foi feita num documento divulgado na passada quinta-feira, onde se lia também que era previsível que a pandemia fosse “aprofundar as dificuldades de ordem social, pedagógica e de saúde existentes" também na comunidade estudantil. 

“Este tem sido um ano extraordinariamente desafiante para a saúde mental de todos. Seja pela componente de imprevisibilidade permanente e de alerta constante, seja pela redução da liberdade e necessidade de adaptação persistente, mais exigente que o habitual”, são as palavras da psicóloga Filipa Jardim da Silva, que sublinha que os desafios para a saúde mental se têm, de facto, multiplicado. Tendo em conta estes desafios e os “recursos de apoio psicológico efetivo disponível nas escolas portuguesas e no Serviço Nacional de Saúde”, “podemos falar de uma pandemia de doença mental, que já se está a fazer manifestar e cuja evolução e consequências são ainda uma incógnita”. 

Procurar os hábitos que trazem estabilidade emocional

Num artigo assinado por Rita Pinto para a primeira edição física da revista do Shifter, posteriormente publicado no site e disponibilizado também num formato áudio, “A ânsia de ver o mundo lá fora”, a constante partilha de informações sobre a covid-19 era um dos principais fatores-gatilho apontados pelos entrevistados para que não conseguissem desligar, por momentos, do que se estava a passar no mundo. E se já na altura em que foi escrito, por volta do mês de setembro, havia também uma “ânsia de ver o mundo lá fora”, de abraçar amigos e conviver, este motivo repete-se após um segundo confinamento que está quase a terminar, mas que não permite que os cuidados não tenham de ser mantidos. 

Fábio sente que, para si, “o fator mais determinante” para se sentir cansado “é, sem dúvida, a falta de vida em sociedade”. “A falta da rotina fora de casa, de ver pessoas, da arte que a rua proporciona, dos eventos culturais, das saídas com amigos, dos encontros inesperados, das viagens às origens onde tenho família. A falta destas situações, com o acumular do tempo, acho que vai gerando desconforto e cansaço mental, e é difícil melhorar a situação somente com os recursos ao meu redor.”

O jovem acredita que “as condicionantes atuais da pandemia são o fator principal desta fadiga”, e que é algo que foge ao seu controlo — logo, torna-se mais difícil de gerir. Ainda assim, conta que se lembra recorrentemente de uma das lições que aprendeu no livro Man's Search for Meaning: “independentemente das circunstâncias em que estamos inseridos, só depende de nós para controlar a forma como reagimos às mesmas”. “É sobretudo nessa filosofia que tento encontrar um balanço mental desde março do ano passado.”

Filipa Jardim da Silva sustenta que “o ser humano é um ser de hábitos, que necessita de alguma dose de segurança e controle para estar bem, como também necessita de proximidade emocional e pertença” — o que justifica o sentimento de Fábio, que é, de certa forma, um sentimento generalizado. “Todas estas necessidades psicológicas têm sido abaladas e muito menos satisfeitas, de forma global, no último ano. Naturalmente que, em função das características pessoais e da vivência específica de cada um, poderão existir recursos que equilibrem os desafios, mas, de uma forma geral, a pandemia trouxe desafios acrescidos à manutenção de uma boa saúde mental, para todas as faixas etárias”, continua a psicóloga e coach

É precisamente a falta desses hábitos que tem, há praticamente um ano, dificultado o dia a dia de Teresa. Na primeira vaga de confinamento obrigatório, tinha regressado a casa dos pais após um ano a viver no estrangeiro e, quando a vontade era assentar com tempo, a pandemia trocou as voltas a qualquer plano que pudesse ter. Começou a sentir falta da independência que trazia consigo, o seu espaço ficou reduzido ao quarto e “era difícil compartimentar o que tinha para fazer com o que queria fazer”. “A minha secretária, por exemplo, era uma amálgama de coisas que me inspiravam, materiais para os meus hobbies e sobrava um espaço minúsculo para o computador, que claramente não ajudava a sentir que aquilo era o meu local de trabalho. Lembro-me também de a meio do dia ter de ir para a cama trabalhar porque estava a ficar desconfortável na cadeira e de repente estava a ‘infetar’ também o local de descanso”, recorda.

O sono desregulou-se — o que também acontece com Fábio —, mas, ainda assim, acredita que viver em casa dos pais era propício para ter algumas rotinas de outras pessoas para se guiar. A “meio da pandemia” mudou de casa e, “apesar de ter ganho mais divisões” para si, perdeu esses horários. “Acaba por ser mais fácil desregular-me”, diz Teresa. 

Se no caso de Teresa e de Fábio esta sensação de cansaço mental que, por vezes, se traduz num cansaço físico, está de certa forma ligada às rotinas que têm de impor a si mesmos, têm sido relatadas experiências de assédio laboral, que traçam outras narrativas e possibilidades desta demanda pelo direito a desligar. No passado sábado, dia 13 de março, o Bloco de Esquerda, pela voz de Catarina Martins, apresentou um anteprojeto para proteção do teletrabalho que, de acordo com a agência Lusa, mencionou que este pretende “combater os abusos laborais, desde o horário de trabalho à quebra de privacidade, ao pagamento das contas que crescem em casa, ao mesmo tempo que as empresas estão a poupar”.  

Para Filipa Jardim da Silva, os tempos que vivemos podem servir para nos recordar “que não temos todo o tempo do mundo e que a nossa atenção é um dos recursos mais preciosos que necessitamos de proteger”. “Mais do que aquilo que nos rodeia, mais do que as atividades que desempenhamos e as circunstâncias à nossa volta, é a qualidade da nossa atenção que mais determina o nosso bem estar”, sustenta. 

“É um dado persistente de inúmeras investigações que têm comprovado como as legendas que colocamos internamente acerca do que se passa fora são o que mais impacta na nossa saúde mental, nas nossas escolhas e ações. Então, mais do que querer controlar fora, que possamos apropriar-nos com mais responsabilidade e cuidado do que está cá dentro, voltando a desenvolver a capacidade de apreciarmos pequenas coisas, com mais foco no momento presente, o único [tempo] em que realmente vivemos”, diz a psicóloga ao Gerador.

E para que a mudança seja efetiva, é preciso ressignificar a forma como se encara a saúde mental num âmbito global e estrutural. 

Ouvir os sinais do corpo e despir preconceitos

“Está a procastinar mais? Culpe a pandemia” é o título de um artigo de Nicole Johnson, publicado na National Geographic Portugal no passado dia 9 de março. Nesta peça, Johnson associa a procrastinação de quem está por casa, em teletrabalho, à “crise global de saúde mental” desencadeada pela pandemia e diz que se ficas “acordado até tarde para tentar encaixar algumas atividades de lazer após um longo dia de teletrabalho, ficando exausto no dia seguinte” provavelmente não estás sozinho; se estás “a limpar a casa de banho em vez de responder aos emails do trabalho”, também não. 

No artigo publicado originalmente no site inglês da National Geographic, e traduzido posteriormente para português, a autora deixa claro que “as pessoas que procrastinam não são necessariamente preguiçosas” e, recorrendo a uma citação de Tim Pychyl, professor de psicologia na Universidade Carleton, em Otava, Ontário, desmistifica-a dizendo que “a procrastinação é uma estratégia focada na emoção”. “Não é um problema de gestão de tempo; é um problema de gestão de emoções”, acrescenta Pychyl.

Filipa Jardim da Silva nota que, no contexto português, “o aumento de desconforto e vulnerabilização permitiu que mais pessoas, por necessidade e experiência de mal-estar psicológico na primeira pessoa, começassem a valorizar mais a importância de cuidarem da sua saúde mental, tal como cuidam da sua saúde física”. Há dados que o comprovam: de acordo com um estudo da Fixando, divulgado no mês passado, a procura de psicólogos teve um pico de procura na primeira quinzena de janeiro, aumentando “450% face ao período homólogo de 2020”.

“É importante que todos tenhamos a noção de que sem saúde mental não existe saúde. Corpo e cérebro interligam-se de forma próxima. Portugal lidera nos últimos anos, mesmo já antes da pandemia, o consumo de psicofármacos. Por dia, são gastos 600 mil euros neste tipo de medicação, mas o acesso a um acompanhamento psicológico de qualidade é extremamente limitado. Como em todas as crises, também esta pode trazer uma oportunidade para começarmos, por fim, a implementar uma política de prevenção e promoção de saúde mental efetivamente mais eficaz e ajustada às necessidades” alerta a psicóloga.

Para Fábio, Teresa e Leonor não existem dúvidas de que ainda há muito tabu em torno do cansaço — de assumir que estamos cansados. Como se assumir cansaço fosse demonstrar fraqueza. 

“Acho que existe esse tabu, sim, em relação aos outros e a nós próprios, porque ninguém quer ser considerado preguiçoso, mas também ninguém quer ser preguiçoso. Essa pressão não será igual para toda a gente, mas o desempenho profissional é uma parte muito central da nossa vida, principalmente se acreditarmos no que fazemos e que o mérito está intimamente ligado ao sucesso”, sugere Teresa. “Em Portugal, há muito a ideia de que somos muito bons trabalhadores (cá dentro e lá fora) e tudo o que ponha isso em risco tem todo um caminho para fazer socialmente. Basta pensarmos nos preconceitos que surgiram por cá com a obrigatoriedade do teletrabalho. Não sei se conheço alguém que tivesse coragem de dizer a umx chefe/colegx que precisa de parar porque está cansadx. Aliás, só a ideia de ser preciso ‘coragem’ para o fazer demonstra, para mim, que não seria bem aceite. Acho que a exigência do direito a desligar está intimamente ligada com a importância da saúde mental.” 

No caso de Leonor, a falta de à vontade para dizer que está cansada prende-se sobretudo com o facto de ser estudante. “O teu trabalho é estudar”, “estás cansada porque te divertes mais do que estudas” são algumas das respostas que tanto Leonor como qualquer outro estudante correm o risco de ouvir, “englobando todos os estudantes no estereótipo”. Na sua condição de estudante, não sente que precisa de exigir um direito a desligar, uma vez que tem férias garantidamente e de forma faseada durante o ano; no entanto, olhando para o seu agregado familiar acredita que é importante “ter um direito para quando for necessário parar”. “Ilustro o que estou a dizer com o exemplo de um familiar, que derivado a um esgotamento e não poder parar, acabou por perder o emprego”, partilha, deixando também claro que isso só acontece porque o tabu em torno da saúde mental ainda é muito grande. “Enquanto em Portugal se desvalorizar a saúde mental e tudo aquilo que esta engloba, nunca nos sentiremos confortáveis a admitir que nos sentimos frágeis nesse contexto.”

Já Fábio, que confessa que “nunca tinha pensado sequer no direito a desligar”, “talvez fruto do privilégio” onde se diz estar inserido, diz que pensa frequentemente”sobre a carga horária dos portugueses”. “Questiono-me frequentemente se aquela hora extra que tenho ao fim do dia, em comparação às 35 horas da função pública, realmente se justifica”. Apesar de trabalhar num sítio que lhe dá “muita flexibilidade” e onde se sente bem com as condições de trabalho que tem, conta que pensa sempre que poderá associar-se um “sentimento de preguiça, falta de empenho ou de produtividade”, entre outros, quando comunica que vai começar a trabalhar mais tarde porque precisa de mais tempo de descanso. 

Os motivos para que se precise de desligar não têm de ser os mesmos — são, aliás, bastante diversos, e importa relembrar que, também entre os profissionais de saúde, o stress e a pressão tem posto em causa a sua saúde mental, e que muitas pessoas tiveram de lidar com perdas sem poder fazer o luto conforme esperariam, como disse o psiquiatra Ricardo Gusmão à Lusa recentemente. “Há quem precise de desligar porque trabalha de mais e leve o trabalho para todo o lado, há quem precise, como eu, por não estar a saber lidar com o contexto ou outra coisa qualquer da sua situação profissional, mas seja qual for o motivo, se a pessoa sente essa necessidade deve ser ouvida. Temos de aprender a preocupar-nos mais connosco”, diz Teresa sobre este assunto.  

Teresa, que passou por um esgotamento (burnout) há cerca de quatro anos, conta que nessa altura trabalhava das 04h00 às 10h00 da manhã num sítio, e das 12h00 às 16h00 noutro, sem folgas, e “ainda fazia alguns trabalhos de freelance de vez em quando”. “Foi a pior altura da minha vida — estragou a minha vida. E, nessa altura, eu nunca acusei o cansaço que acuso agora. Sou uma pessoa que sempre viveu num estado de ativação muito grande, que conseguia fazer mil coisas ao mesmo tempo, que nunca dizia que não a nada, e ficava chateada a sério comigo mesma se alguma delas não ficava bem feita. Vivia em modo automático. E depois de ter passado por isso tive de aprender que é legítimo parar e que é legítimo proteger-me.” 

Sem ler, previamente, o testemunho de Teresa, Filipa Jardim da Silva diz ao Gerador que nos “tornamos muito bons em fazer várias coisas ao mesmo tempo, em modo de atenção dividida, mas não treinamos a escuta ativa do nosso corpo e não abrimos espaço ao desaceleramento”. “Ser produtivo não é ser muito ocupado. Ser bem sucedido não é trabalhar 18 e 20 horas por dia. Ser bem sucedido passa por construir uma vida que permita conjugar todas as dimensões principais de vida (pessoal, familiar, social, profissional) com respeito pelas necessidades fisiológicas e psicológicas. Como em todas as crises, também nesta se notam movimentos complementares a surgir como a proliferação da prática do Mindfulness, ainda que muitas vezes com uma comunicação desvirtuada”, acrescenta.

“Diria que precisamos nos lembrar mais vezes da nossa essência enquanto seres humanos, para podermos viver bem, o máximo de tempo possível, em harmonia com o nosso corpo, com as pessoas à nossa volta e com o planeta”, conclui Filipa Jardim da Silva. E nessa essência está, certamente, o direito a desligar.  

Texto de Carolina Franco
Fotografia de Unsplash

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