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Abril relembra a ceramista e poeta alentejana que não sabia ler nem escrever

Uma exposição e uma conversa, na antiga escola primária da aldeia Monte da Estrada, entre 31 de março e 1 de abril, marcam a homenagem à artista alentejana Liberdade Sobral, que faleceu em 2020.

Texto de Redação

©Olinda Gil

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Liberdade Sobral era neta de um professor primário, mas nunca foi à escola.

Nasceu em 1934, na Ribeira do Seissal, concelho de Odemira e, como a maioria das crianças da época, fruto da ditadura e da negligência do Alentejo, começou cedo a trabalhar no campo.

Com seis anos de idade, começou a apanhar molhos de ervas aromáticas para vender. À medida que ia crescendo foi-se ocupando de várias atividades que diziam respeito à vida rural, como cavar e malhar milho, apanhar azeitona, fazer carvão, ceifar, mondar arroz e guardar gado.

Casou-se, criou sete filhos, e, anos mais tarde, já no início dos anos 80, uma das suas filhas passou por um momento de aflição durante uma gravidez.

Desesperada e sem saber o que mais poderia fazer, Liberdade fez uma promessa a uma santa: iria construir, em tamanho humano, duas esculturas dessa mesma figura religiosa, se a sua filha e a sua futura neta se salvassem.

As suas preces foram ouvidas e, sem formação artística nem meios adequados, viu-se obrigada a cumprir o que prometera. Pôs mãos à obra, utilizando os recursos a que tinha acesso, e começou a esculpir com arame, areia e cimento. Esculpiu duas santas de tamanho real: uma para a ermida da Nossa Senhora das Neves e outra para o cruzamento da estrada de Colos – o lugar da promessa. 

Este momento de fé despertou em si uma habilidade criativa para a escultura que a própria desconhecera que possuía. Tomou-lhe o gosto e continuou a criar “bonecos”, eventualmente passando para o barro.

O campo e a religião eram as suas inspirações frequentemente presentes, porém, num universo mais colorido, a abarrotar de cores garridas. Mas não só. 

©Olinda Gil

Inventava também criaturas fantasiosas, surreais, seres inexistentes concebidos no seu imaginário fértil, figuras com vários membros, duas cabeças a partilhar o mesmo corpo, animais às riscas e às pintas, bichos sem nome porque não existem, tudo aquilo que conseguimos imaginar – e o que não conseguimos, também.

Contam algumas pessoas da aldeia que, por vezes, enquanto dormia, se pensasse ou sonhasse com uma personagem, levantava-se a meio da noite para a trazer à vida.

Como se a cerâmica e as atividades do campo não bastassem para provar que era uma mulher dos sete ofícios, dedicava-se também à poesia, lançando versos ao ar enquanto guardava o gado.

Esses seus poemas estão imortalizados num pequeno livro intitulado Retalhos da Minha Vida, editado pela Câmara Municipal de Odemira, em julho de 2001, e refletem acerca da vida no campo alentejano, da natureza, do desgosto que tinha em ser analfabeta (só sabia assinar o seu nome), havendo ainda espaço para comentários sociais através de poemas como O Pobre Trabalhador Antigo, Sou Uma Pobre Liberdade e Não Fui Votar – este último sobre um transporte que não chegou a aparecer para a ir buscar à aldeia, quando lhe prometeram que teria possibilidade de ir votar aquando de um período eleitoral.

Liberdade Sobral faleceu em 2020, provavelmente sem saber que se afirmou como uma das mais peculiares artistas naïf do Alentejo e – arrisque-se a dizer – de Portugal.

A neta por quem fez a promessa – hoje já com 40 e poucos anos – é também protagonista de um dos seus poemas, intitulado A Minha Netinha Esperança – e não há melhor palavra que descreva o porquê de tudo isto ter começado. 

A homenagem acontece na antiga escola primária do Monte da Estrada, entre as freguesias São Luís e Relíquias, no concelho de Odemira, dia 31 de março, pelas 15h, com a inauguração da exposição de bonecos de barro da escultora autodidata, intitulada O Barro É Que Me Diz.

Continua a 1 de abril, a partir das 11h, com uma conversa e uma sessão de leitura dos poemas da artista, terminando pelas 17h do próprio dia. 

A homenagem faz parte da Semana ID, organizada pela associação Rota Vicentina, e é de entrada livre.

Mais informações no site da associação ou no site da Câmara Municipal de Odemira.

Texto de Filipa da Silva Pina

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