No dia 1 de janeiro de 2023, o Gerador publicou uma reportagem intitulada “Racismo Obstétrico: qual a realidade das mães negras?”, na qual evidenciou algumas das experiências obstétricas vividas por mulheres negras e afrodescendentes no nosso país. Para tal, contou com a participação e ajuda da Associação SaMaNe - Saúde das Mãe Negras e Racializadas em Portugal, criada pela socióloga Carolina Coimbra em julho de 2020.
Tal como nos explicou a socióloga, a Associação foi fundada com o objetivo de “combater o racismo vivido pelas mães negras e racializadas em durante a gravidez, parto e pós-parto”. Uma vez que não existiam dados estatísticos que evidenciassem esta realidade em Portugal, a Associação lançou um questionário a 8 de março de 2021, no qual as mulheres poderiam revelar, de forma anónima, as suas experiências de racismo obstétrico.
Mais de dois anos depois, a 9 de setembro de 2023, a SaMaNe conseguiu lançar o seu primeiro relatório técnico com base nas respostas que foi recebendo ao longo desse período. Esta apresentação ocorreu no Largo Residências, nos Anjos, em Lisboa.
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Tal como se pode ler no relatório, de acordo com os dados adquiridos, “apesar de as mulheres negras e afrodescendentes terem tido experiências positivas durante a gravidez, parto e pós-parto de um modo geral, ainda existe uma quantidade significativa de mulheres que vivenciaram momentos negativos nessas mesmas fases, tanto físicos como emocionais. É para essas mulheres, e para que as próximas não tenham de relatar os seus medos e traumas, que este trabalho existe”.
Em entrevista ao Gerador, Carolina Coimbra explicou-nos que estes dois anos foram necessários para “recolher o maior número de respostas. Sabemos que é um tema muito delicado e que nem sempre há disposição emocional para responder. Estamos a investigar um tema que não é falado em Portugal e somos das primeiras organizações a fazê-lo. A publicação deste relatório é um orgulho, estamos muito contentes com o resultado, mas sabemos que é apenas o início”.
De acordo com o mesmo relatório, “mais de um quinto das mulheres negras e afrodescendentes em Portugal afirmou ter sofrido violência obstétrica ao longo da gravidez”. Quase um quarto dessas mulheres afirmou ter sofrido o mesmo tipo de violência durante parto, situação que, com base neste relatório, veio a revelar-se associada à raça, à idade e/ou à condição social das mulheres inquiridas (158).
Os dados do questionário mostraram que 10,7 % das mulheres não se sentiu respeitada pelos profissionais de saúde durante a sua gravidez; 33,5 % sentiu-se humilhada e 41,1 % sentiu-se negligenciada pelos mesmos. O relatório revelou ainda que 76,6 % das mulheres não foi questionada sobre a posição em que queria ter o seu bebé, “predominando a posição litotómica (deitada de costas)”; 84,4 % não teve um acompanhante da sua escolha durante o trabalho de parto; e 65,2 % das inquiridas não recebeu informações claras acerca dos procedimentos que poderiam vir a ser realizados ao longo mesmo.
“Não estamos paradas”, remata Carolina Coimbra na nossa entrevista. “O questionário é apenas uma das formas [de evidenciarmos a existência dos casos de racismo obstétrico em Portugal], já que, para quase tudo, precisamos de dados como ponto de partida. [Também] temos estado em contacto com algumas organizações para [obter] parcerias e avançarmos junto da comunidade [com ações de] sensibilização e esclarecimento acerca dos seus direitos durante a gravidez e o parto”.
A apresentação do relatório no Largo Residências contou com a presença de profissionais de saúde, como a psicóloga e fundadora do Coletivo Afropsis, Miriam Pires dos Santos, alguns representantes de organizações que colaboram com a Associação SaMaNe - ou que, futuramente, pensam vir a colaborar - estudantes da área da Investigação e algumas das mulheres que relataram as suas experiências obstétricas no questionário.
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Por fim, Carolina Coimbra esclareceu-nos que, por enquanto, a Associação não tenciona apresentar estes dados a instituições, como o Instituto Nacional de Estatística (INE), mas sim a “partidos políticos que já mostraram interesse em saber o resultado do questionário, bem como a profissionais de saúde e outras organizações que querem trabalhar em colaboração com a nossa associação”. Para além disso, a socióloga disse-nos ainda que o questionário permanecerá em aberto para quem quiser revelar a sua história de violência obstétrica, deixando claro que, de um modo geral, “as mulheres já começam a exigir mais os seus direitos” e a reconhecer que esse é um momento que “deveria ser positivo, e não uma experiência traumática nas suas vidas”.