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Descobre o Teu Interior: o festival que deu a conhecer o melhor do interior do país

Mais de mil quilómetros, sete municípios e 14 dias depois, a segunda edição do festival…

Texto de Redação

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Mais de mil quilómetros, sete municípios e 14 dias depois, a segunda edição do festival itinerante Descobre o Teu Interior deu palco à cultura, tradições e património destes concelhos. Ao longo desta viagem, refletiu-se sobre as idiossincrasias destes territórios, as dificuldades que vivem e o caminho que ainda falta percorrer para aproximar o interior e o litoral do país.

A segunda edição do festival itinerante Descobre o Teu Interior foi conhecer o que sete municípios do interior de Portugal têm de melhor para oferecer e perceber as fragilidades que lhe são inerentes. Desde a pesca da fataça, em Constância, à casa de Domingos Monteiro e dos biscoitos de Vila Marim em Mesão Frio, do cante alentejano em Beja, à vinicultura da Mêda, da pintura alentejana em Montemor-o-Novo, não esquecendo a serra de Sicó em Pombal – com pinturas rupestres raras –, à rota das Ermidas em Vila Viçosa, ainda há tanto por descobrir e aprender com as idiossincrasias do interior do país.

Se a primeira edição deste festival foi virtual devido aos constrangimentos da pandemia, este ano a viagem foi híbrida, acessível no recinto do festival no website do Gerador e, simultaneamente, saboreando-a em cada local. Durante 14 dias, decorreram workshops, concertos em locais improváveis, passeios em locais emblemáticos ou fora das rotas turísticas típicas, conversas digitais e presenciais para refletir e debater o interior, a prova da melhor gastronomia local com direito a uma história e, em formato digital, a sessão de recolha da Música Portuguesa a Gostar dela Própria, do realizador Tiago Pereira, e uma mostra de filmes com a curadoria da Academia Portuguesa de Cinema. Mas como podemos, de facto, conhecer verdadeiramente estes territórios?

Explorar e fruir do património de cada cidade

O Festival começou com dias luminosos em Beja, convidando para a observação dos ornamentos arquitetónicos presentes na pressa do quotidiano, mas despercebidos ao olhar. As referências estão um pouco por todo o lado e, em cada esquina, conta-se uma história: desde a esfera armilar, das gárgulas que denunciam os pecados capitais, das referências artísticas, até aos adornos que invocam a riqueza do reino. Todas estas referências fazem parte da cidade, histórias contadas por Francisco Paixão, responsável pelo Museu Regional de Beja – Museu Rainha D. Leonor. Do Gótico ao Manuelino, esta viagem secular foi percorrida ao ar livre, iniciando-se no Jardim Gago Coutinho e Sacadura Cabral, em Beja. Francisco Paixão demonstrou que a história nem sempre se concentra em quatro paredes e que existem, de facto, verdadeiros museus ao ar livre.

Em Montemor-o-Novo, a Quinta da Asneira é outro exemplo de história que concentra num único sítio o passado e o presente: quando a realeza portuguesa se deslocava para a Casa de Bragança, a paragem era quase obrigatória nesta quinta porque a qualidade das águas era reconhecida e os banhos imperativos, aponta Alexandre Rebotim, responsável pela quinta. Os tanques para os banhos foram construídos, à época, de uma forma que, o equivalente hoje, se assemelham a banheiras de imersão. A fama desta herdade com 20 hectares falava por si só.

Porém, com o passar dos anos, a quinta foi votada ao abandono e vítima de roubos – perderam-se peças valiosas, como uma estátua de Santo António – e a história teimava em não lhe dar uma segunda oportunidade. Contudo, a sentença não foi definitiva: a Quinta da Asneira é hoje Alojamento Local (AL) e o olhar perde-se na flora – há espécies variadas, uma verdadeira coleção ao ar livre –, fontes centenárias e um cenário por descobrir. A melhoria deste AL, aponta Alexandre, passa pela construção de uma piscina e a contínua requalificação.

Quando se menciona Vila Viçosa, o nome de Florbela Espanca salta à memória, tal como o Paço do Ducal ou o castelo. Mas e se Vila Viçosa escondesse vários tesouros ao redor? A visita guiada às Ermidas foi a prova que ainda há património por recuperar e que é intenção do Município fazê-lo: “O interesse deste executivo é realmente avançar na reabilitação do património para poder permitir a valorização turística do nosso território”, porque há “um património muito diversificado que merece ser intervencionado”, aponta Tiago Salgueiro, vice-presidente da Câmara Municipal de Vila Viçosa, na visita guiada às Ermidas.

A primeira deste passeio passa despercebida a quem percorre aquela estrada: se ao longe, na encosta, aquela estrutura aparenta ser uma casa degradada, quando se sobe esta inclinação rochosa e se entra, o cenário é totalmente diferente. Na Ermida de Nossa Senhora do Paraíso, o teto abre-se com frescos que datam do século XVII e azulejos do século seguinte. O estado de degradação é evidente, graças à vandalização que se assistiu no passado, onde caçadores de tesouros danificaram o local e roubaram azulejos. Neste local, de nome paraíso, há ainda as covas onde pernoitavam os monges durante a sua visita à ermida, na Páscoa. Há várias espalhadas na zona e algumas datam do século XVI. A Rota das Ermidas, dispersas pelo território, continuou com a de São Domingos e a de São Bento, situada junto ao único moinho de vento de Vila Viçosa.

Tiago Salgueiro realça que esta melhoria do património religioso vai, ainda, auxiliar o município a tentar alcançar um objetivo mais ambicioso: “Estamos também a tratar da candidatura de Vila Viçosa a Património Mundial e pensamos que este tipo de intervenção vai ser absolutamente fundamental para que possamos seguir uma estratégia clara”, indica o vice-presidente, “um caminho exato e que possa, no fundo, também trazer algum retorno do ponto de vista turístico e da dinamização do turismo”.

Os rios Tejo e Zêzere encontram-se em Constância, numa vila em que o elemento água desenvolveu esta zona e continua a ser a sua marca de referência. Na “autoestrada dos produtos”, a paisagem era adornada por várias embarcações que rumavam ao estuário do Tejo e que levavam e traduziam as matérias-primas. Nas margens dos rios, a pesca era essencial para o comércio. A fataça, peixe típico da zona, ainda hoje é pescado e é produto consumido nesta vila, tal como a lampreia. Conhecer Constância é também apreciar o seu património histórico. A Torre do Relógio é um monumento icónico que continua ao serviço da população: todos os dias é-lhe dada corda para que o relógio conte as horas para a população. Também a Casa do Tejo, com vista para o rio e para as margens sedentas de água, integra o percurso que é feito à vila. Devido à pouca precipitação, o caudal é mais pequeno e pequenas porções de terra são visíveis e acessíveis aos transeuntes. Curiosamente, todos os dias, ainda se realiza o transporte de pessoas para a outra margem por Sérgio Silva, funcionário da Câmara Municipal de Constância, e dos poucos profissionais da área das embarcações.

“Nas festas [da Páscoa] fazemos um desfile de embarcações”, explica Anabela Cardoso, funcionária do município, em que contactam “todos os municípios do Tejo e Zêzere para estarem aqui representados na Festa de Nossa Senhora da Boa Viagem, com uma embarcação representando o município ou a junta.” Esta tradição ainda se mantém viva, e é um cartão de visita porque “esta vida no rio era tão importante, mas era tão perigosa que esta bênção era fundamental. Eles [pescadores] estivessem onde estivessem, faziam questão de estar aqui em Constância na altura da Páscoa”, aponta. A debilidade dos barcos, construídos a madeira, e as fortes correntes do rio moviam a fé destes homens e mulheres, uma âncora em momentos de aflição.

Apesar do turismo estar voltado para momentos de experiências ligadas ao rio, “Constância tem a vantagem de ter uma zona ribeirinha que foi aberta e que não houve um divórcio entre aquilo que é a parte urbana e a importância que os rios têm para o nosso concelho”, aponta Sérgio Oliveira, presidente da Câmara Municipal de Constância. Este casamento é feliz, e há a intenção de “fazer um museu digno de todo este passado histórico, um museu que queremos que seja integrado na Rede Nacional de Museus e que, efetivamente, fique junto aos rios e que possibilite que as pessoas revivam e tenham contacto com aquilo que foi o passado da vila de Constância”, acrescenta o edil. Os territórios de Constância, apesar de não estarem localizados no coração do interior, são “de pequena dimensão, [por isso] temos de mostrar o melhor que temos e o que temos para oferecer, a diversos níveis”, afirma Sérgio Oliveira.

Lídia Domingues e António Semeano, ambos reformados, estão agasalhados e equipados para mais uma caminhada. Habituados à temperatura e aos trilhos cársicos da serra de Sicó, encontram-se com o grupo para o passeio do município de Pombal na Associação Estrela Poiense, na aldeia de Poios, com vista privilegiada, lá no alto, para a Capela de Nossa Senhora da Estrela, construída na falha tectónica da serra de Sicó. Desta aldeia até ao Vale do Poio Novo, percorre-se uma pequena parte da Grande Rota das Terras de Sicó, um percurso circular que calcorreia o Maciço Calcário de Sicó com 189 quilómetros e dividido em oito etapas que alcança os concelhos de Alvaiázere, Ansião, Condeixa-a-Nova, Penela, Pombal e Soure.

“Na Aldeia de Poios ainda se vêm vestígios do património vernáculo e da ruralidade”, explica Lívia Vaqueira, técnica da Unidade de Turismo da Câmara Municipal de Pombal, responsável pelo passeio. O grupo segue em direção ao Vale do Poio Novo, onde se localiza a Estação da Biodiversidade e o canhão fluviocársico, um geosítio muito importante a nível arqueológico, explica Lívia, devido à presença de covas (conhecidas por buracos), que caracterizam as paredes da serra. Lívia explica que há vestígios que provam que estas escavações recuam à época dos neandertais, onde se abrigavam, e que, mais tarde, foram o resguardo dos pastores que por ali faziam vida.

A serra de Sicó “é um dos locais mais emblemáticos que temos em termos de trilhos”, refere Gina Domingues, vereadora da Câmara Municipal de Pombal, e “nós estamos a promover uma candidatura para que sejam homologados, para que sejam divulgados de uma forma mais abrangente e que as pessoas possam ter acesso aos mesmos antes de chegarem ao território e que possam usufruir da serra e de toda a sua beleza”. Outro tesouro camuflado na paisagem calcária deste passeio são as gravuras rupestres, únicas a nível nacional. São quatro painéis com figuras humanas, conta Lívia, gravadas no calcário e que remontam à época dos metais. Mas nem tudo é acessível: para as conseguir ver, é necessário escalar as paredes da serra.

Pombal ©Bárbara Monteiro

Lídia e António conheceram-se há décadas e casaram-se. Conhecem aquela zona muito bem: Lídia nasceu em Vila Cã, uma das freguesias do município, e António, apesar de ter nascido em Benavente, já é perito naquele território. Viveram muitos anos em Lisboa. Lídia era professora de química e António era engenheiro. Agora, na reforma, estão no “sossego” daquela zona. “Eu, quando acordo, gosto de ler os jornais e vi que ia haver este festival”, começa por contar Lídia. “Pensei que já não íamos a tempo, vi o evento à uma da tarde! Perguntei ao António se queria ir fazer a caminhada às três e viemos”, conta. Não só fizeram o passeio, como ficaram para a programação completa daquele dia em Pombal. Tudo por um acaso feliz.

Pombal é um município que congrega o melhor de dois mundos: a praia Osso da Baleia e a serra de Sicó. “Não podemos assumir Pombal como um concelho do interior, mas tem a sua interioridade nas freguesias que são menos conhecidas”, refere Gina Domingues, “e é isso que temos de alterar”, porque “cada uma delas tem os seus pontos fortes e aquilo que pretendemos é que o concelho seja todo conhecido. É a diversidade que traz a riqueza ao nosso território”. Sob estas premissas, está a ser construído o CIMU SICÓ – Centro de Interpretação e Museu da serra de Sicó, para uma maior valorização das valências deste território.

Depois de se percorrer uns quilómetros em direção a norte, a paisagem começa a mudar; o calcário dá lugar à terra lavrada há muitas décadas por homens e mulheres que decidiram fazer socalcos nas encostas, junto ao rio Douro. A paisagem é recortada por esta serpente que nasce em Espanha e que alimenta a vista para quem viaja a Mesão Frio. Mesmo com a chuva que se faz sentir no município nos dias do festival, a “Porta do Douro” não deixou de se abrir para as paisagens vinhateiras. O passeio foi dedicado a visitar a Casa-Museu Domingos Monteiro, mais conhecida por Casa das Quintãs, o ponto cor-de-rosa que pintalga a paisagem já de si verde, castanha e azul. O escritor mesão-friense é um dos escritores mais conhecidos das décadas de 1940 e 1960, com particulares histórias e relação próxima com Guerra Junqueiro. A quinta, abastada por hectares de vinhas, continua na família e está à responsabilidade de João Teixeira, de 52 anos.

“Eu nasci nesta casa”, conta, “sempre fui tratado como família. Se iam ao jardim zoológico, também me levavam e era assim”, diz com um sorriso. O lema da família, acrescenta, continua o mesmo: “O que conta são as pessoas que por aqui passam, não são as coisas.” A quinta continua na família, e João é o responsável pela sua manutenção e visitas. Consigo, na casa, está a madrinha Elvira, com 90 anos, e uma energia e lucidez imensa.

As histórias desta quinta ecoam pelas paredes, contadas pelo fulgor de João, onde ainda é possível ver o diário original de João Pina de Morais. Este antigo soldado da Grande Guerra foi casado com Lídia Monteiro, descendente da família da Casa das Quintãs, onde lhe dedicou o seu amor nas páginas de um diário em plena guerra das trincheiras, escritos que só foram descobertos pelo filho de João depois da morte da esposa e hoje publicados em livro. Para além da ligação da família à literatura, às artes e à política, nesta casa existe ainda uma forte união às vinhas e “há uma intenção futura de termos uma marca própria de vinho”, conta João.

Da “Porta do Douro” para o território “onde o Douro encontra a serra”, Mêda é o concelho que também se abastece de uma forte tradição vinícola nesta zona do Douro Superior. A Vinilourenço é uma empresa vertical que contém todos os processos de produção, desde a plantação das vinhas até ao engarrafamento de vários tipos de castas. Localizada no Poço do Canto, uma das freguesias do município da Mêda, os 50 hectares de vinha estende-se, ainda, para o concelho de Vila Nova de Foz Côa. “Estão a ver aquele monte? É a fronteira entre o Douro e a serra”, aponta Jorge Lourenço, atual proprietário da empresa, fundada pelo seu pai na década de 1980.

A altitude, a tipologia dos solos e o clima são ingredientes para os diferentes tipos de vinhos que a empresa produz. Mas para que o vinho chegue à mesa, existe todo um processo que começa na terra e na videira. É preciso tratá-las, podá-las e fazer a sua manutenção, mas a mão de obra qualificada é escassa e insuficiente no município e na região do interior, lamenta João Lourenço.

Alberto Aranda, mais conhecido por Alberto Grilo, é o trabalhador mais antigo da empresa: “Já trabalho cá antes da Vinilourenço, trabalho desde o 25 de abril de 1974, comecei com o pai”, conta. Com o passar dos anos, nota esta decréscimo de pessoal e sabe que se não existir nenhum incentivo, a profissão pode extinguir-se, principalmente na época da poda, que requer um certo cuidado e formação. “Deveria existir uma formação todos os anos, tal como existe noutras profissões, porque tem de se saber podar”, afirma.

“Temos pedidos para pessoas de fora trabalharem connosco, mas quando sabem que vão para a vinha, já não querem!”, conta Alberto, que refere que só há cinco pessoas a trabalhar para 50 hectares de vinha. Há uma preocupação em assegurar a profissão: “Tenho dois filhos e três netos e vou ensinando aos netinhos. Eles gostam!”, diz. Mas não é suficiente. A solução passa por incentivos, mas não parecem ser cativantes para atrair jovens e/ou desempregados. A visita terminou na adega da Vinilourenço, onde Jorge explicou o processo de produzir os vários tipos de vinho e, no final, todos tiveram a oportunidade de provar um dos vinhos da casa, ao som do saxofone e do órgão de alunos da Academia de Música da Mêda.

Refletir sobre o interior em cada interior

O denominador comum neste festival foi a miríade de sítios (im)prováveis onde aconteceram os eventos. Em sete localidades refletiu-se, discutiu-se e trocaram-se experiências em relação a cada território no total de 14 conversas, digitais e presenciais, com 40 convidados em sítios particulares de cada município. Desde o Centro de Arqueologia e Artes e a Enfermaria do Hospital da Misericórdia em Beja, à Fábrica Melgão Cacau e Chocolates, em Montemor-o-Novo, ao Museu de Mármore Raquel de Castro, em Vila Viçosa, ao Auditório do Centro de Ciência Viva de Constância, passando pela capela de Nossa Senhora da Estrela – que só abre três vezes por ano –, ao Núcleo Museológico e Etnográfico do Rancho Folclórica da Redinha, em Pombal, à Biblioteca Municipal de Mesão Frio e ao salão da Casa da Cultura da Mêda, as conversas foram diversificadas no tema e nos convidados.

Falou-se sobre os vários setores de turismo como fator de desenvolvimento e valorização do território, como pode a cultura ser a protagonista no futuro do Interior, que novas oportunidades estão a ser desenvolvidas, Espanha como fator dinamizador no Interior do país, qual o papel dos jovens, os rios, a vinicultura como fator de desenvolvimento, a imigração, de que forma as alterações climáticas vão e estão a afetar os territórios do interior, entre outros assuntos importantes para a reflexão destes territórios.

Estas conversas ajudaram a perceber que é preciso pensar, primeiro, nos residentes nestas localidades. Não só é importante atrair turistas, mas também fixar os que já vivem nestes territórios através da melhoria das condições de serviços, como a saúde, os meios de transporte, os acessos e as infraestruturas.Em Mesão Frio, a rede viária é “inexistente”, refere Paulo Silva, presidente da Câmara Municipal de Mesão Frio, as escolas precisam de melhorias e o hospital mais perto fica a 40 minutos. “O centro de saúde está aberto até às 18 horas, sem médicos. Os médicos que passam por aqui normalmente são médicos que estão em rotação e ganham aqui o lugar. Passados uns meses, vão-se embora”, lamenta o edil.

A pandemia, apesar de todos os constrangimentos associados, foi uma oportunidade para olhar para estes territórios com outro fulgor, principalmente com a oportunidade de trabalhar remotamente para qualquer empresa. Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, reforça que as majorações para as contratações de funcionários para empresas no Interior do país ajudam, também, “a abrir mais este conceito do que é trabalhar no interior”, pois “os trabalhadores remotos podem estar a trabalhar em qualquer sítio do mundo, independentemente de onde a empresa se localiza e acho que isto é cada vez mais uma oportunidade que o interior de Portugal tem e que ficou mais evidente com a pandemia”, refere na conversa digital de Pombal sobre o papel dos imigrantes para o desenvolvimento destes territórios.

Olímpio Galvão, presidente da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, refere na conversa digital que, nos últimos anos, o município perdeu cerca de 17 por cento de população, mas a pandemia tem vindo a ajudar com este “contrafluxo”, ou seja, de famílias que deixam a sua residência no litoral e procuram fixar-se neste concelho. “Conseguimos ter aqui um conjunto de qualidades reunidas que fazem com que as pessoas se apaixonem por Montemor-o-Novo e há muitos casos desses”, afirma o edil. “Montemor-o-Novo tem tido sempre um apoio às indústrias criativas e neste momento estamos a assistir a muitas pessoas a instalar-se no concelho ligadas às artes e temos de ter em conta que as artes também trazem economia e o município está recetivo a isso”, reforça.

Um dos objetivos do executivo da Câmara Municipal da Mêda passa, também, por atrair mais população através de atividades culturais diferentes e na aposta no turismo e nos produtos endógenos: “Ninguém descobriu nada. Estamos a chamar pessoas com atividades muito interessantes, não só nesta área da cultura, mas também na área do enoturismo, da área agrícola. Queremos trazer as pessoas para a Mêda”, afirma João Mourato, presidente da Câmara Municipal de Mêda.

Um dos incentivos do Governo para atrair população para o Interior passa pelo programa Emprego Interior MAIS, aponta Ana Mendes Godinho, que até ao momento já recebeu 971 candidaturas e que tem como objetivo final garantir um montante para gerar emprego e conceder condições às famílias para se fixarem no interior. “Temos de estar empenhados em reter o nosso talento, o talento do nosso país, mas também cativar talento estrangeiro”, aponta Pedro Pimpão, presidente da Câmara Municipal de Pombal, que indica que o município e as freguesias têm mecanismos de apoio aos imigrantes, mas também aos emigrantes, numa “estratégia em rede”, indica.

Porém, apesar do trabalho remoto ter cativado, em contexto pandémico, o regresso de famílias e jovens, nem todos tiveram condições de fixação devido a problemas de rede, lamenta o edil de Mesão Frio: “Temos aqui miúdos que trabalham em empresas e foi-lhes facultado a possibilidade de trabalhar em casa remotamente”, refere Paulo Silva, “mas chegaram aqui e tiveram de ir embora porque não tinham Internet, ou se tinham era pouca”. Em certas freguesias do município, a rede de telemóvel é mesmo inexistente, o que faculta sérias dificuldades de comunicação, aponta.

Evitar o despovoamento destes territórios foi o tema da conversa digital da Mêda, onde Isabel Ferreira, secretária de Estado do Desenvolvimento Regional, afirmou que é preciso apostar na qualidade, na eficiência e na identidade dos territórios: “É preciso trabalhar cada vez mais a identidade territorial com a aposta no seu capital social, com uma capacidade para desenvolver, também, visões partilhadas para o futuro”, aponta. “A nossa estratégia de desenvolvimento regional tem de passar por garantir este objetivo final que é o aumento de riqueza em cada região, quer per se, quer nas atividades que conduzem atualmente, obviamente com uma forte orientação económica, mas também nas dimensões sociais e culturais e isso passa por garantir qualidade territorial em todas as regiões”. O Orçamento de Estado (OE) de 2022 aponta várias estratégias para diminuir esta distância, englobando a intenção de elaborar uma Estratégia Nacional de Desenvolvimento Regional.

Em Beja, a retoma progressiva da normalidade começou com este festival, afirma Paulo Arsénio, edil de Beja, mas, durante dois anos, tentou-se adaptar a cidade, tornando-a mais apelativa. A oferta turística foi melhorada e criaram-se novos percursos acessíveis no centro da cidade. A nível interativo foi criada uma visita digital à cidade sem sair de casa, através da Beja 360. A nível turístico, foi criado o slogan “Venha a Beja com vagar”, que congrega o melhor do município, aponta o presidente da Câmara Municipal de Beja: o luxo do tempo, o património histórico, cultural e gastronómico e ainda as praias fluviais.

Os encontros, as aprendizagens e o desejo de voltar

Usufruir de um concerto num local atípico foi o mote para os dois concertos que cada município acolheu: um de artistas locais e outro para os artistas convidados. “Eu sou do Interior e sei quão importante é isso, ir aos sítios e mexer com as pessoas, porque muitas vezes [a cultura] não chega, se concentra ali no litoral.” É desta forma que Labaq, cantora e compositora brasileira oriunda de uma cidade do interior de São Paulo, compreende as poucas diferenças que existem nos territórios do interior entre os dois países, onde as acessibilidades de acesso não são iguais para os públicos de territórios mais distantes do litoral. No Mercado Municipal da Meda, a artista fechou 14 dias de programação com um concerto em que cantou temas portugueses como A Canção do Engate, de António Variações. O convite foi uma oportunidade para conhecer Mêda pela primeira vez e proporcionar um momento de comunhão: “A gente vem para cá e consegue ter um momento bom para essas pessoas. Eu acho que é extremamente válido e muito importante para estes territórios”, afirma com convicção.

Em Pombal, a Casa Varela – Centro de Experimentação artística, encheu-se para ouvir Tó Trips, antigo guitarrista dos Dead Combo e agora membro do Clube Makumba. Os ouvintes estavam de olhos fechados e sentados no chão da sala a apreciar a dedilhação da guitarra e as batidas do músico, que lhes proporcionou uma experiência intimista e se materializou numa chuva de palmas no final de cada canção. “Muito do que se passa no país, passa-se no litoral, e acho que é ótimo ver este tipo de iniciativas em que se vai a sítios onde não acontecem tantas coisas, porque estas pessoas também são portuguesas e também pagam os seus impostos”, afirma Tó Trips.

Mas estes locais emblemáticos, como o Núcleo Visigótico do Museu Regional de Beja onde Benjamin atuou ou a Biblioteca do Convento de S. Domingos, em Montemor-o-Novo, que foi palco da atuação de Surma, representam também uma estreia para alguns artistas, seja no próprio município, seja na apresentação das suas músicas. Afonso Cabral, vocalista dos You Can’t Win e Charlie Brown,estreou-se a tocar a solo na Igreja de Santo Cruz de Vila Viçosa: “Nunca tinha vindo a Vila Viçosa e foi um ótimo pretexto para vir e para conhecer”, conta o músico. “Felizmente, ao dar concertos, vou passeando um bocadinho por todo o país e temos um país inacreditavelmente bonito e com tanta coisa para oferecer. E depois, a maior parte das pessoas acaba por conhecer pouco, apenas os grandes centros e não conhecer o interior”, afirma.

Também Hélio Morais, membro dos Linda Martini e PAUS, apresentou pela primeira vez no Museu Quintas do Tejo, em Montalvo, freguesia de Constância, músicas do álbum que vai sair em 2023. Estreou-se à guitarra e cantou a sua história e relação familiar com os pais, pautada por momentos tenebrosos, mas também de reconciliação. “Foi-me desafiado vir ao festival Descobre o Teu Interior e venho mostrar-vos o meu interior”, confidenciou o músico ao começar o concerto.

A união entre a voz de Beatriz Pessoa e as teclas de Raquel Pimpão, mais conhecida por Femme Falafel, deram origem a um concerto na Adega Cooperativa de Mesão Frio e a uma parceria inédita. Juntaram-se ao Rancho Folclórico da Casa do Povo de Barqueiros, a convite de Pedro Monteiro, e proporcionaram aos presentes um momento musical único, em que a dança típica do rancho não faltou. “Eu fiquei logo superanimada porque achei uma ideia muita gira e, na verdade, eu sou muito pouco conhecedora da nossa cultura de música tradicional e então achei que podia ser importante, também, entrar por esses caminhos e investigar um bocadinho melhor e conhecer melhor. E valeu totalmente a pena”, confidencia Beatriz Pessoa.

A experiência foi tão positiva que a artista equaciona voltar a Mesão Frio com o intuito de repetir a colaboração com o Rancho Folclórico da Casa do Povo de Barqueiros: “Estou com a ideia de vir cá mais vezes, passar mais tempo e fazer assim uma coisa maior com estas pessoas, que também são músicos incríveis e que tocam num grupo que é típico da cultura portuguesa e é importante manter isso.” O balanço da sua participação neste festival, no final, foi mais do que positivo: “Acho que este festival tem um papel muito importante neste aspeto, considerando este cultivo de interesse e de saber estar e de saber ouvir”, remata.

Durante estes 14 dias, os artistas locais preencheram outros palcos e deram a conhecer a sua arte: na música, ZINKO, DJ e produtor de Montemor-o-Novo, apresentou o seu trabalho num sunset; a cantora Anaísa e o irmão apresentaram temas inéditos na Casa do Povo de Barqueiros; o grupo Issa Bella, na Praça de Touros de Abiúl, freguesia de Pombal; o concerto RAIA e Ana Santos, na Ermida de Santo André, em Beja, teve a participação especial de Celina da Piedade; o Quarteto de Cordas e Coro da Academia de Música da Mêda, na Igreja Matriz de Mêda; e uma performance de poesia, Dialéticos Poéticos com Alexandre O’Neil, de Pedro Freitas (conhecido como o poeta da cidade) e Wake Up Sleep, na Sala Polivalente do Cineteatro Municipal de Constância.

Mas não só de música, reflexões, concertos e declamações de poesia o festival viveu: também a gastronomia e os workshops tiveram um papel importante para a dinamização e fruição destes territórios. Desde workshops de como fazer migas, grelos, biscoitos de Vila Marim, até à pesca da fataça ou de calcetar ruas, as experiências foram múltiplas e a aceitação por parte dos participantes entusiástica. O prato principal foi a degustação de pratos típicos e dos produtos endógenos de cada município, num jantar regado com uma história ou uma música. A animação e o aproveitamento destes momentos juntaram dezenas de curiosos à mesa.

A segunda edição do festival Descobre o Teu Interior congregou várias vozes, diversos momentos e, sem dúvida, provocou a reflexão sobre temáticas importantes sobre estes territórios que, de outra forma, não têm expressão na agenda mediática. Um festival que prometeu e cumpriu com uma programação rica em experiências, com o apoio de entidades dispostas a contribuir para a dinamização do interior e encurtar a distância com o litoral do país.

Assiste e explora a programação destes setes municípios disponíveis no website do Gerador.

Texto de Ana Sofia Paiva
Fotografias de Bárbara Monteiro

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Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

22 ABRIL 2024

A Madrinha: a correspondente que “marchou” na retaguarda da guerra

Ao longo de 15 anos, a troca de cartas integrava uma estratégia muito clara: legitimar a guerra. Mais conhecidas por madrinhas, alimentaram um programa oficioso, que partiu de um conceito apropriado pelo Estado Novo: mulheres a integrar o esforço nacional ao se corresponderem com militares na frente de combate.

1 ABRIL 2024

Abuso de poder no ensino superior em Portugal

As práticas de assédio moral e sexual são uma realidade conhecida dos estudantes, investigadores, docentes e quadros técnicos do ensino superior. Nos próximos meses lançamos a investigação Abuso de Poder no Ensino Superior, um trabalho jornalístico onde procuramos compreender as múltiplas dimensões de um problema estrutural.

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