O quinto episódio das Cordas Soltas, uma conversa sobre guitarra guiada pelo guitarrista André Santos, tem como convidado o guitarrista Mário Delgado.
Mário Delgado é um dos guitarristas mais conhecidos no meio jazzístico em Portugal. Tendo iniciado os seus estudos no género clássico, enveredou pelo jazz ao ingressar na escola do Hot Clube de Portugal. Frequentou, ainda, workshops com Bill Frisel, John Abercrombie, Barney Kessel, Kenny Burrell e Derek Bailey. Nos anos 90, focou-se mais na interpretação de standards, mas a viragem de década levou-o a explorar o domínio da composição, surgindo, inclusive, Filactera, um projeto inspirado no mundo da banda desenhada que chegou a ser votado o melhor grupo de jazz português, em 2001. Integra também o projeto TGB, um trio com tuba, guitarra e bateria com influência do som de Nova Orleães. Ao longo da sua carreira já tocou e/ou gravou com variadíssimos artistas, tais como Maria João, Cristina Branco, António Zambujo, Mário Laginha, Martinho da Vila, Mayra Andrade, Ala dos Namorados, Susan Palma-Nidel, Robert Sadin, Louis Sclavis ou Mark Turner.
O teaser da conversa começa da melhor forma: com Mário Delgado a tocar na sua guitarra de aparência invulgar. “Assim, já não preciso de genérico”, ouvimos André dizer acompanhado de gargalhadas. Como se tornou hábito neste ciclo, começamos por ver revelada a primeira vez que Mário pegou numa guitarra. Costumava passar férias no Bussaco com a família e um dos seus primos, que é guitarrista clássico, tinha nessa casa a sua guitarra. Um dia, apanhou-a sozinha, chegou perto dela e beliscou-lhe a corda. “Quando belisquei a corda senti aquele ahhhhhh, dei um pulo para trás. Deve ter sido a corda de ré ou a de lá”. Tinha cerca de seis ou sete anos, mas só mais tarde começou a tocar, aos treze/catorze anos. Ao começar a falar desse seu percurso, os risos não são poupados ao ouvir Mário dizer que naquele tempo eram um pouco como “os porcos à procura do futuro”, porque não havia Internet e acabou por recorrer a um método que não o convencia, tendo inclusive sentido a necessidade de fazer um livro de acordes baseado nas fotografias das posições de mãos de guitarristas que admirava. Portanto, ainda antes de tocar guitarra, já tinha os seus heróis guitarristas, porque já “ouvia muita música”. Partilha ainda que antes de ser guitarrista, queria ser crítico de música.
Com um gosto claro por Blues, foi num programa do Júlio Isidro que viu guitarristas de jazz que lhe suscitaram alguma curiosidade, porque não percebia o que estavam a fazer. “Quando ouvi aquilo fiquei louco. Aquilo era o que eu queria!” E foi assim que nasceu a vontade de saber mais sobre o jazz, levando-o a enveredar por esse caminho. Não tinha discos na altura e eram difíceis de encontrar, pelo que a sua aprendizagem neste género só começou verdadeiramente quando foi para a escola – “foi quando entrei para o Hot Clube que mudou tudo”.
Porém, e nem sempre fruto de uma profunda vontade, Mário acabou por se juntar a vários projetos, de géneros musicais diferentes. A esse propósito explica que o jazz, na altura, “quase que se reduzia ao Hot Clube, quase não havia contacto com músicos de fora, era assim uma pequena aldeia”, o que fazia com que se enveredasse também por oportunidades de tocar noutros estilos.
Encerrado esse capítulo da conversa, viramos a atenção para o da técnica. “A guitarra é capaz de ser dos únicos instrumentos capaz de soar muito bem, sendo muito mal tocado”, declara Mário para abrir este tópico. Ou seja, aquilo que às vezes pode ser visto como mal tocado, por vezes já veste tão bem as canções que chegar um guitarrista profissional, como o Mário, poderá tirar o som e personalidade da música que se liga a uma forma menos convencional ou perfeccionista de tocar guitarra, explica. Outra das características de Mário é a sua curiosidade infinita, que se mostra inclusive na procura por levar sempre propostas novas para tocar, mesmo quando se trata de estruturas simples e de poucos acordes. Para ilustrar este facto, André desafia-o a mostrar algumas descobertas/experiências mais recentes que havia partilhado consigo um tempo antes com os acordes de sexta.
Virando a atenção para o braço da guitarra, André pergunta pela “guitarra labiríntica”, um conceito de Mário que costuma introduzir aos seus alunos. “A guitarra pode ensinar alguém a tocar, ela pode ensinar música”, avança para explicar de seguida que aprendeu a tocar por diagramas, mas como esse método se fixava mais na memória sentiu a necessidade de arranjar outro que lhe permitisse pensar doutra forma – a “guitarra labiríntica, que é como se a guitarra fosse um teclado de piano”. Depois de ilustrar este exercício e a sua digitação, partilha outro dos seus conceitos - a “guitarra minimal”, em que não tem notas repetidas, uma vez que numa guitarra existem diferentes partes das cordas para tocar a mesma nota, na mesma oitava e exemplifica tal característica tocando a nota mi em oito sítios diferentes do braço da guitarra.
Quanto ao som, defende que este está nos dedos ou na palheta e que o próprio ângulo em que se usa a palheta é muito importante para o som que se produz. Outro dos traços que salientam é como o som de um músico não depende dos instrumentos ou materiais que toca, mas sim do próprio músico, porque se dois guitarristas tocarem na mesma guitarra, o som que dela tiram será sempre diferente, mesmo que tocando a mesma música. Quanto a referências, confessa que gosta mais de cantores e cantoras e aponta o grupo da Billie Holiday como exemplo. Como não poderia deixar de ser, a conversa é finalizada com Mário Delgado a tocar um tema seu.
Podes ver o vídeo da conversa, aqui:
André Santos é um guitarrista madeirense de amplos interesses. Foi no conservatório de Amesterdão que fez o mestrado em jazz, tendo desenvolvido uma tese sobre cordofones madeirenses, grupo no qual se inserem instrumentos como o rajão, a braguinha e a viola de arame. Foi essa investigação que muito inspirou o cunho com que contribuiria para Mano a Mano, o projeto a duo que tem com o seu irmão, também guitarrista, Bruno Santos, que já conta com três volumes editados. Tem ainda um trio com Carlos Bica e dirige um projeto de música tradicional madeirense reinventada, Mutrama, para o qual convidou Salvador Sobral, Maria João e Ricardo Ribeiro. Tem dois discos em nome próprio e participa noutros tantos, como são exemplo, os de Salvador Sobral e Pedro Moutinho. Mais recentemente, integrou o novo quinteto de Salvador Sobral. Agora, avança com o conceito e criação deste ciclo de conversas sobre guitarra, Cordas Soltas, sobre o qual podes saber mais, aqui.
Às 18h de dia 11 de julho poderás ver/ouvir a sexta conversa entre o André Santos e Pedro Branco. O Gerador é parceiro deste ciclo de conversas, pelo que vamos partilhar contigo cada uma delas no nosso site, através da página de Facebook do guitarrista madeirense. Fica atento!